PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

MEIO AMBIENTE - PARTE V

“é uma lei que vai na contramão da pauta climática e socioambiental”

O Marco Temporal se estabeleceu como conceito no caso do processo da posse do território do povo Xokleng, de Santa Catarina. Trata-se de uma ação de reintegração de posse movida em 2009 pelo governo de Santa Catarina da terra indígena Ibirama-Laklãnõ, que em 2003 foi declarada como pertencente aos povos Guarani e Kaingang. 

O governo catarinense teve ganho de causa nas instâncias inferiores e agora a Funai (Fundação Nacional do Índio) contesta estas decisões no STF (Supremo Tribunal Federal). Por sua vez, a tese do Marco Temporal teve seu primeiro embate em 2009 no caso de Raposa Serra do Sol, em Roraima, e o Supremo determinou a demarcação contínua da Terra Indígena e a retirada da população não indígena. 

A tese que tenta derrubar o Marco Temporal, além do aspecto técnico da inconstitucionalidade, relacionado ao conceito de ocupação dada pela tradição, de vínculo cultural e ancestral, não sendo possível estabelecer uma temporalidade, o que seria uma invenção, é que estes territórios preservam a memória e as práticas coletivas desses povos.

Os povos indígenas mantêm uma relação não hierárquica com a flora e a fauna, num sentido existencial de complementaridade, o que constitui a cosmovisão da maioria desses povos. Portanto, a aprovação do Marco Temporal colocaria sob ameaça não somente a vida material e física desses povos, como este aspecto simbólico e de memória cultural. 

Neste quesito de preservação material e simbólica dos povos originários, países como Bolívia e Equador estão muito mais avançados, onde foram constituídas, por exemplo, constituições baseadas no conceito de bem viver. 

O governo brasileiro, por sua vez, terá de provar que uma das pautas (a defesa dos povos originários) que o elegeu será de fato mantida, e que a criação do Ministério dos Povos Originários não fique apenas como algo fruto de uma narrativa sem efetividade na vida real dos povos indígenas. 

A votação do projeto de lei para estabelecer o Marco Temporal pode ser encarado como um teatro para as redes sociais, pois sua aprovação não teria efeito jurídico, uma vez que um projeto de lei não pode efetuar mudanças constitucionais, sendo mantida a inconstitucionalidade de seu escopo. 

O fato é que só uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) pode efetivar o Marco Temporal como regramento jurídico. Por outro lado, também levantaram a necessidade do Marco Temporal, primeiro, ter sido debatido na CMA (Comissão do Meio Ambiente) e CDH (Comissão dos Direitos Humanos).

A derrubada dos vetos presidenciais, na sessão conjunta do Legislativo, terá de se dar por maioria absoluta, o que envolve 257 votos dos deputados e 41 dos senadores, e se for aprovado o Marco Temporal como projeto de lei, este será judicializado até chegar novamente ao Supremo. 

No caso de uma disputa entre Legislativo e Supremo, por se tratar ainda de um projeto de lei e não de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), deverá prevalecer o entendimento jurídico da inconstitucionalidade, se assim o Supremo decidir em decisão colegiada por maioria absoluta, pois aqui irá se impor o Supremo como a Corte de controle constitucional. 

A sessão conjunta do Congresso para a derrubada ou não dos vetos presidenciais foi adiada agora pela segunda vez. Primeiro se adiou a data do dia 9 de novembro e agora foi adiada novamente a sessão, desta vez estando agendada quinta-feira dia 23 de novembro. O agendamento para o dia 30 de novembro também foi adiado por falta de quórum.

O dia 23 foi adiado por falta de consenso entre lideranças do Senado de quais vetos seriam derrubados. No dia 9, primeiro adiamento, a apreciação dos vetos deu lugar à votação que destinou R$15 bilhões para compensação da desoneração dos combustíveis ocorrido no governo Bolsonaro para Estados e Municípios.

Estes adiamentos foram comemorados pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), sendo que pode ter sido por pressão dos indígenas sobre os parlamentares e pela proximidade da COP 28, que agora já começou em Dubai, nos Emirados Árabes.

Os ruralistas, que querem derrubar os vetos, recuaram momentaneamente por temer repercussão negativa a votação de uma lei anti ambiental nas vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. 

