PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 15 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS DE UMA GUERRA SUJA

“Um ardiloso e implacável matador, Cláudio Guerra foi para a linha de frente dos executores da ditadura militar”
   O livro “Memórias de uma Guerra Suja”, publicado em 2012, é resultado do trabalho de dois jornalistas, Marcelo Netto e Rogério Medeiros, que, ao colherem o depoimento do matador da ditadura militar, Cláudio Guerra, fez-se um dos documentos mais eletrizantes dos acontecimentos que cercaram a guerra clandestina entre a repressão militar e as organizações de esquerda. Tal trabalho veio concomitante aos trabalhos realizados pela Comissão Nacional da Verdade, o que é mais uma referência deste período que tem alguns de seus esclarecimentos colocados agora, no período mais longevo de democracia da História do Brasil, que vem desde 1985, e das eleições presidenciais de 1989.
   Um ardiloso e implacável matador, Cláudio Guerra foi para a linha de frente dos executores da ditadura militar, tornando-se autor de grande parte dos assassinatos do regime de exceção. Rogério Medeiros, então, coloca como a origem das revelações do livro um episódio de 30 anos antes deste relato, que foi uma reportagem feita por Rogério no Jornal do Brasil, que acabou com a aura de Guerra de implacável combatente da criminalidade do Espírito Santo, que, ao mostrar 35 execuções sequenciadas de queima de arquivo, transformou a imagem de Guerra de justiceiro a chefe do crime organizado. Com isso, desapareceram as reverências que lhe tributavam as elites capixabas e os seus políticos.
   Rogério, então, numa dessas conjunções inexplicáveis, recebe um recado de Guerra. Segundo Rogério : “No final de 2009, eu receberia a visita de uma advogada, portadora de um convite seu para encontrá-lo num hospital. Estranhei, mas fui ao local na certeza de que o assunto seria a antiga reportagem que implicara sua prisão. Não era, ao chegar ao quarto do hospital, onde Guerra aguardava no leito, este incumbiu-se logo de fazer a atraente oferta de me confiar sua longa jornada de crimes, como uma espécie de transposição de seu passado em favor da dedicação a uma vida religiosa que havia iniciado na cadeia.”
   Guerra, embora prejudicado pelas reportagem de Rogério, reconheceu sua honestidade como repórter, daí a confiança de Guerra em entregar a Rogério sua trajetória de crimes, especialmente os praticados a serviço do regime militar. O fato é que, após uma fidelidade aos militares e sua formação anticomunista, as quais impediam que isso viesse a público, Guerra evangelizou-se e virou pastor, o que o levou a quebrar o silêncio, também atribuindo tal decisão pela influência do então subsecretário dos Direitos Humanos do período Lula, Perly Cipriano, ainda com Guerra no presídio, o que incluiu divagações sobre os direitos essenciais do homem, em que Perly tentava mudar a visão de mundo de Guerra.
   No período de atuação de Guerra na ditadura militar, o mesmo, quando começou as suas matanças em nome do regime, demonstrou competência em matéria de execuções e estratégia, o que o levou logo à condição de principal lugar-tenente do coronel Freddie Perdigão, cérebro e ideólogo do sistema de repressão da comunidade de informações.
   Com êxito em suas ações, Guerra alcançaria o lugar de estrategista do escritório do SNI no Rio de Janeiro. Guerra sobressaiu-se, ao lado do delegado paulista Sérgio Fleury, nas execuções de adversários do regime militar. Guerra e Fleury foram recrutados pelos desempenhos à frente dos esquadrões da morte do Espírito Santo e de São Paulo nos anos 1970. Guerra, não constando na lista de torturadores, pois realmente nunca torturou, era simplesmente matador, já que o seu trabalho era basicamente com execuções, começou a eliminar esquerdistas em 1973.
   Guerra foi homem de total confiança do coronel Perdigão e do comandante Vieira, um do SNI e outro do Cenimar, dois expoentes do que houve de mais violento na guerra clandestina vivida no Brasil. Guerra matava sem saber os motivos e sem conhecer a vítima, cumprindo com determinação ideológica as ordens superiores. Esse trio - Perdigão, Vieira e Guerra - numa relação criminosa de mais de 15 anos, fez um grande estrago na esquerda armada e não armada do período de exceção.
