PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

NO KINGS - PARTE II

“oposição contra o avanço autocrático do trumpismo”


O balão de ensaio autocrático do trumpismo recebe críticas da parte norte-americana que defende valores democráticos e culturais, de um governo que se confronta com o Congresso e o Judiciário, e tenta manietar a oposição política, através de manobras,e a concentração de poder no Executivo, ocupado por Donald Trump. 

Esta massa crítica dos Estados Unidos, que existe, está em cidades grandes, e consideram estas hostes como Wasp, red necks, e jerks de máfia dos tigres, entre criadores que morrem decapitados por orangotangos de estimação, como num conto de Poe e quetais, como as figuras mal acabadas de um estereótipo de norte-americano alienado e medíocre, pessoas completamente idiotas. Habitantes de Chicago e Nova York, por exemplo, riem deles.

Estas críticas à concentração de poder trumpista, que se trata de um viés sistemático para abrir caminho para uma autocracia não proclamada, hipócrita, à moda do mais manjado pragmatismo norte-americano, reúnem a intelectualidade de Harvard, podada pelos arbítrios do trumpismo, e todo o pensamento crítico e que se preza, e que entende o anti-americanismo como algo causado por esta história atávica de uma nação que tem a fantasia da excepcionalidade, e que se funda nesta insciência jerk do “american idiot”.

Justamente, este delírio hegemônico, acaba sendo o crivo do senso médio, comum, na sua versão de pauperismo acadêmico, intelectual, de pouca sutileza reflexiva, e que padece da falta de práticas sociais esclarecidas e de ações com relevância cultural, e que acaba sendo a imagem que prevalece no mundo, pois, naturalmente, quem já viu os rompantes do Uncle Sam, com seu Big Stick, a impressão é acerba toda vida.

Os protestos, então, resultam como uma reação a este trumpismo que traz em seu bojo, redivivo, este cacoete histórico do Destino Manifesto, em que o eleitor extremista se vira à Star Spangled Banner, e tem na bandeira o seu fetiche maior, diante de uma iminente hegemonia chinesa, de uma eficiência diplomática fundada na política comercial, construindo pontes, com e sem trocadilho, enquanto Uncle Sam continua com seus tiques de “Líder da Sala” e “Janjão do Ginásio”, cuja imagem icônica é o próprio Donald Trump, um bully convicto. 

Os republicanos mais conservadores e os reacionários delirantes reagem e classificam a suposta balbúrdia contra Trump de uma massa de antifas, marxistas, grupos de pessoas anticapitalistas, enquanto o governo, e os aliados republicanos no Congresso, culpam os democratas pelo shutdown que paralisou a máquina pública norte-americana. 

Tal efeito, contudo, seria uma defesa do corpo político de oposição contra o avanço autocrático do trumpismo, tentando preservar a separação dos poderes e do próprio regime democrático. Pois, a democracia norte-americana é a mais longeva da História Mundial, de mais de dois séculos, de uma Constituição perene e enxuta, de fácil compreensão e aplicação, apesar de excrescências dos tempos da defesa paramilitar dos condados, que é o tal voto de delegados e superdelegados, um esqueleto tão anacrônico quanto os cartões de voto, um lapso que faz o voto popular ser um ensaio inútil e patético.

Os protestos do No KIngs têm o apoio de figuras como Bernie Sanders, senador independente, e do líder democrata no Senado, Chuck Schumer. Sanders, por exemplo, afirmou o seguinte : “É um ato de amor à América, milhões de pessoas vão às ruas para defender a Constituição e a liberdade americana, e para dizer a Trump que este país não será transformado em uma autocracia.”

A virada democrata também representa uma postura despertada, animada, depois de uma ressaca diante do fortalecimento de Trump, que dava soquinhos no ar, diante de uma plateia idiotizada e hipnotizada, com catalisadores como o atentado falhado contra o então candidato à presidente norte-americano, no fatídico comício do tiro na orelha, depois do afastamento de Joe Biden e de Kamala Harris despencar com tiques woke dos fetichistas do bem, cujos números de circo ridículos em nada e nunca contribuíram para as políticas públicas concretas para minorias. 

