PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 17 de abril de 2013

OS PÉS DESCALÇOS

Os passos dos pés
se vão ao tempo
que urge.

Correm os pés descalços.
Chutam o infortúnio
de lado,
correm, andam,
descansam.

Os passos são incontáveis.
Os pés são agentes
da ação,
se a coluna quebra,
os pés são as mãos,
se toda a coluna quebra,
os pés são a imaginação.

17/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

FORMA REAL

Com a forma, se tem da
estética
a arte
proferida.

Forma-vida.
Contorna e esculpe,
faz aos poucos
a beleza
e o encanto.

Forma de si a arte,
faz voltas
no sonho,
e o torna
realidade.

17/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

A RODA

A roda, invenção das mãos,
tortura ou movimento.

Gira em seu estalido,
fere cada chão
pelo qual passa,
a roda é fortuna,
a roda é da vida,
gira, gira,
volta, vai,
e nunca fica.

Pelo tempo, a roda ensina.
Pelo giro, a roda
nos obriga a viver,
cada passo gira,
ensina,
progride,
atenua
e condena.

A roda fere o chão
com os gritos
de sucesso e fracasso.
A roda fere o coração
e dele se enternece.

17/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

VENERAÇÕES DA ALMA

           I

Inundação das secas,
o miasma do mistério
com a vida plenificada.
Outros olhos julgarão
o maldito,
a mim cabe o mistério
da flor da bruma,
com o orvalho espiritual
das canções silvestres,
com o lírio fustigado
das noites enlouquecidas.

O ar se torna suave.
Com as delícias
da miséria,
com as dores
da fortuna.
Os poetas aviltarão
a crítica
com o poema em riste
torpedeando
todos os territórios
da lei,
invadirão o dormitório
dos que vivem na ilusão,
acordarão os mártires
da terra devoluta
em que morreram.

Na vida se tem o tempo do barco,
qual nascituro fervido
em brancas nuvens,
plácida ascensão
da pureza
em vigor
adamascado,
pura celebração
da eternidade
do corpo
nas lamentações
de um sol veemente.

Pois do sal às armas,
nos dá o caldo
a praia estourada
das vagas
de um temporal.

Vem o rútilo diamante
no acorde brutal
das sensações,
morrer impávido
nas mãos
do tempo,
vem soprar o vento
do amor
com clangor
feroz
de um abalo
do coração.

E as canções se perdem,
como os amores na chuva,
como os pecados
da História.

E as canções se perdem,
como o grito primal
da dor mais verdadeira,
como o choro incontido
de um bêbado
na rua dos desamparados.

Senti o tempo em verdor
nas casas das mulheres,
sete estrelas templárias
lutavam com adagas
de revolta na funda
lamentação dos partos
em fogo de vida,
enquanto a moira
vingava
o claustro
do êxtase
com o fardo
expatriado
do degredo,
veja o sal
que sai
do mar revolto,
e fique extático
na paz do rouxinol.

Lutarei com os olhos fundos
pela canção mais veraz
da vida gerada
de minha descendência,
como o livro da vida
nas Sagradas Escrituras
num fogo pagão
de Hécate,
como os salvadores da poesia
nas asas purificadas
da glória da anunciação.

             II

Os fervores soçobram
no rigor dos tambores.
Vai a desdita corroer
o devedor
das acrimônias.

Pois que o pecado
surge da mão da vida
com os sinais
encarnados
do vigor
sedento
da paixão
sacramentada,
e o luto da bandeira
cai em fogo
na verdade intempestiva
da poesia.

Os cavalos insepultos
são transfigurados
em dor desandada
de farol na morte
dos mares.
Jangadas chegam
do além
para levar os índios
à selva mordaz
do viço de Tupã,
as flores ricocheteiam
nas árvores
com o suco dos frutos
num rito de fertilidade,
o caos da dança
sucumbe
em salvação
do abismo
no plenilúnio
da meia-noite
como farra vampiresca
dos gritos
de antanho.

O mar verte a saudade,
os rigores da máquina poética
refulgem no sol
semeado dos corpos
desejosos de êxito,
a visão é sacra.

Com a morte temida
fogem os temores,
com a vida vivida
fogem os horrores,
a estrada é longeva
na canção,
todos os silêncios
gritam na febre da pena,
um vulto se arma
de vinho em sacramentos,
pois tudo se conflagra
com as estrelas caindo
nas visões da vitória,
o triunfo da fuga
se encontra
no desaguar
do rio risonho
das noites fugidias
das litanias
em langores
de arte venerada.