O Marco Temporal, visto estes adiamentos, é uma lei que vai na contramão da pauta climática e socioambiental. Por sua vez, a inconstitucionalidade do projeto de lei, além de ter sido declarado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), tem a mesma avaliação por parte do MPF (Ministério Público Federal), incluindo também organizações indígenas, de direitos humanos e os indigenistas. 

A insistência, contudo, dos ruralistas nesta tese inconstitucional, por conseguinte, visa a anexação de territórios pertencentes aos povos originários. Se o Legislativo restituir a integralidade do projeto de lei do Marco Temporal, diversas organizações, incluindo a Apib, poderão entrar com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). 

Tais retrocessos (derrubada dos vetos) poderão ficar valendo até a decisão final, só podendo ser derrubados por medidas cautelares do Supremo. E no caso da PEC (Proposta de Emenda à Constituição), já existe uma proposta protocolada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR), caso o Supremo conclua novamente pela inconstitucionalidade do projeto de lei.

Por sua vez, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse na segunda-feira, dia 27 de novembro passado, que a apreciação dos vetos presidenciais, que foi marcado para o dia 30, ficou para a próxima semana, devido à missão oficial para a COP-28 nos Emirados Árabes.

Contudo, com a realização da COP-28 em andamento, a data da sessão conjunta ficou para o dia 7 de dezembro, nesta quinta, mas ainda poderá ser adiada para o dia 14, com a votação de outros vetos também. 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog : http://poesiaeconhecimento.blogspot.com  




domingo, 3 de dezembro de 2023

LORDS OF CHAOS – A SANGRENTA HISTÓRIA DO METAL SATÂNICO UNDERGROUND – PARTE XIII

“Varg admite que estava de saco cheio de Oystein”


Segundo Varg Vikernes, em relação a queima de igrejas, Euronymous (Oysten) era apenas um falador. Tirava onda de que “nós” queimamos outra igreja etc., e na verdade “seu único crime que eu sei que ele já cometeu foi um roubo, um arrombamento de uma igreja”. E o que o Conde Grishnackh (Varg) falava, segundo o próprio, Oystein (Euronymous) repetia para a repercussão geral na cena black metal da Noruega. Portanto, para Varg Vikernes, “Ele era falador, e a gente zoava sobre ele ser a ‘boca de Grishnackh’.

Quando perguntado sobre os outros da cena, se eles antipatizavam com Oystein, Varg diz : “O Darkthrone percebeu o babaca que ele era. Eles não queriam nenhuma relação com ele. O Fenriz gostava do Oystein, mas os outros caras odiavam ele. Com toda a certeza. Eles amaldiçoavam ele em rituais - eles eram satanistas.” A razão deste ódio, segundo Varg, era a de que Oystein passava uma imagem falsa de si mesmo, que mentia e que era um parasita. E Varg conclui : “E também, ele era meio lapão, um sámi, então isso era um bônus. Bastardo!”.

Além disso, Varg alega a desonestidade de Oystein, que se aproveitava das pessoas, e no caso de Varg : “Eu recebi encomendas de pré-venda pro miniálbum Aske, e como eu estava na prisão na época eu só repassei as encomendas pra ele, pra ele poder cuidar delas. Ele só pegou todo o dinheiro e não enviou sequer um único álbum.” 

Varg admite que estava de saco cheio de Oystein, que ele ligava querendo ir para Bergen, se podia ficar na casa de Varg, e ele recusava. Mas o motivo da morte de Oystein, e que Varg irá repetir sempre é que ele matou Oystein (Euronymous) porque este tentou matá-lo. E que antes do acontecimento Oystein já tinha falado disso com Samoth (Emperor) e pra algumas pessoas, sendo que uma dessas pessoas ligou para Varg o avisando de que Oystein planejava matá-lo. 

O que aconteceu depois é que Varg foi até a casa de Oystein às três da manhã e, segundo Varg, Oystein entrou em pânico e o atacou. Deu um chute no seu peito, e Varg o empurrou no chão. Então Oystein correu pra pegar uma faca na cozinha. Aí Varg sacou a sua própria faca. Antes que Oystein conseguisse pegar uma faca, levou uma facada de Varg. Aí Oystein tentou ir a seu quarto para pegar uma espingarda, a arma que o Dead tinha usado para se suicidar. De repente, Oystein correu para fora e começou a gritar por socorro e tocar as campainhas dos vizinhos. Aí Varg foi e o matou. 

