PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 24 de março de 2018

O HOMEM VITRUVIANO

Numa garganta diabólica se faz o Homem, este ente que não se reduz ao solo de um ser inanimado, embora seja pó quando confrontado com a morte. Seu sonho rutila como foice e trabalho duro que se expande no cosmos e na mente universal, logo eu que sou poeta teria que contar-lhes do destino cósmico, como um grande som que faz melodia na escalada do tempo infinito, como um pássaro que vê luz e sombra, mas não perde o voo.
Assinatura dos artistas em suas pinturas, eu vi em um grau violento os ângulos da visão filosofal, em termos que o notório saber se anulava frente ao dom místico e visionário que somente a poesia em seu ébrio fardo poderia nos decifrar sua simbologia, é o dom do ocultismo que revela as águas de Caronte, os vinhos que não se detêm no mar dos mortais, eu tinha uma velha arma de brinquedo que eu trazia no meu colo quando eu era ladrão, e minha ideia de luta era um nariz quebrado.
Eu deleitava os chifres de um diabo azul, eu carregava em vermelho as astúcias de uma dose de uísque quando derretia o gelo. Lá na pedra ametista remava com langor o santo beberrão que idolatrava o anjo caído dos sóis, leve como a pluma um vingador lutava também, com a cara na areia, seu deserto intelectual, seu academicismo que era deglutido pelo mundo cão das efervescências de álcool e patifes.
Dentro do proscênio andava a diva dos horrores, pintava a cara de rosa, como uma feiticeira olhava ao derredor, era casta, embora na galhofa se portasse qual prima-dona. Uma ópera se enegrecia no campo do fastio, o solo seco em que o vinho indócil descia era feito dos ossos de antepassados que nos velhos trágicos de Ésquilo vestiam-se de embriaguez e máscara.
Ali, perto do Oriente, dravidianos faziam um ensaio do Mahabarata, velhos lemas contorciam-se no barato transcendental de um soma pré-Huxley. Eu cantava de gaiato um pouco desta concórdia besta de estar impressionado com a natureza e a paisagem, um futuro se abrindo como um leque florido e cheio de vivo calor, somente quando eu entrava em transe é que era possível ver o fantasma que morava dentro da poesia de salão, um meneio de menina rosa somava-se ao caos que o trabalho ajudava a desenhar naquele átrio de pedra.
Um cachorro cego e louco latia com estribilho rouco, eu disse ao dono da banca de jornal ali perto que o dono deste cão deveria estar preso, um homem vitruviano e renascentista do futuro não poderia tolerar violência contra o cachorro louco, era contra a paz urbana que reinava na manhã de domingo quando eu lia na página de cultura que um poeta havia passado por uma prova de fogo, saía da lama e do lodaçal e agora vivia num jardim com seus gnomos cantando alegria do lótus e mantras da era de aquário, ele e seus bobos cantores subiam a montanha para se embriagar de vinho e ver na estrela vésper talvez um disco solar ou uma nave vinda de órion ou do portal que um médium de umbanda havia psicografado na noite de sexta na festa de exu.
Depois deste conhecimento oculto travado com os dravidianos, se costumava ter uma certa memória fictícia de um tibet longínquo ou ainda de Rama, mas mesmo no maior do silente campo, nada superava a dinastia atlante depois das colunas de hércules, sete sábios e um livro do sol em que as coordenadas já estavam postas, o dom da profecia estalava naquele sol vermelho após o dilúvio. As bruxas do mar já dançavam, e as sereias ainda viviam naquele mar de arquipélago em que creta ainda reinava. Somente o capitão fenício tinha rompido as fronteiras em direção ao sol marroquino e a uma cartago que ainda balbuciava nas primeiras casas de terra marrom.