   Já no período do governo de Ernesto Geisel, Guerra participou de planejamentos e execuções de atentados contra a então incipiente abertura política, sendo um dos mais ativos executores de atentados no início dos anos 80, contra a redemocratização do Brasil.
   As execuções da repressão eram associadas sempre a manobras para provocar confusão e despiste. Pois, quando era para eliminar somente um guerrilheiro urbano, a ação era seguida de conversas diversionistas, após a execução, com as testemunhas oculares. Estes, com informações falsas, eram ludibriados e faziam, então, depoimentos incoerentes, dificultando qualquer investigação. Uma segunda regra era usar agentes de outras cidades, o que significava que São Paulo mandava uma equipe para o Rio, que mandava outra para Belo Horizonte, e assim por diante.
   Em pouco tempo, Guerra ficou mais relevante para o regime militar praticando ações clandestinas fora do Espírito Santo do que como o conhecido e temido policial do DOPS em Vitória. A técnica de Guerra era simples e sempre a mesma: dois tiros diretos no peito da vítima. Por não saber o porquê das ações e para quem era, Guerra teve dificuldade de lembrar nomes, datas e locais no seu depoimento para o livro.
   No final de 1973, em determinado momento da guerra clandestina, a discussão era o que fazer com os corpos dos eliminados da esquerda. Foi então que surgiu a ideia que, devido às transações de armas contrabandeadas pelo Trotte (agente da CIA), e Guerra, por isso, tendo influência sobre alguns fazendeiros que precisavam de armas para proteger as suas terras, era a de incinerar os corpos das vítimas na usina de Cambahyba, localizada em Campos dos Goytacazes, fazenda que era propriedade de uma família de extrema-direita, todos ligados à TFP – Tradição, Família e Propriedade, uma vez que enterrar os corpos em cemitérios clandestinos ou jogá-los ao mar (operação comandada pelo Cenimar) já eram técnicas manjadas.
   Então, a Usina Cambahyba foi muito usada para este fim nas décadas de 1970 e 1980. E foi assim que Guerra levou dez corpos de presos políticos para a usina, todos mortos pela tortura no DOI e na Casa da Morte, em Petrópolis, além dos cadáveres provenientes do DOI da Barão de Mesquita e os que vinham de São Paulo, sendo que a Casa da Morte era para onde iam as pessoas mais importantes.
   Um dos nomes ligados às execuções na casa era o do coronel Freddie Perdigão, que usava o codinome doutor Nagib nesse aparelho. Guerra também ajudou a atirar corpos em um penhasco da Floresta da Tijuca. Nesse local eram jogados corpos de presos políticos apanhados no DOI-Codi da Barão de Mesquita, na Tijuca. Ali era feita a desova de corpos de criminosos comuns, que a Scuderie Le Cocq usava com frequência. Até que a nova estratégia da usina mudou o panorama para a incineração dos corpos dos presos políticos.
   Nessa época, começou uma desavença entre Fleury, o Exército e o SNI (Serviço Nacional de Informações). Fleury era municiado de informações pelo Cenimar, órgão da Marinha ao qual Fleury era mais próximo. Na Chacina da Lapa, que foi o assassinato de três militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), em 16 de dezembro de 1976, durante uma reunião da cúpula do partido em uma casa no bairro da Lapa, em São Paulo, Fleury, muito vaidoso, queria ter os louros desta execução, pois isso significava desmantelar a Guerrilha do Araguaia e executar os líderes mais importantes do PC do B, dizimando o partido.
   No dia estabelecido para a invasão, todas as equipes do Rio e de São Paulo cercaram a casa, começando o tiroteio. Todas as equipes presentes na operação passaram a disparar ininterruptamente durante um bom tempo, sendo que o tiroteio foi de fora para dentro da casa. Não havia armamento no interior da casa, e para sustentar a versão da troca de tiros, a equipe de Fleury colocou armas nas mãos dos cadáveres, técnica conhecida no jargão policial como “colocar vela na mão do morto.”