Varg também alegou que ficou sabendo de um plano de Oystein de que este planejava atirar em Varg, usar sua arma de choque nele, amarrá-lo e torturá-lo até a morte. Varg então disse que ao invés de fugir, decidiu ir até a casa de Oystein. Por outro lado, Varg afirma que não planejou a morte de Oystein, que tudo aconteceu naquele momento. 

Na entrevista em Lords Of Chaos, contudo, o entrevistador é categórico quanto ao que rolava : “A história ‘oficial’ é que você planejou o assasinato - criando um álibi ao alugar um filme que você supostamente tinha assistido naquela noite em Bergen, pedindo para um amigo fazer um saque em um caixa eletrônico com seu cartão enquanto você estivesse em Oslo, e por aí vai, pra parecer que você nunca tinha saído de Bergen.”

Varg nega, de diz que portava luvas militares de tiro no bolso, e que se fosse o caso de premeditar algo, com certeza, teria calçado as luvas. Ele insiste, então, mais uma vez, que ele reagiu a um ataque de Oystein e que, portanto, não teria como ter planejado o assasinato dele. Varg disse que a condenação está errada. E que os vizinhos mentem dizendo que foram dadas vinte e três ou vinte e quatro facadas. Varg, segundo o próprio, correu atrás de Oystein, dando quatro ou cinco facadas. A primeira foi no peito. E como Oystein tentava fugir o tempo todo, também levou facada pelas costas. 

Segundo Varg, a seguir : “Ele quebrou uma lâmpada na escadaria durante a perseguição e caiu de costas nos cacos de vidro, o que é claro, causou várias feridas, que eles disseram ter sido cortes de faca. Ele também estava com pedaços de vidro na sola do pé, porque ele caiu e se levantou em seguida. A autópsia foi uma merda. Eles disseram que ele morreu de hemorragia. A verdade é que ele morreu por causa de uma facada na cabeça. Ele morreu instantaneamente. Bam! ele estava morto. Direto no crânio. Eu inclusive tive que puxar a faca pra fora. Ela ficou presa no crânio e eu tive que forçar ela pra tirar, ele estava preso nela - e aí ele rolou escada abaixo. Eu acertei ele direto no crânio, e os olhos dele fizeram boing! e ele estava morto.”

Segundo testemunho, contudo, e que municiou a versão oficial, é a de que Varg teve dois cúmplices e que o assassinato de Aarseth foi premeditado. Os cúmplices, por sua vez, foram Snorre Westvold Ruch, de 21 anos, também conhecido como “Blackthorne”, membro da banda de Bard Eithun, Thorns. Este foi até Oslo com Varg. E o outro, um amigo de Bergen, ficou por lá, para que fosse feito o álibi. Na pressa, contudo, Varg entregou o cartão errado, e o tal saque não pode ser realizado. Em Oslo, também, Varg levava um contrato que liberaria o material do Burzum do selo de Aarseth, DSP. A entrega do contrato também significava para Varg que ele nunca mais precisaria manter contato com Oystein.

Varg diz que só foi preso pelo fato de ter sido delatado. Varg diz : “A primeira coisa que aconteceu foi que eu fui preso depois que um cara me caguetou, Snorre. Ele é um zé-ninguém, um perdedor. Um cara doente e frágil. (...) É claro que na hora que um cara morre, aí todo mundo diz que era amigo dele. Ninguém conhecia o Dead, ninguém tinha nem ouvido falar dele, mas depois que ele morreu ele vira legal. Isso é típico. 

Aí eles começaram a prender outros, porque uma vadia idiota da Romênia, uma suposta sueca chamada Ilsa, confessou que o Bard tinha matado um cara, exatamente o que ele tinha contado para ela. Ele foi preso. É claro que eles não tinham provas, mas ele admitiu tudo. (...) Aí a coisa chegou no próximo cara, e no próximo cara, até que tudo foi revelado. É típico, esse pessoal sem importância acha que pode se tornar importante assim, caguetando uns aos outros. Então eles fizeram isso. E é claro que eu era o grande vilão.”  

