PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 23 de dezembro de 2012

ENTORPECIDOS PELO SONHO AMERICANO


“Medo e Delírio é o coração do Sonho Americano pulsando no perigo e na adrenalina.”

   Li o livro “Medo e Delírio em Las Vegas” (uma jornada selvagem ao coração do sonho americano) de Hunter S.Thompson e logo em seguida assisti ao filme de 1998 baseado no livro. Gostei de ambos. Tanto o livro como o filme retratam bem uma época pós-hippie, o ano era 1971.
   Como quem leu o livro sabe, os fatos relatados são reais, não sei se um pouco romantizados, acho que não, apesar do recurso metafórico, em certas passagens, para descrever as viagens de drogas que os dois principais personagens do livro têm durante o decurso da história. Viagens que vão de haxixe, mescalina e LSD até éter e adrenocromo. Meus caros, Hunter S.Thompson, criador da narrativa de estilo transgressor e revolucionário batizada de jornalismo gonzo, era o que podemos chamar de um típico “doidão”.
   Hunter é nomeado para fazer uma cobertura jornalística em Las Vegas de uma corrida de motocicletas, a Mint 400. E, como se vê ao começarmos a ler o livro ou a ver o filme, Hunter não é um jornalista padrão, seus métodos de trabalho vão logo se mostrar heterodoxos ao extremo. A viagem a Vegas vai se transformar numa épica de drogas e viagens alucinadas e circunstâncias bizarras e engraçadas, para não falar perigosas. Hunter e seu advogado de “raça samoana” vão se aventurar na estrada. Alugam o Grande Tubarão Vermelho, um imenso conversível vermelho da Chevrolet. Aí começa a aventura gonzo rumo a Las Vegas a 160 Km/h no deserto.
   Eles seguem rumo ao Sonho Americano, dentro do conversível um arsenal de drogas e bebidas, ... One toke over the line ... era o itinerário que eles seguiriam para ver se era tudo verdade, se enfim conheceriam o Sonho Americano. Ao som de “Sympathy for the Devil” no último volume eles dão carona a um garoto que encontram na estrada no meio do deserto, logo começa a piração, Hunter rememora como recebeu a incumbência de cobrir aquela matéria, como pegou o conversível e juntou as drogas para levar na viagem, mas depois de umas loucuras, como uma viagem de morcegos voando em volta dali, o garoto se assustou e saiu do conversível, ficou no meio do deserto, ali era encrenca, pensaram Hunter e o advogado, mas seguiram adiante.
   Enfim, Hunter e seu advogado chegam ao hotel Mint, Hunter chega até a recepcionista, completamente transtornado, e se intitula Raoul Duke, o advogado contorna a situação com a recepcionista. Hunter estava louco de ácido, logo começa a viajar com lagartos e poças de sangue, um zoológico de répteis. Eles vão para o quarto. Logo depois vão, então, para o evento do Mint 400, e a cabeça do advogado de Hunter cheia de éter e ácido. Finalmente, porém, Hunter vai cobrir a matéria. Era a quarta edição anual da Mint 400. Logo em seguida saem as motos, de dez em dez, e somem numa nuvem de poeira. Depois os dois vão a um cassino atrás do “Sonho Americano”. Quando volta ao quarto do hotel, Hunter vê seu advogado na banheira, submerso em água verde. Ao lado da banheira, um rádio ligado na tomada. Hunter logo percebe que seu advogado tinha mastigado uma folha de ácido inteira, e no rádio estava a fita de Surrealistic Pillow da banda Jefferson Airplane, o advogado surta e pede White Rabbit, era uma viagem suicida, seu advogado queria novamente White Rabbit, e no clímax em que o coelho corta a própria cabeça queria que Hunter jogasse o rádio dentro da banheira, Hunter fingiu jogar o rádio e atirou uma laranja na banheira como uma bala de canhão, seu advogado começou a berrar enlouquecido, mas Hunter, a esta altura, já tinha tirado o rádio da tomada e colocado pilhas.
   Depois, a imprensa demanda nova tarefa a Hunter, cobrir a conferência nacional dos promotores públicos num seminário de quatro dias sobre entorpecentes e drogas perigosas. Era uma matéria para a revista Rolling Stone. Um jornalista gonzo numa conferência misturado com mil policiais de todos os cantos dos Estados Unidos para discutir sobre o problema das drogas, dessa vez num Cadillac branco ao invés do Grande Tubarão Vermelho. “Se os Porcos estavam se reunindo em Las Vegas para uma importante Conferência sobre Drogas, nada mais justo que a cultura das drogas mandasse representantes.” Disse Hunter.
   Hunter volta ao quarto do hotel e encontra seu advogado nu com uma menina que parecia bem nova e fica irado, o nome da garota era Lucy e estava cheia de pinturas do rosto de Barbra Streisand, levam ela para o aeroporto louca de ácido e mandam ela para o hotel Americana.
   Os dois vão à suíte do hotel em que estavam para a conferência, e aí começa a maior viagem, “Extrato de pineal”, Hunter toma adrenocromo (as glândulas de adrenalina de um corpo humano vivo) e logo depois começa a ter uma viagem alucinógena ouvindo a voz de Nixon na TV repetindo a palavra “sacrifício”. No dia seguinte, os dois vão à conferência sobre drogas trabalhar. Depois de ouvir um punhado de asneiras sobre drogas das autoridades, os dois ficam de saco cheio, deixam a conferência e descem para o cassino.
   Mais alguns percalços e tudo termina. Hunter conclui a sua jornada atrás do Sonho Americano, mas não chega a conclusões definitivas, a busca continua, Hunter passou seu tempo em loucuras com drogas para talvez ter a percepção do que seria o Sonho Americano, mas no caminho o que conta são os percalços, e a aventura. Não podemos levar uma vida comum, a vida tem que ser extrema, como extrema é esta narrativa gonzo de Medo e Delírio, um registro que é mais do que drogas e piração, é o coração do Sonho Americano pulsando no perigo e na adrenalina. Comparando o livro com o filme, sinto que o filme levou isto mais para o lado do humor ou da comédia, com os excelentes Johnny Depp e Benito Del Toro, mas o livro é mais visceral, sem dúvida, e um conselho: por favor, leiam o livro antes de ver o filme.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=4172&secao=14
   