O mapa que tinha o sol ao centro agora, neste mundo contemporâneo, invadia-se de sinais de rádio, de sons de vidas conectadas, elétrico sonho de hiperlink, o sonho faustoso dos programadores cobol, as sinapses virando-se em máquinas em busca da imortalidade, o delírio subatômico e a eterna busca da teoria de tudo, um certo rancor capitalista de injustiça e sonhos derrotados, uma grande miséria rondando o progresso técnico, e o fim da linha para uma sociedade que produz lixo.
Na beira do precipício vira o milênio o homem vitruviano, este que para visionários tem o espírito completo, é uma luz búdica, e que diante da técnica não se satisfez em ter o dom da luz, mas quer se unir ao seu maquinário para ser um ser híbrido, confrontando seu espírito imortal, seu corpo finito, e sua mescla robótica e sua memória que poderá virar um chip dentro do circuito da imortalidade eletrônica. O futuro estará em mãos androides, um fundo distópico sempre realizado em cibercultura, o hiperlink da memória produzirá um super-ser, não mais homem, não mais máquina, este que tinha o dom da luz, e agora tem como que um sonho de golem para conquistar a natureza que lhe destruirá, o homem vitruviano que perderá seu ângulo com a natureza, e como homem decaído, será levado pelo caos climático deste seu sonho de indústria e máquina.
Corta agora para cá, a cinemática romperá a febre do milênio, novos remédios, novas aventuras, abre-se a estrada do sol, como em toda road trip, um poeta e alguns loucos, um filósofo e um cientista, um monge e um ébrio. Abre esta carta náutica, temos dois pólos, uma linha equatorial, eu espero sinceramente que o feitiço que produziu o universo tenha um bom dom de revelar talentos quando tudo está perdido, e o dom da poesia nos faça sol em meio da tempestade, eu rimava bem como um furto, eu ia bem antes do surto, mas não tem tempo de lamento, tem tempo de razão, e minha mira já derrubou diabos e pobres diabos, tenho em mim várias cores em que firmo meu diapasão, e na bússola que sonha, delírio é poesia.
Acerta teu contrato com o editorial do dia, o julgamento político atingirá os carreiristas, os afortunados passarão por provação, já ligo os pontos que um idiota tentará se eleger, em vão, o dia brilha e o sol é justo, vamos em frente com toda a rotina, as cartas estão na mesa e na manga, tira um coelho e mata dois coelhos, tira um ás e guarda teu coringa, um diabo faz guerra, um anjo traz paz, entre os demônios da roda de sangue, a guerra acaba, e a paz mais funda tem poema que lhe dê a forma, que é a forma do riso, poema que enforma, a forma alegre, o dom de ser feliz.
Mas, não fique aí, este teu lamento é de poetas que se suicidam, não seja um poeta triste, se és um homem vitruviano, você, homem e mulher, trans ou o que quiser, teu dom já vem todo inteiro, como Buda, já temos tudo, o dom de ser é que já temos, e nada mais importa, viverá mais quem for ver que tudo cabe em um mundo mais justo, o mundo cão dos injustos cairá, nada restará aos porcos do sistema, vejo luz em vocês, cada um ao seu tempo, como uma orquestra ou big band que se inspira com o raio do sol.