A virada democrata começou nos protestos de abril contra o presidente Trump e o empresário Elon Musk, e culminaram nesta apoteose do No Kings, que é, propriamente, o primeiro momento em que o trumpismo, em seu novo governo, sente estremecer as bases de sua plataforma política, tanto interna como globalmente, e isto coloca Trump numa nova posição de estar sob ataque dentro do próprio Estados Unidos.

Enquanto isso, Trump faz uma mistura esquizofrênica, à moda da tática da alt-right de Steve Bannon, que criava estas confusões adrede, em que, ao mesmo tempo em que o presidente norte-americano se arroga o papel de uma espécie anódina de arauto da paz mundial, candidato ao Nobel, dá porretadas no mar, perto da Venezuela, com bombardeios de embarcações.

Trump exerce uma pressão psicológica para derrubar o poltrão do Maduro, aquele caudilho de fancaria, sim, este mesmo, o que lambe as botas do falecido Chaves, dentro de uma caverna, viajando de ácido, e conversando com uma pomba, e que agora se caga de medo, e toma uma saraivada da oposição, dentro da própria Venezuela.

Os democratas demonstram culhões e espinha dorsal, finalmente fissurando a narrativa republicana recente, coalhada e azeda, desde o caldo culturalmente insosso, que foi a invasão do Capitólio, no 6 de janeiro de 2021, uma conspirata brancaleone, opereta farsesca, um vaudeville de pândegos involuntários, repleto de personagens cujas existências são intelectualmente abúlicas, um drama pobre do viking e cia, e que foi o balão de ensaio para o que viria a ser este novo governo Trump.

Portanto, aquele circo bastardo anunciou o que aconteceria na volta de Trump, com este ardil e anelo autocrático, à luz do dia, e não o canto do cisne de um Trump avariado, como muitos tinham imaginado. E tudo graças ao tônus apático e decadente de Joe Biden, que fez este desfavor de abrir o palanque, novamente, para os trumpistas. 

Primeiro, para os doidos do Q-Anon, junto às manobras táticas da alt-right de Bannon, e as teorias conspiratórias que ganharam corpo na internet e, consequentemente, também no cotidiano norte-americano, e em grande parte do mundo, e depois, finalmente, a um Trump, cuja militância, agora, segue uma linha imaginária traçada na sua própria cabeça, a diplomacia de seu ego. 

(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/no-kings-parte-ii/

domingo, 2 de novembro de 2025

NO KINGS - PARTE I

“Trump como agente da erosão da democracia norte-americana”


Os Estados Unidos ficaram conhecidos por um tipo de patriotismo que se traduziria no chauvinismo afetado da excepcionalidade, cujo marco histórico foi a Doutrina Monroe, de 1823, feita pela declaração da “América para os americanos”, em que uma soberania nacional se expandiria para uma política de influência regional no continente americano, isto é, na direção do México e da América Latina. 

Em 1904, os Estados Unidos tiveram o Corolário Roosevelt, em que o presidente Theodore Roosevelt, que governou o país de 1901 a 1909, iniciou a política internacional do Big Stick, que era um aprofundamento e uma radicalização da Doutrina Monroe, em que o intervencionismo norte-americano começa, de fato, incluindo invasões de países como o Panamá, o Haiti, e até mesmo as Filipinas, na Ásia. 

A Doutrina Truman, de 1947, no entanto, se ligará ao que ficou conhecido, historicamente, como a política de boa vizinhança, sob o influxo da Guerra Fria, na concorrência geopolítica entre sistemas econômicos e político-ideológicos opostos, representados pelo capitalismo liberal norte-americano e o comunismo-socialismo soviético. Esta diplomacia muda do unilateralismo doutrinário para um multilateralismo liderado pelos Estados Unidos. 

Esta mudança estava no contexto, também, do rearranjo da institucionalidade internacional, depois do fim da fracassada Liga das Nações, que não conteve a ascensão nazista, e que incluía uma nova ordem mundial, e uma geopolítica do pós-guerra, advindo da derrota do Eixo, sendo aí fundada a OTAN, um sistema de alianças militares do ocidente capitalista.

Tal advento da OTAN teria como resposta o Pacto de Varsóvia, feito entre a União Soviética e os países da Cortina de Ferro no leste europeu. E ainda dentro deste novo ordenamento teríamos a fundação da ONU, que seria o organismo internacional de cooperação entre os países para a manutenção da paz, com o intuito de promover o multilateralismo, que também estava sendo encampado pela Doutrina Truman. 