Os livros se erguem
da mais misteriosa
chama violeta
dos odores
que vigiam
os avatares,
as sombras morrem
na luz divina
do tempo de sol.

Eu sonho com a febre montanhosa
dos dias de equinócio
no devaneio
dos poemas boêmios
de uma rua perdida,
cantando com beberrões
os amores perdidos,
e gritando na madrugada
a dor afogada
dos poetas
malditos.

Tenho o fogo na flor da vida,
tenho o fogo na sagração
da primavera,
tenho o fogo
nas misérias
cantadas
em vigor
de verso,
o universo chora
na pena,
e o poema
exulta
de verdades
serenas.

Com a flor o tempo mostra
as faces desta verdade
que é eterna,
o poema faz a fundação,
os olhos perdoam
a dor fustigada
com emblemas
e segredos
em doze signos
vertidos
na noite do dragão.

As cores exultam
na vinha decretada
da paixão.
O tempo urdiu
a face do mundo
com as mãos
da vida,
vida e tempo
são fogo
em todos os poros,
e o rito sagrado
é tornar a glória
a realidade.

     III

Vem o Senhor,
eu vi seu sorriso
num sonho,
olhos enfurecidos,
têmpera monacal,
monge da festa,
flor da semente,
vinho do tempo.

Senti a alma dançando,
desejo de carne,
êxito do espírito,
verdade do sol.

Senti o sagrado na flor,
o dia sem temor,
as vagas do amor.

Senti o ferro na carne,
 a paz alhures,
e a morte sequiosa.

Senti o sofrimento,
senti o êxtase,
senti todas
as canções
na alma,
eram centenas
de hinos
celestes
em meus olhos
de menino
na missa
de uma manhã
tão linda.

Aurora, veste teu corpo
ao tempo fundo
da alma.

17/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

TRILOGIA DA SALVAÇÃO

                      I

Face a face com o sinal da cruz.
Tremula no pátio a bandeira
do sangue puro da juventude.

Olhos, aos mares castanhos
de um sonho de sol,
morto o tempo em teu sal.
Veja, na plena manhã,
com os cavalos dançando
nos nenúfares,
os vinhos tristes
pausados em solidão,
a carne em luto
de um poema infausto.

Correm os dramas pela cidade da luz.
Vinga a luz a semente de sombra,
de sua penumbra o livro
se espatifa com dor de verso,
e todos os libertadores
do corpo
serão
espírito
do tempo.

Vai à morte teus planos!
Ferimento leve, o pulso
não tem medo,
o visionário
está vivo!

Como antes na astuta figura
dos pecados,
venerou a alma da sombra
como totem
em flor de carne
e tempo de escória.
Ferrolhou as pernas
numa dança macabra,
a besta do entusiasmo
em fantasmagorias
na pena do silêncio.

Vaga a felicidade
pelo pântano
dos infelizes,
como o canto da alma
na dor vigorada
de um sonho nu
de golpes
e revoluções.

       II

Descansa o meu corpo.
Feliz o tempo dos corcéis
em flora matutina,
como os libertinos
na barafunda
dos mártires,
bebendo vinho seco
e arrotando
filosofia.

Os cantantes das esferas tortas
velavam o corpo incorruto
do poema pagão,
safiras na alma do vingador,
plenilúnio esfacelado
nos ossos
do horizonte,
mangue marginal
na lama
de um vitral.

Embaixo das marquises
as marcas da mendicância,
um eremitério de almas tolas,
a água límpida
escorre
do pântano
da lua,
ferve o dilúvio
no cajado
de Noé,
o espanto
da revolução solar
funde
a eternidade
ao tempo
em poesia,
e o gládio protege
o corpo fundo
do poeta
virulento.

     III

O futuro que se nos dá
no himeneu
é o pátio lotado
de gerânios
na tempestade,
e o sol flutuando
na miragem
dos corpos
em febre
no surto
celeste
das levitações.

Com o cobre e o ferro
se ergue a força
em cada braço,
mantimentos são
postos na peregrinação,
a dor estala
como vento
e a alma
ainda vive
no mais vil
labirinto,
e da ode bruta
nasce
uma flor de lótus
rosácea
como o amor
repentino
da salvação.