   Por sua vez, Perdigão era um dos lados mais sombrios da repressão. No processo de redemocratização do país, iniciado pelo general Geisel e aprofundado pelo general Figueiredo, sobretudo após a Lei da Anistia de 1979, houve uma reação da linha-dura, na qual Perdigão era uma das principais lideranças. Habituados ao poder e à impunidade, este grupo passou a organizar atentados para culpar a esquerda. A ideia era provocar um clima de insegurança e incerteza à sociedade que minasse a abertura política construída pelos generais Golbery e Geisel.
   Foi nesse contexto que Perdigão tramou uma diversidade de atentados, incluindo o maior deles: a explosão de uma bomba durante show no Riocentro em 30 de abril de 1981. Um erro, porém, fez com que o explosivo detonasse antes da hora prevista. O acidente acabou matando um sargento e ferindo um capitão. Antônio Vieira também esteve no comando do atentado ao Riocentro.
   Dentre outros fatos da ditadura militar teve a Oban, Operação Bandeirantes, em 1969, que era um centro de informações e investigações montado pelo Exército para coordenar e integrar as ações dos órgãos de combate às organizações armadas de esquerda durante o regime militar. Começou como uma parceria entre Estado e empresários, e foi absorvida pelo DOI-Codi do Exército.
   Ao falar dos principais personagens da repressão no submundo da ditadura, podemos citar Cláudio Guerra, coronel Freddie Perdigão, comandante Antônio Vieira, Doutor Ney, delegado Sérgio Fleury, e ainda mais dois, os coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra e Paulo Manhães. Perdigão e Vieira eram chefes operacionais, enquanto o Doutor Ney era o elo entre o SNI, o DOI-Codi e as outras áreas de informação, em Brasília. O coronel Paulo Manhães chefiou a agência do SNI do Rio de Janeiro e estava, hierarquicamente, acima do coronel Perdigão, que era, por sua vez, chefe do escritório do SNI. Com o codinome Pablo, Manhães era conhecido na comunidade de informações como responsável por um plano de extermínio do Partido Comunista Brasileiro em todo o país, tendo sucesso, em suas ações, no estado da Bahia.
   O conjunto dos órgãos estatais responsável pela segurança interna do país e pelo combate à subversão ficou conhecido, no período militar, como comunidade de informações. O eixo principal desta comunidade era o SNI, criado e organizado pelo general Golbery do Couto e Silva. Golbery era um intelectual que acabou tendo imenso poder nos dois governos militares em que foi chefe da poderosa Casa Civil. As Forças Armadas contavam com órgãos de informação dentro da sua estrutura formal: o Centro de Informações do Exército (CIE), com o famoso DOI-Codi; o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) e o Centro de Informações da Marinha (Cenimar). Essa estrutura foi incrementada em 1967 com a criação do SNI (Serviço Nacional de Informações).
   As polícias - Federal, Civil e Militar – também tinham seus próprios órgãos de informação dentro da estrutura organizacional, mas não tão bem definidos como nas Forças Armadas. A Delegacia de Roubos e Furtos e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), da Polícia Civil, tinham as melhores equipes para atuar no combate à esquerda, pelo conhecimento adquirido com investigação e espionagem de crimes comuns. Embora não estivessem hierarquicamente submetidos aos comandos militares, os dois organismos policiais acabaram sendo grandes fornecedores de quadros para auxílio aos militares na repressão. Institucionalmente, as polícias são força de reserva militar.
   A Polícia Federal também desenvolveu sua própria estrutura de informação e inteligência, e, claro, foi também grande fornecedora de quadros e recursos para o combate à esquerda. O contingente da Polícia Militar já servia naturalmente ao Exército, uma vez que os comandantes das PMs, na época, eram coronéis do Exército.