O modelo de multilateralismo da ONU se estrutura pelo direito internacional, com orientação ao desenvolvimento, a paz e a cooperação, tendo o uso da força como último recurso e exercido sob o mandato do Conselho de Segurança. A propósito, a Carta da ONU só autoriza o uso da força em legítima defesa ou sob autorização expressa, se fundamentando na soberania igualitária dos Estados na sua concepção geopolítica. 

Após os ataques às Torres Gêmeas e ao Pentágono, incluindo uma tentativa falhada de atacar a Casa Branca, realizada pelos terroristas da Al-Qaeda, o maior evento terrorista da História Mundial, no chamado pós-11 de setembro, ano de 2001, tivemos a Doutrina Bush, que incluía a Guerra ao Terror, que tinha o objetivo de eliminar o chamado Eixo do Mal, que incluía alguns países do Oriente Médio, árabes, e o Irã, que é persa. Era uma guerra preventiva e de promoção da democracia liberal através da força, tentando transformar estes países a partir da ocupação das Forças Armadas norte-americanas. 

Com o atual modelo trumpista de “Paz pela Força”, por sua vez, temos a figura de Marco Rubio, que acumula a função de Secretário de Estado e principal assessor de Segurança Nacional, assim como atuou Henry Kissinger na década de 1970, enfraquecendo a diplomacia norte-americana com um discurso mão dura e unilateralista, rompendo com o multilateralismo da ONU e com o consenso feito pela CELAC em 2014, em que se firmou uma Zona de Paz na América Latina e Caribe, como uma área livre de tensões e conflitos, com promoção do diálogo e da cooperação na resolução de disputas. 

Marco Rubio, por exemplo, este ano, em sua última viagem ao Caribe e alguns países da América Latina, fez com que Nicolás Maduro solicitasse convocação extraordinária da CELAC, para reafirmar este compromisso de 2014. E a situação escalou, com a presença das Forças Armadas dos Estados Unidos próxima à Venezuela, com ataques a embarcações e uma fase de guerra psicológica contra o regime de Maduro, tentando a sua derrubada do poder.

A paz pela força, em Trump, funciona então como um subproduto do poder militar, em que a dissuasão toma o lugar da diplomacia como método, e serve à doutrina da “America First”, ou seja, de um trumpismo que tem o caráter de total indiferença a outras nações, na sua versão da excepcionalidade norte-americana, do unilateralismo herdado da Doutrina Monroe. 

No Caribe, a cooperação no combate e tratamento de dependência química dão lugar a ameaças de sanções a países que não obedeçam a agenda de segurança norte-americano na região, com um tipo de big stick na zona de trânsito de drogas, em que operações militares foram intensificadas, na intenção de mudança de regime na Venezuela,.

E ainda, com a renomeação do Departamento de Defesa (DD) para o histórico Departamento de Guerra (DG), tal fato reflete uma virada simbólica, e também concreta, com um caráter de beligerância, e com o intuito de retomar o caminho dos Estados Unidos como maior potência militar do mundo, colocando em crise o direito internacional e o papel geopolítico da ONU. 

Os Estados Unidos, além de uma política comercial do tarifaço, inclui nesta volta do trumpismo ao poder no país, critérios de segurança ligados a problemas como a migração, o narcotráfico e  o terrorismo, colocando a política externa no objetivo de reposicionar os Estados Unidos como os maiorais em poder militar mundial, defesa da soberania nacional e desprezo pelo multilateralismo. Esta postura imperialista, por conseguinte, gera protestos dentro do país, culminando com as manifestações do movimento denominado “No Kings”.

Este caráter hegemônico e imperialista, se juntando a imagens de inteligência artificial com Trump usando uma coroa e quetais, junto ao shutdown da máquina pública norte-americana, arregimentou manifestantes em diversas cidades dos Estados Unidos, neste movimento do No Kings, e que a Casa Branca chamou de opositores marxistas e radicais. 

Tal movimento se trata, por fim, de protestos contra Donald Trump como agente da erosão da democracia norte-americana, de suas instituições, incluindo prisões arbitrárias e ações de censura por parte do governo, embora Trump, em entrevista à Fox News, antes de deixar Washington, com todos os tiques de um autocrata, hipocritamente, afirma : “Dizem que me chamam de rei. Eu não sou um rei”.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/no-kings-parte-i/