PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Escuridão Profunda

Não há vagas em meu coração.
Tudo está em suspenso
até a chegada do porvir
que é tanto o que desejo.

Não há saída,
não há nada
que me detenha
no meu passo.

Eu quis morrer com a sorte
de um campeão em tudo,
eu me interessei pelo lado negro
da razão,
eu me vesti de cadáver
numa bruma chuvosa.

As palavras caem como lanças
no meu verso grave e triste,
sou o atroz encontro
da vida com o inferno,
e não sei onde ir
senão para o claustro
do voo abortado
de todo poeta.

19/02/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

HORAS PASSADAS

Quantas horas perco escrevendo poemas?

Neste tempo poderia trabalhar na vala,

colher os meus livros,

pintar os meus labirintos.



Quantas horas de reflexão são necessárias

para se ter a certeza de que a razão é certa e funciona,

de que a filosofia e a ciência se complementam mutuamente,

de que o nosso país será uma grande potência,

de que os jornais dirão que a crise financeira passou,

de que os meus poemas serão publicados

e esquecidos nas livrarias?



Quantas horas perco buscando soluções

ao enigma da vida, e na verdade entendo

que não há soluções nem mesmo para as mazelas

cotidianas?



Eis que o fato crucial da vida é mesmo viver

o que ela tem de pulsação nas horas

de trabalho e nas outras horas de ócio.



Quantas vezes busquei nos meus poemas

possíveis saídas para o indizível,

e só pude dizer que o que não é dito

simplesmente nunca existiu?



Quantas horas perco escrevendo poemas?

Ao menos tenho uma profissão,

não sou poeta o tempo todo,

não sou temeroso das horas de trabalho.



Ontem diziam que o aquecimento global

não tem solução rápida,

que as indústrias continuarão poluindo

com carvão na China,

que o homem chegou à Lua

e não acabou com os mortos de fome

e a desolação na África,

e que Angelina Jolie adotou mais um

pequeno filho da miséria.



Anteontem diziam que a corrupção

é algo inerente à cultura política,

que os jogos de futebol

servem como manifestação

de paixões irracionais,

e que tudo o que está na internet

pode ser útil se soubermos o que queremos,

conhecimento, música ou pedofilia.



As mazelas e as glórias do que é humano.

Eis o trabalho do poeta,

ele, o poeta,

o que perde horas escrevendo ladainhas

sem fim e que sabe ver o mundo

com os olhos de uma criança curiosa

que começa a tatear o mundo.



Quantas horas, afinal?

Uma eternidade.



23/04/2009 Gustavo Bastos

SAÚDE MENTAL (POEMA ESQUIZÓIDE)

Agora é que bate a hora de ser são.

Se alguém diz que irá possuir loucuras,

e se gaba de ser astuto,

dirão outros que a soberba é a mancha

da alma.



Agora eu serei são.

Agora eu serei santo.

Se alguém vier dizer-me que sou louco,

direi que minhas estâncias e veranicos

são a praia branda do coração.



Se vierem os cavalos selvagens

e o ovo da serpente,

serei o iluminado corte da roupa,

um brocado lúcido,

uma fagulha de amor despido.



Sei que sou a loucura,

mas a loucura é a sanidade dos poetas.



Se vierem me dizer dos meus delírios,

direi que a vitória do meu saber

são os meus delírios e o meu riso.



Agora é que bate a hora do agora.

Agora é que a alma bate no corpo são.

Minhas preocupações são cotidianas,

e eu rezo por um amor cotidiano,

um amor comum,

sem a mística das paixões imortais.



Eu sou o quadro em branco

pronto às tintas.

O colorido da vida é o meu pendão.

O vivido da vida é a minha pensão.

O que mais sobra não são desditas,

mas o vinho do torpor em toda a sua glória.



Agora é que bate a hora do agora.

Agora sou são, santo.

Agora é a vez do poema

ser o livre pensamento,

livre por ser loucura,

bravo cavalo de montaria,

ensaio da alma e do corpo,

ensaio do nobre sangue,

o puro calor das minhas ações,

bate a hora,

e agora sou são.



Gustavo Bastos 17/04/2009

VIDA TRESLOUCADA

Já dormia esquecida uma nau na esfera turva,

mar e palco para os nobres corações,

nau de bandidos.



Sou toda esta dor, cândida e feroz, contraditória

dor.

Sou todo o tempo em mim que afunda no infinito.

Sou o temor e o torpor.



Nesta nau estrelas se afogam pedindo socorro.

Não me espanto mais com o perfume da flor,

sou a minha boca em teus seios de rosa apavorada,

eu sou completamente louco, desvairado,

a nudez da carne é o pecado da minha nobreza.



Já acorda então a nau do meu desgoverno,

do meu descompasso.

A pena é a testemunha deste marco de minha vida,

a pena que traz a canção do infinito,

infinito de rosas, vinho e paixão.



Sou todo este infinito que não teme o furor.

Vou embora com as veredas do caminho,

vou no caminho que é a sina do amante,

até o poente crepúsculo da deusa do amor,

luxúria de minhas veias

morrendo de sede e de fome,

lívida penúria do meu langor.



Gustavo Bastos 13/04/2009