PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 18 de março de 2011

Outros Tempos

Dentes cravam no absinto
eu bebo o tempo
em vinho denso
com a vida e o coração
pulsante
dançante

Era de cânhamo o meu sonho
o sono da paisagem emaconhada
de minha adolescência
foi um farol profundo
de longa contemplação

O soluço ao tardar da noite
rompia a madrugada
com honras de poeta
na densa névoa
que invadia
a varanda da paz

Saberia elencar fatos surreais
sob o silêncio que escapava
naquelas búdicas considerações

Olhava o fim que eclodia
na náusea da poesia
com a vertigem
de um desatino
em prol da arte

De sonho se faz a vida

18/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

quarta-feira, 16 de março de 2011

HAICAI - XXIII

Meu tenso sabor
se doce e tenro já fosse
teria só calor

16/03/2011 Livro de Haicais
(Gustavo Bastos)

HAICAI - XXII

Poetisa tão linda
me dê teu vinho rosê
que eu te dou uma vinha

16/03/2011 Livro de Haicais
(Gustavo Bastos)

HAICAI - XXI

Ladeira que acima
dia sobe  no tenso cobre
morre e vai na rima

16/03/2011 Livro de Haicais
(Gustavo Bastos)

Trepidações Musicais

Ouço Mozart numa noite cinzenta,
passo adiante e Vivaldi me convida
ao verão tardio,
dou um gole numa cerveja alemã
com ritmo de castelos medievais.

Dormi um pouco zangado
com as tragédias da vida.
Acordei feliz com as desditas
dos sem coração.
Através do espelho estilhaços
de uma paixão.
O que nasce na aurora rosácea
é o que morre no arrebol
do crepúsculo.

Eu sei das tonalidades vivas
de um Edvard Munch
com náuseas
de Van Gogh.
Eu sei de um carteado bêbado
ao som de Pink Floyd,
eu vejo todos os céus
quando bate a hora
dos estertores
da nona sinfonia
de Beethoven.

Eu abro um livro sobre
as aventuras de Rimbaud
na África,
eu pinto um quadro escuro
com uma velha solitária
esperando um convite
à masturbação,
eu caio no pecado demoníaco
das noites de tesão.

Não tem sentido fazer amor
com uma vagabunda,
prefiro uma Monalisa
sorrindo em meu quarto.

16/03/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)

domingo, 13 de março de 2011

CONTO SURREALISTA


A Persistência da Memória (Salvador Dalí)




CONTO SURREALISTA



(Obs: ler ouvindo “Scream Thy Last Scream” de Syd Barrett)



Mister X adorava tomar LSD e contemplar suas réplicas de pinturas surrealistas de Salvador Dalí. Um belo dia ele se transformou em pasta e entrou no quadro “A Persistência da Memória”, e foi aí que começou a sua aventura.

O tempo liquefez-se e se transformava em formas elásticas de sons e imagens, a sinestesia tomava o campo da percepção de Mister X, nos seus olhos de gafanhoto e suas antenas ele detectava o relógio derretido quando da descoberta da relatividade geral de Einstein.

A viagem no tempo se tornara possível para uma alucinação potente daquele LSD puro ingerido uma hora antes, tudo girava em proporções gigantescas, ele era uma pasta que metamorfoseava como uma lesma sem casco ou uma minhoca psicodélica, era a própria mandala subterrânea em trânsito pelo inconsciente, uma energia cinética emanava dos relógios derretidos e sua memória delirava com um encanto juvenil, o grito rejuvenesceu e seu crânio derreteu junto com a paisagem surrealista de Dalí.

Mister X nunca foi humano, foi concebido como uma máquina para realizar experiências com alucinógenos e pinturas, cogumelos gigantes invadiam a vastidão da viagem, lembrou Mister X de que não tinha nascido e nem sido abortado, vivia como se tivesse brotado do chão, não era exatamente humano, mas não era uma simples máquina e nem simplesmente uma experiência como qualquer outra, ele era composto de várias fórmulas secretas que tornaram possíveis suas viagens pelo tempo através de pinturas ao ingerir LSD.

Vamos ao relato imaginário de Mister X:

Eu era uma lesma subatômica, virei pasta para entrar mais fácil na pintura de Dalí, não sei ao certo o que me levou, eu sei que me vi entre os relógios de um tempo paralelo, subatômico, uma viagem quântica, é, eu acho que fiquei microscópico, virei um elétron apenas, e um elétron pode fazer o que quiser e se transformar no que quiser, então eu virei pasta subatômica e meu átomo se dividiu em peças que se uniram à molécula alucinógena, eu sou a própria viagem, eu sou o meu princípio ativo, tudo me é permitido sob esta nova condição, onde nenhum humano jamais ousou entrar, no fundo de uma pintura com sede e delírios.

A Persistência da Memória é visionária, a pasta subatômica não era humana, Mister X não tinha mais crânio ou carne, sua viagem no tempo se tornou possível por ser este partícula e onda, foi ao céu e saiu do outro lado da existência, ele continuou e se fascinou com seu passeio pela pintura de Dalí, nunca mais seria o mesmo, em todo o percurso vinham imagens e sons diversos, tudo num caldo sinestésico de música psicodélica, a miragem era seu sonho e torpor, seu surto era ter se tornado um estranho ser inumano, geleia do tempo elástico de Einstein, ele já não era alguém, a dissociação de seu ego derreteu seu superego e ele era um bicho freudiano chamado ID, mas era um anti-ente subatômico, incompreensível para a inteligência humana, seu destino de pasta o levava para ver o sentido do tempo fora de seu curso normal, pois havia cronos e kairós, mas agora Mister X estava no que na mitologia grega chamam de Tártaro, um ser nada que apenas flutua, e logo se encontra com Tânatos, é o mundo louco da titanomaquia, Mister X nunca poderia voltar a ter um corpo e alinhar a sua mente liquefeita com os velhos relógios de cronos, nem ter a sua psique submetida a kairós, não havia mais realidade, o surrealismo de sua anticondição de um anti-ente nos leva ao mundo escuro da anti-matéria, mas não no universo, mas dentro da pintura, e sob efeito de LSD, nada mais complexo. Mister X não sabia mais de nada.

Qual seria o seu fim? Tânatos? Ou dissolver-se no mar da ilusão subatômica? Qual seria o antídoto para Mister X voltar ao normal? Sua imaginação o levara longe, e não havia mais vestígio do que tivera sido, a persistência de sua memória, neste caso, revelava um passado desconhecido para ele mesmo. O que ele lembrava parecia pertencer ao inconsciente coletivo e não ao seu suposto eu. Ele não tinha mais eu, era um elétron, ainda pensava, mas era surreal, inumano, terrível, temerário. Ele se arrepende e pede perdão a Deus. Mas Deus não revela o segredo do que é o tempo, pois nem Einstein o tinha decifrado, pois nem cronos e nem kairós teriam solução para o enigma, o que restava era a morte das perguntas em Tânatos e no vazio Tártaro, que não é o inferno cristão, onde ainda se tem pessoa e tempo, não é mais do tempo que se trata a pintura de Salvador Dalí e a viagem de LSD de Mister X, tudo se torna alegórico neste surrealismo pagão, Mister X era uma experiência que termina num anti-tempo indecifrável, Mister X nunca mais voltou de seu delírio subatômico, virou pasta e se perdeu no infinito paralelo de uma pintura de Dalí, e não terá sido em vão. Sua nova morada era a arte, e na arte podemos ser o que quisermos, não haveria porque voltar, portanto.



13/03/2011 Contos Psicodélicos

(Gustavo Bastos)