   Alguns escritórios das procuradorias federais nos estados faziam parte da comunidade de informações. Esses gabinetes davam suporte ao SNI quando a capital de um estado não tinha sede própria. Braços da comunidade de informações, não oficiais, estenderam-se para além do aparelho do Estado, se infiltrando nas associações particulares, como a maçonaria, e na organização policial paralela Scuderie Le Cocq, cujos membros se denominavam “irmãozinhos”. (Milton le Cocq – detetive da Polícia do Rio de Janeiro que chegou a integrar a guarda do presidente Getúlio Vargas. Foi assassinado em 1964 por Manoel Moreira, o bandido conhecido como Cara de Cavalo. O episódio deu origem a um dos mais famosos grupos paramilitares que já atuaram no Brasil, a Scuderie Le Cocq). A comunidade de informações, no acirramento da guerra contra a guerrilha urbana e rural, estendeu seus braços também à contravenção, o jogo do bicho.
   Por seu turno, Sérgio Fleury teve um fim melancólico: ele, que foi delegado do DOPS em São Paulo, assumiu por um longo período da repressão militar a sua face mais sangrenta. Por esse motivo, passou a ter um poder exagerado, liderou um grupo de torturadores e assassinos de presos políticos até cair em desgraça e ter decretada a sua morte numa votação na qual Cláudio Guerra participou.
   Segundo Guerra, após a morte de Fleury, o clima de paranoia se instalou, pois os membros da irmandade da comunidade de informações achavam que qualquer um deles poderia ser o próximo a morrer. Esta dúvida se fez comum entre os civis que trabalhavam nas operações clandestinas comandadas pelo SNI. O medo se justificava, a morte de Fleury representou uma queima de arquivo, a primeira de uma série. Morreram muitos, alguns em acidentes forjados.
   A origem do DOI-Codi, por sua vez, foi produto do trabalho de Perdigão, que construiu organogramas, gráficos, e que tornou esta a última fronteira institucional, com sede, orçamento, hierarquia e pessoal. A partir da criação do DOI-Codi, começou a improvisação e a guerra suja, com a Casa da Morte, os cemitérios clandestinos, as execuções, a usina Cambahyba e os financiamentos ilegais da prática de repressão.
   Ao Codi cabia o controle e a condução das medidas de defesa interna, sua finalidade era a de garantir a necessária coordenação do planejamento e da execução, nos diversos escalões de comando. O Codi deveria possibilitar a conjugação de esforços do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, do SNI, do DPF e das secretarias de Segurança Pública. O DOI, por sua vez, era o órgão operacional do Codi, destinado ao combate direto às organizações subversivo-terroristas, na descrição dada por Perdigão.
   O Angu do Gomes, na área da tradicional Praça Mauá, foi um dos lugares em que foram tramados os planos de assassinatos comuns e com motivações políticas e os atentados a bomba do período de redemocratização do país. Foi ali que o grupo de Perdigão conspirou contra Geisel, Golbery e Figueiredo. Ao lado do Angu do Gomes havia uma casa de massagens aonde também havia conspirações,  e as ações violentas eram planejadas ali. Os dois imóveis, o restaurante e a casa de massagens com garotas de programa, pertenciam à Irmandade da Santa Cruz dos Militares. Todos os coronéis da linha-dura faziam parte dela. A Tradição, Família e Propriedade (TFP) era um braço dessa irmandade. TFP que tinha, segundo Perdigão, forte ligação com o SNI. (TFP – Movimento católico conservador fundado em 1960 pelo então deputado federal Plínio Correia de Oliveira, e que apoiava firmemente o regime militar).
   Referente aos financiadores da repressão se incluíam os bancos Mercantil de São Paulo (muito forte durante o regime militar) e o Sudameris. Os recursos que viabilizavam o pagamento da equipe de operações clandestinas vinham dos empresários que, em troca, eram beneficiados pelo regime militar. Nunca faltou dinheiro para as operações no regime. Um dos empresários que apoiaram as ações clandestinas foi o deputado capixaba Camilo Cola, dono da Viação Itapemirim. Cola, que era muito próximo de Perdigão, arrecadava recursos entre grandes empresas como a Gasbrás e a White Martins, e os donos do Mappin também sempre ajudaram a combater a esquerda em São Paulo.