Eu vi a glória na areia
como um peixe com
rabo de foguete,
meu corpo reluzia
transfigurado
como asas
que o Verbo
encantou
de sinestesia
na latitude
de um poema
de estrela,
e o sol caiu
nas minhas costas
com o sinal da cruz
na hora da pura morte.

17/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

terça-feira, 16 de abril de 2013

GUERRA FILOSÓFICA

Plange hirto o fundo da barriga.
Qual o sono das esferas?
Qual o dia da mancha azul?
Faz-se o sol,
eu leio o fashion
das cartas
rasgadas,
veio o céu selado
ao alvo.

Plange sílfide na tormenta.
Eu tenho o trabalho do tear
com os livros estourados.

Cânticos tibetanos,
filósofos,
pensei em Heidegger,
desisti,
lutei com Nietzsche
e dei um urro,
espanquei Kant
e apanhei de Hegel,
mordi a bunda
de Marx
e vi Platão
numa foto,
quem a tirou
de minha estante?
Certo alfarrábio,
o livro mascado
de fome de Freud,
e todos os doutos
da Igreja.

Qual dor mais enternecida
que no "cântico dos cânticos"?
Viro os olhos nas suratas,
perco as canções de Gita,
o verso dorme em Safo,
os olhos voltam a si
com o vinho de Baudelaire,
peço a Beckett
para expulsar
Lucky
da festa,
Pozzo dá um salto!

Quantas mais?
Sócrates se debulha.
Aristóteles não adianta morder,
quebra os dentes.
Parmênides é uma pedra,
Heráclito um miasma.

16/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

VISÕES DE COR

Nau do tempo,
                 sperança!

Cai a gota na alma
                      lava
                      leva
                    acalma
                     pranto
                    espanto

os dias passando pássaro
               paisagem
               miragem
               outro dia
                 morto
                 mesmo
                 morto

               outras cores
               outras vozes

               todas as cores
               todas as vozes

                    vazio
                    nada
                    vácuo

                nenhuma cor
                nenhuma voz

15/04/2013 Horizonte Opaco
(Gustavo Bastos)

DO ÊXTASE DO CORPO

Paisagem fluida, a imagem do êxtase
fere o corpo mortificado,
dá um nó nas pernas,
os braços estão moídos,
a barriga dura,
a cabeça nervosa.

O corpo, ferido,
contempla.
De dentro de si
cala,
o verbo é espada,
corta.

Duas cores:
preto, branco.
A película é estranha,
o corpo ferve,
anoitece,
fenece,
se esquece.

Paisagem fluida,
o êxtase amanhece,
não mais corpo
em se conter,
só o contentamento
da contemplação,
uma luz e seu amor,
um tempo que faz calor.

15/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 14 de abril de 2013

O DESEJO PARA PHILIP ROTH

"Sua ficção se desenvolve num monólogo íntimo, o que podemos ver em seu romance O Professor de Desejo."

