PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 27 de março de 2011

O SANGUE DA VIDEIRA

Relembrarei em cada cidade

o fio de ouro que abate

o corpo, num cio incontrolável

de pantera,

corpo reluzindo no fotograma

seu alvo e sua cólera.



À cada cidade um destino.

Foi pouco o que restou dos estancieiros,

uma espada e um machado,

um escudo e uma flor,

tudo era pétala e era esmeralda,

tudo era pedra

e o cio da pantera.



Não era suave a montanha e sua geometria.

No caos das lembranças

uma sombra junto ao roseiral,

era a sombra do passado

com suas dores e com o seu sonho,

a descoberta da chama que animava

o corpo do meu mal sinal,

tudo era escuridão e passos lentos,

a noite nos cravejava de estrelas

com a sua língua,

e no ouro do rico

se julgavam os mortos de antanho.



Tal era a roda da vida,

uma vez julgada e outra abolida.

Tal era o norte da sedução.



Eu não sei em que campanha

o meu corpo morreu.

Os atalaias seguravam seus escudos,

e o meio-dia acordava

numa canção devoradora,

tudo ruína e pasto,

tudo claro depois da noite em festa.



Mas era no claro-escuro

da pintura,

onde estava o rubi e a plataforma,

onde os atores sociais

ficavam embriagados,

no tempo de viver

com as moças virgens

e dos vinhos sentimentais.



Eu não posso desistir deste amor,

qual era o amor ou o celibato,

e a seiva e o orgasmo

numa raiz e nos ramos

da videira.



Eu sou o corpo.

Eu sou a luz.

Tudo que morre, renasce.

E assim se faz o desespero

e a flor do campo.

Eu sou a estrela da devoção

num clarim e numa harpa.



Este é o sentido do meu corpo:

o cio da pantera

numa noite acetinada.

Todas as cidades do delírio

estão entre as sombras e a luz.

Quando o delírio se apaga,

só restam as cordilheiras

e o sal,

quando todos cantariam

suas desditas

sob o outono e o sangue

que nos faz viver.



15/05/2009 Gustavo Bastos

O MILAGRE DO VISIONÁRIO

Desde já se tem um deserto

pelo fogo e pelo vento.



Fui destituído de minha filosofia

e entrei numa veste sutil

dos brandos corações.



A cimitarra cortou-me os sonhos

rotos de uma esfera do sepulcro.

Toda a saciedade do bom poeta

nunca se sentiu tão alijada,

foi posta de fora dos padrões,

e era santo o seu nome.



Desde que se tem um deserto no coração

não se conhece a época em que a nau

foi roubada.



Oh mar oh perdição!

Tuas murmurantes espumas

são absinto e embriaguez,

já de um verde e azul turquesa,

que foi valente onda

pelas praias nuas de uma ilha remota,

foi desde sempre o planeta

e suas maldições.



Minha saudade é o exílio.

Que eram os dias naquela nau de ametista?

Sou o escravo do horizonte.



Quem mede o sofrimento

de mortes se reveste.

Tem o tempo seu refúgio

numa sensação de engodo.

Fui enganado pela vinha

em seu espraiado vento de canções.

Sou o terrível capitão e náufrago.

De agora e para sempre

deverei estar sob as velas

que rumam no sopro invernal.



Oh sol avistado na aurora!

Logo ao cair do céu

estava o meu rosto

entregue ao mistério

do mar.

Que eram as vicissitudes

do bom amigo?

Tenho feito muitas obras plácidas

de cântaros e altares.

O sacrifício de uma nova febre

foi trasladado

pelo morto das saudades,

qual era o meu crepúsculo

e a fadiga das ambições.



Sou eu quem faz o fogo de meu pranto

acordar numa uva

e reconfortar-se

nos peixes,

eis o milagre.



Tanta sonhadora visão

secou-se depois do mergulho,

e a visão

era o milagre da multiplicação

dos pães,

desde já o pobre tornou-se santo

e vicioso foi embora.



Esta é a história dos meus dias,

uma centelha que sou

do destino humano.



15/05/2009 Gustavo Bastos

PELEJAS NOTURNAS

Qual era o mistério do meu demônio interior?

Sofri qual uva no lagar,

toda a febre de espora e de luta.

Cavalguei sem rumo o destino das eras.

O que era a noite naquela noite?



Senti gotejar todas as guerras,

e eram fortes mármores de tempo negro,

eram fortes topázios no vento.



Qual era a cor da minha noite interior?

Era escura como o escuro da morte,

eram todas as trevas da imaginação

num golpe de sonho e de delírio,

uma paisagem selvagem de miragem.

Toda a imagem da viagem.



Eu entrava em lógicas misteriosas,

afogando a mente num torpor de ópio,

e a maçã do pecado já não era mais,

nem o campo de laranjas.



Tremi diante da náusea das teorias,

e numa vindima pari os meus

poemas violáceos.



Eram do castelo as meditações rubras,

e sangue era a época do meu cristal,

o qual as mãos espatifaram

na parede da quimera,

sonhos sazonais de estrume,

e queda repentina no vazio.



Gustavo Bastos 14/05/2009

SONHO DE UMA ALMA EM DEVOÇÃO

Pela breve chama que um dia aportou no meu caminho

tenho o sonho vão de fazer de mim clareiras

onde o universo conspira numa veste de linho

tenho alta a amorosa luz com que me vêm as feiticeiras



Onde o alvo se esconde com a penumbra

sou o pássaro da luz distante

para o que há no voo de tanta pena rubra

faz deste céu o meu mais caro diamante



Leve e sucinta a a alva flor que desperta

pois ali é que o beijo se faz repentino

tal como se abrem as asas de um anjo asceta

em que a palavra canta seu eterno ninho



Das almas o vento traz sua veia ondulante

o tempo para os mártires de um sopro breve de vida

a viagem com que nunca terminará o amante

sua dor de brocados numa paz entristecida



Para nós basta somente um instante

o átimo em que está a resposta

apenas uma languidão de veia inebriante

que renasce em minha alma devota



02/05/2009 Gustavo Bastos

O SONO DOS DIAS

Ali, onde a última perda se deu,

num átimo, abriu-se a clareira.

Quem é de família?

Perguntou um coveiro.



Decerto perdeu-se em devaneio,

e com o ramalhete embebedou-se

de pranto.



Faz tempo que a escarlate de rubores

derrama,

foi-se embora um dia azulado,

e o sangue deleitou-se no carmesim.



Ali, onde a última dor se deu,

é o lugar de um advento

que nunca veio,

onde a alma do artista

nunca nasceu.



Pois é o que se dá no último dia

de uma vida,

o langor do arrependimento

com as trevas de uma estaca.

Partiu-se um coração em farelos

e a poesia chorou.

Eis o sono sepulcral.

TEMPO DE INSENSATEZ

Para quem usa de pouco zelo

com a sua própria vida,

este cingiu-se de espinhos,

e a dor um dia tomada à mão,

estreitou seus laços com a morte.



Eis um dia em que dirão:

O vento sentenciou o alerta da alma,

os sinais da decadência

são tortuosos e a lâmpada

se acende

como uma última

miragem.



Por ter tido pouco zelo

com os irmãos,

também desceu à cova

os mais benditos sóis.

Por ter usado de pouca prudência,

um homem morrera jovem demais.



Cada dia que vem, uma sentença,

e com o tempo, tudo passa.



02/05/2009 Gustavo Bastos