   Entre o final da década de 1970 e início da década de 1980, toda a estrutura montada para combater a esquerda começou a ser desmantelada. Dentro do governo militar emergiu uma corrente contra a linha-dura, esta última que tinha granjeado muito poder desde o AI-5. A divergência entre os grupos e a percepção, em Brasília, de que não havia mais enfrentamento armado contra o regime aceleraram a abertura política.
   A desarticulação começou pela peça-chave do sistema, o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI – Codi) nos estados. A abertura política lenta, gradual e segura, defendida pelo general Ernesto Geisel, enfrentou forte resistência da linha-dura. Acostumados ao poder, grupos de oficiais das Forças Armadas, de policiais federais e civis resolveram agir por conta própria, fora da cadeia oficial de comando. Forças da linha-dura que acreditavam que, por meio de atentados, conseguiriam deter a redemocratização.
   Desses grupos contrários à abertura política partiram ações de atentados terroristas a bancas de jornal, veículos de comunicação, eventos e shows. O atentado ao Riocentro, a carta-bomba na OAB, as explosões em redações de jornais, dentre outras ações, foram obra da linha-dura resistente à redemocratização. No caso do atentado ao Riocentro, este foi o mais importante, pois foi um divisor de águas, e que caiu, literalmente como uma bomba, no colo da linha-dura, que foi fulminada por esta ação desastrosa.
   A bomba, que poderia ter provocado a maior tragédia e o grande golpe contra o projeto de abertura democrática, foi parte de um atentado que deu errado. No comando estavam Perdigão, Vieira, e Brilhante Ustra. A ideia era causar enorme repercussão naquele dia, pois naquele show poderia morrer muita gente, inclusive do meio artístico. O intuito era responsabilizar grupos de esquerda pelo atentado. O destino da bomba era o palco dos shows. Mas, quando a bomba explodiu no carro fechado, um Puma, o corpo do sargento que estava no carro absorveu todo o impacto e o efeito destruidor da bomba não se propagou. E esta era uma das três bombas que deveriam explodir no show.
   O capitão Wilson estacionou o veículo embaixo de um fio de alta tensão e a carga elétrica desse fio, a energia que passava em cima do Puma, fechou o circuito da bomba, provocando a explosão. O erro foi do capitão. Essa falha frustrou um atentado que tinha sido meticulosamente planejado pela inteligência do DOI-Codi. E a revista Veja de maio de 1981 apurou que painéis de propaganda do Riocentro foram pichados com a sigla VPR, na tentativa de atribuir o atentado à extinta Vanguarda Popular Revolucionária, organização de esquerda liquidada em 1973 pelos órgãos de segurança. (A Vanguarda Armada Revolucionária Palmares – VAR-Palmares – surgiu em julho de 1969 como resultado da fusão do Comando de Libertação Nacional – Colina – com a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR – de Carlos Lamarca.)
   O objetivo das bombas no Riocentro era provocar uma tragédia e responsabilizar os comunistas. Os militares da linha-dura acreditavam que, assim, a sociedade se revoltaria contra a esquerda e a abertura política perderia o apoio da população. A equipe do atentado do Riocentro foi escolhida pelo coronel Perdigão, companheiros de Guerra, que depois se envolveriam numa ação policial famosa e polêmica com a Falange Vermelha. Como policiais do então DGIE, após investigações, entraram no Conjunto dos Bancários, na Ilha do Governador, no Rio, provocando um tiroteio de mais de dez horas. A Falange, a primeira organização criminosa do Rio, que se transformou depois no Comando Vermelho, aprendeu sobre luta armada urbana com os presos políticos, na Ilha Grande.
   Aqui está um dos pontos principais do depoimento de Cláudio Guerra que, num desencargo de consciência, espera na salvação cristã, refrear um pouco de sua biografia pesadíssima. Não se tece aqui juízos de valor, o que se tem atenção é como o sangue frio circulou nas mãos de homens como Guerra pelos atos da repressão, e que, no alvorecer de um pastor de igreja, não apagam as pegadas deixadas pelo mesmo, pegadas e marcas que o próprio registrou neste livro tão relevante para saber tanto sobre uma história particular de um matador, como da História do Brasil recente.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://www.seculodiario.com.br/21373/14/imemorias-de-uma-guerra-sujai