PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 30 de março de 2023

LAPIDAÇÃO

Para se lapidar a pedra bruta,

em que o diamante, a escultura,

e toda uma gama de dons

se tenha urdido,

é necessário o trabalho

paciente de burilar,

constantemente,

dom e talento,

sobretudo vocação,

para o intento

da arte suprema,

realizada,

plena.


Quando este poema nasce,

ele reflete o trabalho

de seu dom, mas ao fim

se consolida em vocação.

 

Um ouro veraz,

em que a prata

brilhante lustra

todo este dossel

de flor botânica

e as asas de vento

que versa cintila

estrela lua sol

na vida a vívida

visão de seu

próprio horizonte.


30/03/2023 Gustavo Bastos 


BOLACHAS DE BORRACHA

O biscoiteiro foi passear, 

vocação de aparição,

na foto pousa a papagaiar.


Festa fica que nem arroz,

bota uma beca afetada,

sorriso na foto de carona.


Biscoiteiro vive de 

holofote efêmero.

O biscoito tem pouca

valia, se morde

e acaba rápido.

O flash é veloz.


Vai a vida de biscoiteiro,

catar pedaços de fama

sem com o que se trabalhar.

Querendo biscoito a torto

e a direito, é um robert

que a imprensa

até hoje ignora

… ou esqueceu.


30/03/2023 Gustavo Bastos 


JORNADA LOUCA

Um cavalo e sua cavalaria

a dar coices, para ridicularizar

a burguesia, uma trupe de doidões,

aquele aroma de haxixe,

a montar, na praça,

o anfiteatro, uma peça

de Molière, detonando

os costumes, na verdade, 

uma adaptação tosca,

com garrafas de vinho,

mesas com comida,

cigarros acesos,

um acrobata

en passant,

e o ator principal

tossindo, bebendo

e cuspindo.


Vai toda a trupe,

um cavalo empina

no proscênio,

deram o nome dele

de Jaime, e uma égua

prenha também veio,

de nome Fátima,

uma atriz toda louca,

viciada em bolinha,

declamava um último

poema, depois de Apollinaire,

um E.E.Cummings


e findo a onomatopeia

o poema bobo

escarrado

a borbulhar

na panela

cheia de ácido

lisérgico,

ventos bons

me trazem, 

me levam, 

me conduzem,

minha amada

é foda.


30/03/2023 Gustavo Bastos 


GODOT REGURGITADO

A ânsia do idiota e de sua patota

é uma comédia montada,

um godot dos outros

é o que anelava

sem astúcia

a patota e

o idiota.


Vamos lá, que este poema

não saberá rimar para ti,

nem como patota,

nem como idiota.


O anelo implode

numa ânsia explodida,

já se sabe de antemão,

gestos pré-fabricados,

um chiste apático,

uma gag involuntária.


E se tem o resto fétido 

de tentar gritar,

mas nunca se ouve,

mas não se tem 

em conta, tampouco,

vagas espatifadas

de idiotas e suas 

patotas.


Eis a gentinha

que dorme sem norte,

a esperar de godot

a mesma languidez

de um anelo do nada

e do vazio, tão ridículo,

tão atormentado,

tão derrotado.


30/03/2023 Gustavo Bastos 


SOBRE O DOM DE DESTRUIR

Lá longe, no mergulho de um rio,

a vida doce, e tudo o que germinava,

as delícias eram muitas,

e o tempo não corria.


Bem que os dias explodiram,

uma sede de liberdade

se bate com demandas

aos borbotões,

os corpos dóceis

da máquina

e o governo

do tempo

fundam

a guerra.


Lá onde o poema quer respirar,

é de ser tão forte e robusto,

que os contrafortes são derrubados,

um tear leve também pode detonar

sedições cruéis e batalhas inglórias,

contra nós nada, ninguém resiste,

somos os donos da palavra,

somos os que receberam o dom,

o horizonte sempre foi nosso,

o que se tentou erguer

perante o talento está

destruído.


30/03/2023 Gustavo Bastos