Segue aqui o último trecho do poema :

TEMPO SOLAR :
Eis que tudo é ritmo, eu sei, eu sei,
Acendo um cigarro ou um charuto
e parece sempre tudo a mesma coisa,
mas nem toda revolução se dá no susto,
o território a se tomar muitas vezes
tem o tempo, este mestre, para
nos dar a razão com que sempre
sonhamos.

24/03/2018 Gustavo Bastos
(poema em prosa)







  


quarta-feira, 21 de março de 2018

OLHO MAIOR QUE A BARRIGA

"É a Literatura, estúpido!"

O cenário literário brasileiro está ganhando tonalidades alarmantes, hoje qualquer projeto literário (a não ser que você pertença à alta sociedade ou a uma panelinha) está inviabilizado num primeiro momento, e talvez até num segundo momento. É uma profusão de concursos literários caça-níqueis, com exigências absurdas como não publicação impressa ou eletrônica, no caso das publicações eletrônicas um sinal de ignorância preocupante, em plena era dos blogs e das redes sociais literárias.
De outro lado, editoras que veem o escritor como uma fonte de renda incalculável, não para a venda de livros, por óbvio, mas pelo preço que o infortunado tem que pagar para ter míseros cem exemplares rodando nas livrarias e feiras literárias.
O que vislumbro, com muito pesar, é um cenário literário de cisão, de um lado os burguesinhos com seus livros de poesia de oitenta páginas, e de outro lado um mundo de gente na internet com blogs e divulgações marginais pelas redes sociais literárias.
A cisão será a consequência desta visão anacrônica e, ao mesmo tempo, exploratória sobre os escritores deste país. Anacrônica por ignorar ou fingir que não há uma nova realidade: os blogs e grupos na web de literatura, onde o objetivo é divulgar os trabalhos escritos para, depois, tentar vender seu peixe com uma publicação que seja. O que acontece? Concursos literários exigindo exclusividade sobre direitos e divulgações, um monopólio absurdo da lavra alheia que resulta em fracasso coletivo para a maioria dos escritores deste país.
A visão de que o mercado é que manda é uma visão ultrapassada, quem manda é o escritor, quem manda é quem trabalha e não quem vende. O caminho para os que fazem blogs literários terá de ser o caminho da independência e da autopublicação, senão terão que se submeter aos ritos de um mercado que exige exclusividade sob uma coisa que não deveria lhes pertencer, o trabalho feito é do escritor, e se ele quiser divulgar seu trabalho em um blog ou outro veículo virtual e, posteriormente, vender seu livro, não vejo problema nenhum.
Entendo que o leitor que se interessar por um determinado blog ou rede social literária comprará o livro. Não vejo o blog e outros meios de postagem (que não é publicação como entende equivocadamente os famigerados concursos caça-níqueis) como um impeditivo para venda de publicações, embora possa haver leitores que ao ver o trabalho no blog não comprem o livro, o que é uma visão pessimista e utilitária, pois quem gosta de literatura terá vontade de comprar um livro publicado pelo escritor-blogueiro.
O cenário dos blogs literários e redes de compartilhamento como o Medium é uma realidade, e, como toda realidade, não pode ser ignorada e defenestrada por uma visão pragmática e econômica de que não há como divulgar um trabalho na web sem prejuízos às publicações futuras. Esta é uma visão anacrônica que não tem mais pé com a realidade, que não é a realidade de mercado, mas a realidade de um cenário novo que veio para ficar.
O caminho da cisão será inevitável, novos escritores independentes correrão por fora desta canalha de editoras e concursos literários que só veem a literatura como produto e não como trabalho, em que a visão de produto ignora a visão laborativa da escrita que deveria estar em primeiro plano.
Certos estarão os que vendem seu tempo para o mercado, e errados os que correrem por fora sem abrir mão de suas convicções e conscientes de que a realidade é outra, totalmente diferente, onde o download e a autopublicação, os blogs e redes sociais literárias serão uma voz dissonante dos chupadores de sangue da velha visão de mercado e de que tudo que é literário tem que se pagar um alto preço para ser divulgado.
Não vou aderir às exigências de um mercado literário que não respeita o trabalho escrito e restringe este crescimento com a propriedade de um produto, como se literatura fosse comida e não ideias. E cito os preços escorchantes cobrados por algumas editoras para um escritor inédito se aventurar numa publicação, algo proibitivo para quem não nasceu em berço de ouro.
Ignorando o cenário da literatura da web teremos esta cisão de que falo, onde só haverá uma patota bem nutrida em suplementos literários de jornais, enquanto uma massa crítica se forma por fora do mercado no mundo vasto da internet.
Se não há escapatória ao mercado, azar do mercado.
É a Literatura, estúpido!

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/38068/14/olho-maior-que-a-barriga