PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 18 de maio de 2013

PALMAS AO BOQUIRROTO

 A boca, quando é apequenada
em tons de um boquirroto,
recebe o senão e a reprimenda
devida das mãos de um sábio poema.

Quem, do ardil da confusão
tenta do ferro ferir-me ou
me constranger,
mais pascácio se torna
do que já fora,
e no silêncio torrencial da chuva
mando calar-te sem dó
e poupar de meu coração
tua troça exangue
que de pus e sangue
um dia urdira.

Tenho, da língua trabalhada,
a boca precisa para enumerar-te,
e de farsa e comédia
não se traduz a poesia,
uma vez que ela, plácida a altiva,
te diz o que em tuas mãos traz,
não o teu gracejo,
mas o teu ridículo.

18/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

A GUERRA

Quem quer guerra?
Tem guerra em toda parte,
guerra pra quem quer terra,
guerra no Iraque,
guerra no Afeganistão,
tem guerra no Japão,
Guerra Fria,
Segunda Guerra Mundial,
tem guerra no Peloponeso,
tem guerra no Paquistão,
teve a Guerra do Paraguai,
um Jovem Sérvia
quis a Primeira Guerra,
a Belle Époque também
queria guerra,
teve guerra atômica?
Guerra de Napoleão,
guerra de Nero,
guerra de Roma,
guerra dos bárbaros,
guerra no mar,
Portugal e Espanha
queriam guerra,
guerra contra os índios,
guerra no Egito,
guerra na Líbia,
guerra na Síria,
guerra na Palestina,
guerra de França e Inglaterra,
guerra dos cem anos,
guerras bíblicas,
guerra americana,
guerra nas Malvinas,
guerra da Jihad,
guerra por paz,
uma paz pela guerra,
guerra nas estrelas,
guerra urbana,
guerra rural,
guerra do Vietnã,
guerra da Revolução,
guerra de Esparta,
guerra na Babilônia,
guerra financeira,
guerra na Sibéria,
guerra no Saara,
guerra do tráfico,
guerra da máfia,
guerra no cinema,
guerra no Tibet,
pra todo lado
teve guerra,
pois teve guerra
até na França Antártica.

09/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

A VIDA POÉTICA

A vida é uma história profunda
do nada em coração de vulcão,
soçobra, acorda e lastima.
Viceja, vivifica e morre.
A vida late e rosna,
peida e acha graça,
beija e parte o coração.

A vida ensina e confunde,
modela e destrói,
é dádiva e é maldição.

A vida sempre é eterna,
a vida sempre é mortal,
a vida conspira e inspira,
a vida é um poço de amálgama,
a vida é um sopro e um grito,
a vida corre e desanda,
e vida é mais que isso,
é o sol no monte da lua
bravejando na terra
um mar de sal
pelo oceano
do futuro.

07/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 12 de maio de 2013

A DECOMPOSIÇÃO DE CIORAN


   E.M. Cioran nasceu na Romênia em 1911. Filósofo e escritor, suas primeiras publicações foram feitas em romeno, mas conheceu o sucesso de fato quando se radicou na França e passou a publicar obras em francês. Uma de suas obras mais emblemáticas, e que reflete muito bem os caminhos de seu pensamento filosófico, é o incrível livro Breviário de Decomposição, que, como o título indica, é um manifesto niilista e trágico sobre a vida, a cultura, a filosofia, dentre outras coisas que envolvem a vida humana, e que, para Cioran, são fenômenos que circulam num nada em que convicções passeiam pela História com uma fatalidade que pode ser chamada de o sem-sentido.
   Com o tema recorrente da solidão, e seu fundo de tédio, como vias precípuas de toda falta de sentido da existência, Cioran faz da ausência de fundamentos de todo pensamento, e sobretudo, das tentativas filosóficas de abarcar algum sentido essencial para a nossa experiência de vida humana, ou para o universo como um todo, seu ponto essencial de ceticismo, que culmina no que posso chamar de uma filosofia desilusória ou de combate de ilusões, de negação de verdades, de recusa existencial da certeza, pondo o Homem e o universo nus em sua total solidão e desespero inescapáveis.
   Uma atitude antimetafísica perpassa todo o roteiro de reflexão convulsionada do Breviário de Decomposição. A posição crítica emula um pensamento autodestruidor que glorifica o suicídio e se enfatua de toda santidade, remexe na fisiologia e grita contra a metafísica como alucinação das ideias, pois o mundo em sua nudez não tem qualquer serventia, ele flutua impassível apesar de toda metafísica, e ignora toda pretensão de salvação em que o instinto é julgado sob a capa de uma pureza inexistente, uma vez que todo ideal é destruído pela evidência do fracasso da empresa existencial humana.
   O mundo é decomposição, o mundo é fisiologia desesperada, o mundo é caos, toda religião e todo mistério são vestes de um mundo ideal que é refutado pela experiência direta e cotidiana que é espasmo e não luz celestial, que é sangue, mais que espírito, onde toda vida contemplativa cai em sua nulidade e fracassa em seu êxtase e desfalecimento. A santidade, em Cioran, é inutilidade, a metafísica, em Cioran, é artifício, a nudez existencial não necessita de atalhos, a circularidade do viver engendra sua petição de princípio, todo sentido é criado, todo valor é produzido, mas toda esta criação e produção sucumbem num universo hostil e inacabado, só os poetas sobrevivem como caos contínuo e não sucumbem como os santos e com os que não têm talento.
   Mas, para que tudo não caia num ceticismo do suicídio, temos que retornar ao sentido. Cioran se perde em sua nulidade do fracasso, o que resta é superá-lo com a valoração da força da vida, não há desespero total e fatalidade extrema na qual se afogar, só sucumbe a fraqueza. O sentido existencial, mesmo que seja uma construção precária e contraditória, não é uma ilusão fracassada, o poder valorativo e o poder das ideias, em suas lutas pela sobrevida, são mais relevantes do que uma diatribe da morte por falta de ânimo. A recusa da alma em Cioran envenena, o antídoto para o desespero do ceticismo embrutecido é o senso de justiça, que é a ideia precária, porém fundante, de um pensamento sadio. A doença cínica ou o ascetismo solitário de Cioran naufragam em sua autofagia fisiológica, o corpo quer  viver, pondo em si uma ideia de alma, se anima e luta, o suicida passa a léguas da experiência da lucidez viva que se expande, apesar da insensatez da História.
   A lição positiva de Cioran: não crer em dogmas, não se tornar um metafísico puro, não crer na santidade, não se moldar por ideais, refutar valores do senso comum, ser poeta e artista para se salvar dos salvadores do mundo, saber que o mundo é uma fúria indômita em que a espada do êxito só vigora após retumbantes fracassos. O que não crer em Cioran: a sua farsa do suicídio, a sua negação abissal dos valores, a infrutífera canção de desespero de todo ceticismo que se anula e se corrói por dentro numa tenacidade da insanidade, saber que a vida é sim valoração, mesmo que numa ausência completa de Absoluto.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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