PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 22 de julho de 2013

LANGUIDEZ NOTURNA

Lânguido o tormento sussurra
paz e tempestade
nos lírios do sangue
falso.

Com o rito da luxúria
a pena naufraga.
Desdém e rumor
a pena se esfacela.

Corrói o sono a sombra da alma.

Exangue o sino não mais cintila.
Das estrelas que caíram
no soluço aos versos
ficou o negror da noite
apenas com o plenilúnio
que é o sinal da loucura
em furores de alcateia.

22/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

VENTOS E ÁGUA

Olhai na mata densa os ombros da árvore,
rumor e fervor do espanto da carne dura
que fere de labor as lidas do aço diário.

Cremado o corpo sob a fumaça do rancor,
vai de vento ao óleo negro dos sonhos,
planta da vida em frêmito e sarça,
vai e roda a lei dos altares
na paz chamuscada do vinhateiro.

Eu penso que o delírio da guerra
faz da esfera pau-de-arara,
torturado o flagelo
da estrela que gritou,
perdido o poeta no mármore,
psicografa o tempo em fúria de enredo.

O martelo da filosofia conceitua a fadiga.
Desejo central do drama e do espetáculo.
Flor densa eu mato nos dias tensos.
Com o coral das flores mortiças
o canhão explode seu poema de bala,
canta com o sol a dor de luta,
ventila o inóspito do ritual profundo.

Olhai o cântaro madrepérola
no transe nacarado
de zênite e nadir
nos sonhos da água.

22/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

CRACOLÂNDIA

esquisito
esquizo
frênico
frêmito
riso

malquisto
bonito
lenda
do esgoto
praga
publicitária
morta
esfolada

internação compulsória
de todos os dramas
do absurdo
que é viver.

22/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

VEIOS DO CORPO VAZIO

leve o seu coturno
a minha cara
está esfolada
pela bala
crava
no peito
seu dia
seu delírio
de monstro

meu peito dormiu à tarde
com sorriso nos ossos
com olhos de calma

deita e dorme em meu peito
flor e seda e morte e cura

pranteia meu esqueleto
na areia e na argila

aniquila meu sonho
com meu sangue
no chão
da alegria

refaz o perfeito dia
de que morri
no sacro evangelho
na cruz de um ladrão

22/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

DO QUE CANTO

pranto
espanto
canto
desencanto

verso
meço
por
dentro
e perto

não sei
só sei
pensei
o que
sabia
não sabia
olhava
cegava

vezes mais fodão
outras mané

muitas vezes cão
outras apenas fé

22/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

VAGA NOITE

vaga noite vagabunda
o sol se foi
a bruma desceu
à noite calma noite

quero ver a estrela funda
quero ser o sol sozinho
o olhar da lua me comove
penso em todo livro
de noite à lua

contemplo
vaga
noite

ando lendo
sou vago
um puto
vagabundo

olho
penso
escrevo
o que
não
penso

22/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

DA PAZ DE OUVIR QUANDO O OUTRO FALA

Tem vez que o grito
passa às claras,
na escuridão o silêncio
se autodestrói.

Tem vez que o nada dizer
e o só ouvir
é boa educação.

Tem hora de ausculta
às dores do irmão.

Interlocutor veloz,
o que gritas não ouço.
Monólogo pálido.
Diálogo negro.
Gritaria nos bares.
Pobres enredos.
Náufragos enredados.

Paz à palavra, horizonte certo
dos que contemplam o silêncio,
voz e ausculta,
mais ouvido
que garganta,
estar assim aberto
é dom raro,
tudo que ronda
são monólogos
vazios.

22/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 21 de julho de 2013

O CAMINHO TEATRAL DE MEIERHOLD

"O trabalho que Meierhold deixa, será importante como um dos retratos dos vanguardismos que povoaram o turbulento século XX"