   Philip Roth, romancista norte-americano, de origem judaica, um dos maiores escritores de seu país na segunda metade do século XX, tematizou muito a questão da identidade judaica nos EUA, explorando, também, a natureza do desejo sexual e o autoconhecimento, como temáticas de suas obras.
   Sua ficção se desenvolve num monólogo íntimo, o que podemos ver em seu romance O Professor de Desejo, publicado em 1977, e que envolve um narrador-personagem que conta partes de sua vida durante sua juventude e depois na sua maturidade, tomando como ponto principal de sua reflexão a questão do desejo sexual, e de como este varia de intensidade com o passar do tempo, e como este mesmo desejo suscita diferentes compreensões em estágios distintos da vida.
   O romance de Roth, O Professor de Desejo, começa com um jovem David Kepesh, o narrador e principal personagem do romance, em sua busca de autocompreensão, sua admiração por Herbert L. Bratasky, um mímico que executa sons dos mais diversos e que se torna um ídolo para David. Ele fica em Siracusa um tempo, onde deixa o exibicionismo de lado, a influência do cômico Herbert já não era mais tão forte. O dilema moral de David, agora, vem de uma frase de Lord Byron: "Estudioso de dia, dissoluto à noite." David, logo depois, se depara com outra frase que lhe cai bem, numa espécie de descoberta perfeita: "Um libertino entre eruditos, um erudito entre libertinos." Perfeito. Eureca. E, no meio desse turbilhão, uma leitura exaustiva de Ou isto ou aquilo de Kiekegaard, com David, tendo em seu amigo, o mentor sobre Kierkegaard, o nervoso e desajeitado Louis Jelinek.
   Então, David toma seu caminho para um pouco de libertinagem, chega a Londres, onde terá suas novas experiências sexuais, de modo mui libertino, com duas suecas que estavam em Londres para aprender inglês. David estava atrás do mito da moça sueca e de sua liberdade sexual. Encontra Elisabeth Elverskog, e também conhece sua amiga Birgitta. Com as duas, David consegue realizar várias das fronteiras da devassidão que, anos mais tarde, será para David pura nostalgia, há um falso acidente e Elisabeth vai embora. David fica um tempo com Birgitta, a qual foi perfeita para ele, até que tudo muda, e David deixa Birgitta para trás, indo para a Califórnia.
   Birgitta foi perfeita para todas as ideias libertinas que David um dia possa ter tido, o erotismo louco daquele tempo se tornará então uma lembrança somente. David Kepesh teria novos conflitos acerca de sua própria natureza, um rito libertino era nada mais que uma distração para a existência, tal existência que cobrará de David um maior autoconhecimento, o que não virá, certamente, somente do desejo erótico, mas de um entendimento filosófico, um uso da razão mais que da emoção, o instinto domado para o que lhe virá num futuro que já se lhe tornara próximo.
   David deixa seu sonho de se tornar cafetão de Birgitte (uma chance de ouro se o caminho fosse esse), e conhece Helen, que tinha fugido de Hong Kong, onde tinha um marido mais velho. Roth aí faz alusão a Karênin do romance de Tolstói, Ana Karênina, e David viverá com Helen por alguns anos, ela será outro tipo de perfeição diferente de Elisabeth, diferente de Birgitte, David buscará em Helen este novo tipo de realização, um tanto mais madura do que as aventuras sexuais com as duas suecas.
   Tudo dá certo por um tempo, depois Helen foge e é presa em Hong Kong. David tem novas crises, não sabe muito bem o que pensar ou fazer, conhece Claire, e tudo o que pudesse exigir das mulheres lhe cai por terra. David se submete ao destino e toma Claire para si. Contentar-se já não era a preocupação, a tranquilidade era mais importante do que os voos libertinos de paixões sexuais avassaladoras. David consegue, com Claire, ficar estável, seu conflito entre libertinagem e erudição, entre a devassidão e o autoconhecimento, se apazigua. David conhece agora, talvez, o amor, que é mais que desejo, embora o amor seja um desejo mais feliz, menos tenaz, David aceita Claire como seu fim, não mais o uso indiscriminado de Birgitte, seu sonho de cafetão agora era só uma nostalgia, mas Claire era melhor.
   O poeta Baumgarten, um de seus mentores da libertinagem, influencia, indiretamente, David a dar umas aulas de Literatura tendo por temática o desejo sexual. David fala mais de si mesmo do que de obras literárias em suas aulas. David, no entanto, teria em sua fase libertina, muitas informações, e ele cede aos alunos tal experiência, mas, tais deslumbramentos e arroubos, ficaram em seu passado. Baumgarten era um tipo de herói, mas David tinha que prosseguir, e deixa as ideias do poeta com o próprio, David vai agora atrás de Kafka, já bem estudado das teorias familiares de Tchékhov.
   David lembra Kafka. Philip Roth, ao fim deste romance, faz uma bela especulação sobre Kafka. David era professor de Literatura. Kafka e Tolstói, e muitas vezes Tchékhov, aparecem como fontes de reflexões intensas neste romance de Philip Roth chamado O Professor de Desejo. David era angustiado e encontra paz espiritual no fim de seu périplo, a famíla gosta de Claire e tudo estava mais claro para ele do que em qualquer outro tempo de sua vida.
   Philip Roth, apesar de já ter sido muito laureado pela sua obra literária, anunciou em outubro de 2012, numa entrevista, que abandonara a carreira de escritor, não poupando de críticas a realidade literária atual. Talvez uma desilusão ou apenas cansaço? Ou mesmo, o que deve ser, uma posição tão crítica que levou a esta decisão radical.
   Sua última obra foi Nemesis, de 2010. A Literatura foi muito bem servida pelos escritos de Philip Roth, e sua decisão, embora pareça intempestiva, tem que ser respeitada, uma vez que se trata de um escritor cuja obra é respeitável e premiada.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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