A versão de Snorre é outra, a tese dele é a seguinte : “Uma coisa é que ele tinha inveja do Bard, porque o Bard havia matado um homem. Varg não tinha feito isso. Varg dizia que o que o Bard tinha feito não era tão legal, mas dentro da cena as ações do Bard impunham respeito. “O Bard só matou um viado idiota, não é nada para se gabar”,o Vikernes pensava. Se gabar por ter matado alguém é uma coisa bem extrema de se fazer. O Conde dizia que matar alguém não era nada demais.” E se perguntou a Snorre se havia outra razão, no que ele respondeu : “E também era que ele não gostava muito do Oystein. Mas os boatos de ter acontecido por ele ser comunista ou homossexual não tem nada a ver.”

No livro Lords of Chaos, a conclusão sobre a entrevista de Snorre, como de sua figura como um todo é bem crítica. Aqui o livro sustenta que o que Snorre contou no tribunal, numa posição ambivalente na participação do crime de Varg são cobertos por comentários questionáveis na entrevista dada. A partir de sua observação do assasinato, pode se constatar essa impressão, pois, em suas palavras : “eu não era nem a favor, nem contra. Eu não me importava com o Oystein, eu não tinha nada a ver com ele”. 

Mais uma vez aqui Snorre se contradiz, pois ele havia se juntado ao Mayhem como um segundo guitarrista pouco tempo antes do assasinato. Portanto, fica difícil aceitar a tese de que Snorre não deu a mínima para o assassinato do fundador da banda onde ele estava, ficando mais difícil ainda ao se saber a posição do Mayhem no underground. Snorre, segundo o livro, tinha também um histórico de problemas mentais, podendo ser que fosse “obtuso demais para entender exatamente no que ele estava se envolvendo”.

Por sua vez, quando se pergunta de Snorre, se ele morava em Bergen, Varg responde : “Ele estava morando no meu apartamento por um tempo. Ele era um amigo em comum nosso; o melhor amigo de Oystein - meu pior amigo! Mas eu não estou culpando os outros, porque eu que sou burro de ter socializado com uns idiotas desses. Eu devia ser muito burro pra não perceber que esses caras eram só uns perdedores. A única burrice que eu fiz e a única coisa que eu me arrependo, é de não ter matado (Snorre) também. Se eu tivesse matado ele também, minha pena não aumentaria caso eu fosse pego e, em segundo lugar, eu não teria sido pego. É disso que eu me arrependo.”

Em seguida, tem a entrevista de Hellhammer, e vem a pergunta : “O guitarrista do Mayhem se envolveu diretamente no assassinato de Euronymous? R : O Varg e o Blackthorn estavam morando em Bergen, a umas sete horas de carro de Oslo. O plano era que eles iriam matá-lo. Então ele participou do assassinato, mas ele não esfaqueou ele, só ficou em pé vendo.” Segue-se a pergunta : “Você não parece muito abalado com isso. R : Não. Você não era próximo ao Euronymous? R : Bom, eu gostava muito dele, mas o fato de ele ser comunista me ofendia. O Euronymous queria ser a pessoa mais extrema, e ele achava que o comunismo era muito extremo, com as coisas da Rússia soviética, sabe? Mas depois de um tempo, uns anos, ele descobriu que o comunismo era uma merda. Ele percebeu isso e passou a se dizer fascista, mas eu não sei. Ele era um comunista, infelizmente”.  

Aqui se revela a fácil adesão ideológica de membros do “inner circle”, evidenciando o fato de que quando houve tais eventos na Noruega, a cena era dominada por músicos ainda bastante jovens. A suscetibilidade do ego de Varg, o seu empreendimento de reduzir moralmente a figura de Euronymous, após a sua condenação (o que vem a calhar, pois, querendo ou não, Oystein tinha sido importante para toda a cena que surgira na Noruega), tudo pode cair numa caricatura deste tipo de necessidade de pertencer a um grupo, próprio da juventude. E neste caso, tudo culminou numa espécie de competição macabra para ver quem era o mais “malvadão”, chegando ao ponto de uma eleição suposta de Bard Eithun, para depois toda a cena norueguesa sucumbir ao escândalo do assassinato de Euronymous, envolvendo outra figura da cena, Varg Vikernes.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/lords-of-chaos-a-sangrenta-historia-do-metal-satanico-underground-parte-xiii