   Meierhold, diretor e ator de teatro, nasceu em 25 de janeiro de 1875, em Penza, cidade provincial a sudoeste de Moscou. Começou a carreira teatral escrevendo críticas de teatro e dando os primeiros passos na interpretação, até que foi para Moscou com o propósito de estudar Direito, mas abandonou a faculdade em 1896, voltou para Penza, onde virou destaque como ator, com apreciação do público e da imprensa local.
   Meierhold, então, voltou novamente a Moscou para empreender, mais seriamente, seu trabalho de teatro, tornando-se aluno de Dântchenko, e em 1898, passou a integrar o novo grupo Teatro de Arte de Moscou, criado por Dântchenko e Stanislávski. Porém, Meierhold não se coadunou com o verismo do teatro stanislavskiano, já que possuía um porte de ator mais expressivo, tendendo ao grotesco e ao expressionismo na interpretação, num desempenho que poderia ser chamado de febril, que era uma antítese da proposta realista do teatro de Stanislávski.
   Meierhold começa a entrar em conflito com o estilo do Teatro de Arte, pois criticava tal orientação realista deste modelo de teatro, culminando em uma nova busca de expressão estilizada. Meierhold criticava em Stanislávski que seu realismo limitava o teatro ao palco, minando o diálogo deste palco com o espectador. Ou seja, o realismo de Stanislávski manteria seu maquinário "por trás" da quarta parede. Meierhold, por conseguinte, deixa o Teatro de Arte, e organiza um grupo de nome Trupe de Artistas Dramáticos Russos, que acaba por imitar todo o repertório do Teatro de Arte, até que, quando o grupo é rebatizado como Confraria do Novo Drama, Meierhold consegue se descolar da verve verista, para maquinações mais evanescentes de cunho simbolista, mesmo com resultados iniciais modestos.
   Porém, Meierhold continua com suas pesquisas e, aos poucos, encontra o seu próprio teatro, numa via vanguardista para uma expressão do que ele viria a chamar de "estilização" e "quinta-essência da vida", tudo isso no novo clima de experimentação, com o qual caminhava o teatro russo do início do século XX. E Meierhold mergulha na sua busca da poesia e da mística do novo drama. Na criação do Teatro-Estúdio, por exemplo, reuniram-se artistas de áreas diferentes, para a criação de uma linguagem inovadora de teatro, num intercâmbio entre a Confraria e o Teatro de Arte. E o novo drama buscado, era nada mais que o drama simbolista. Meierhold trabalha atrás de uma bidimensionalidade pictórica, contra o modelo naturalista de maquete, arte pictórica com efeitos de luz e cor, o que era exatamente a ideia de Meierhold de "convenção, generalização e símbolo", o que também incluía o impacto grotesco da tragicomédia e da sátira, e que também se fiava no padrão rítmico-musical, que modulava o desempenho do ator em suas falas e gestos.
   Devido ao trabalho medíocre dos atores, Meierhold decide fechar o Teatro-Estúdio, e isso, por debaixo dos panos, envolvia, na verdade, o conflito nodal Stanislávski-Meierhold. Só que, com este trabalho, já dera tempo de Meierhold amadurecer suas concepções teatrais de dramas simbolistas, tais como em algumas de suas criações cênicas com baixos-relevos e afrescos. Nada mais distante do naturalismo stanislávskiano. E, após o fim do Teatro-Estúdio, Meierhold deixa Moscou rumo a São Petersburgo, onde passa a frequentar os saraus de Ivánov, um dos principais teóricos do simbolismo russo, e é quando Meierhold encontra uma busca do trágico e da transcendência mística para o novo teatro, e conclui a ideia de que se chegara ao esgotamento naturalista e dos psicologismos do teatro ainda em voga.
   Todos sabiam a dificuldade e o risco que se teria numa inovação simbolista do teatro, uma vez que nada ainda havia se realizado concretamente, é então o momento em que Meierhold forma com Tchulkóv o efêmero projeto As Tochas, que era a tentativa de reunir o elemento místico com o protesto e o engajamento social. Depois do fim deste projeto, que não vinga, Meierhold retoma os trabalhos de sua Confraria, já com uma imaginação de ruptura do espaço cênico tradicional, unicamente centrado no tablado, buscando um teatro total que envolvia também a plateia e o edifício teatral, numa celebração orgiástica de um ritual festivo do espetáculo cênico.
   Ocorre, então, o encontro de Meierhold com a companhia da atriz Vera Komissarjévskaia, união de forças em prol de um drama poético e espiritual, mas os egos logo se chocam e esta união pelo novo teatro é rompida, mas não sem antes render alguns bons frutos. A feição diretorial que tomara a liberdade da atriz na peça de Íbsen, Hedda Gabler, e que tem uma recepção fria da crítica, logo colabora para a grande realização meierholdiana com Maeterlinck e sua peça Irmã Beatriz, no lirismo idealista e místico deste autor.
   Meierhold foi o crítico feroz do naturalismo e o precursor da revolucionária explosão teatral dos anos 1920 na então União Soviética. O trabalho meierholdiano foi simbolista, esteticista, construtivista e sintético, tudo como fermento experimental inovador, e Meierhold trabalhou não só como encenador, mas como crítico teórico.
   Meierhold chega, com o tempo, ao que ele chamará de teatro da "convenção consciente", em que todos sabem o intérprete como tal, onde o espectador entra como mais um criador do espetáculo, junto com o autor, o encenador e o ator. E toda a estilização ganha, em Meierhold, também, o sopro do grotesco, o qual não foi só elemento fundante em Meierhold, como também para o Expressionismo e nas cenas brechtianas.
   A revolução meierholdiana seria feita pelo grotesco, inaugurando seu período soviético com Mistério-Bufo de Maiakóvski, montagem que já seria o "Teatro da Revolução" com feições construtivistas e sintéticas, concretizando na biomecânica a técnica corporal e espacial do ator neste novo vanguardismo teatral. Contudo, nem tudo foi alegria, muito pelo contrário. A oposição logo veio à Mistério-Bufo. A reação política seria brutal, com a mão pesada stalinista que viria sobre a intelectualidade soviética ao fim dos anos 1920, embora Maiakóvski acabasse por se tornar o vate oficial do regime de Stálin. No fim de tudo, Meierhold acaba preso em 1939 e é fuzilado dentro da prisão em 1940. O trabalho que Meierhold deixa, será importante como um dos retratos dos vanguardismos que povoaram o turbulento século XX, tempos que se radicalizaram com sua morte trágica.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.