   

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

DEVIR DO CORAÇÃO DESPERTO

Eu ouvi a matéria em sonho, com o espírito roxo de ar desesperado, eu vi a morte alucinada como decapitação de sondas em meu estômago. Na era de tudo já era, eu esqueci o lago, eu fui néscio na hora do amor, um corrente acorrentado, vi a pirâmide do holocausto em Cuzco, dos astecas vi o sacrifício, Tenochtitlán rimava com Vietnã em meu delírio. Na capa de morte nua eu sentia um arroto na nuvem e o cerne das especulações com a filosofia dando frêmitos em avessos de poesia, nada veria mais que ritmo intempéries a nota fria do karma condor na nódoa do deva que subia, o demônio azul era Totem, uma fúria e um avatar na senda soada ao término da sessão, Freud indagava o tema inóspito do quadro, ele não entendia a maçã, ele me propôs um jogo de xadrez, eu falava de celibato e de fumar maconha em Katmandu, amarrar os bagos, deixar a barba e os cabelos crescerem, Freud não entendia, nunca entenderia. Eu olhei outra vez a fórmula, nela botava elencos infinitos de comédia, Moliére com tonalidade de Artaud, Chaplin numa luta de antevisões, na noite via Hitchcock, a flor do abismo, Grace Kelly, a faca do suspense, o homem ERA  a sua própria mãe, um festim diabólico em vertigem, não cantaria na chuva com Gene Kelly por muito tempo, Pavlov veio com a sua máquina de fazer zumbis, não era a estrada que importava, mas o homem em seu motor previsível, tudo que estava fora da fórmula (deles) era anomalia, e não havia soluções ad hoc, só um prato de acordes dissonantes, a dissonância era térmica, a febre de convulsão, eu via o amor e fogo, fogo do Gólgota, via Jonas, via Elias sabendo do céu, eu entendia de cretinos amando suas sombras, eu via as sombras encantadas da dor de eternidade convalescente, donde se tem verso de Keats, verso de Byron, afogamento de Percy Shelley, o barco embriagado, passei impassível por rios risíveis, entornei a cerveja no túmulo de um alcoólatra, eu perdi o rumo, não perdi, perdi, não perdi, descobri, chorei, lamentei, não lamentei, lamentei, não lamentei, eu gritei, eu fui sedado, fui atenazado, um bom arrazoado, um doesto, uma compaixão, uma brutalidade, um doberman, não, dois rotveillers, não, dois dobermans, não, a placa de contramão, não, a flor mística, isso não é amor, é um dinossauro, que século de mãos! Nunca terei a minha mão, a domesticidade, um pão com café, você é linda, eu era tu és meu, eu sou tua és minha, não, eu quero quero pássaro, terror, comédia, eu som e fúria, aloprados, leão-marinho, tubarões, baleias, eu quase fui atropelado por uma moto depois de ser quase assassinado, depois nada, eu tinha dores, ninguém se importava, eu tinha dores, eu era o nada, não era nada, toma uma injeção de adrenalina que passa, passa nada, eles passarão, eu passeata. Nota de novo, não há nada no horizonte, veja só, um poeta e sua consorte, que sorte, olha a paisagem, não é nada, nada há nesta terra de ninguém, não somos a grande inteligência, não somos inteligentes, não temos o controle do universo, um asteroide e tudo acaba, um asterisco e tudo é risco, eu morro, você também, eu corro, você não, você dorme, a vigília é para poucos, não há soco na noite dos ratos, há vinho e porrada, a paixão revoltada, não sou eu! A paixão jovem muda surda cega. Lota o show, eu chuto o ar, eu grito pelo ar, um velhinho me recolhe, eu estava indigente, diga agora qual é o teu sonho amor meu que és tua minha eu tu teu sou, não tem paisagem, tem estrada, vamos à estrada, não leva a nada, só diversão, só happinessssss ..... quantas lágrimas? quantas loucuras no caderno? Ore por Deus, ele não sabe o que faz. Não chore por mim nesta noite, eu sou alegre, ser alegre é melhor do que ser triste, veja o horizonte, não leva a nada, não tem nada, só diversão, happiness? Só doce, a vida é doce, vamos tomar heroína, vamos dançar hero, look! A moda da caverna, eu citava Platão numa rave, eu catapultava os sonhos de ecstasy, eu entendia todos, era a fuga, era centauro, era o dia amanhecendo, as gostosas não me davam mole, um cara caía de tanto esteroide e lança-perfume, hoje tenho o olho de shiva, charada, orbital, tudo na minha mente louca, eu tenho um chevrolet velho que já saiu pela noite linda, você é linda, no meu chevrolet pra ver de qual é, pra noite de sumo sacerdote do rock and roll, para ouvir Hendrix no volume máximo e totalmente caretas! Vamos por aí, não leva a nada, só diversão, happi ............. nesssssss ...... é verão, relaxa que tem tempo, somos ilusão, não leva a nada, vou ao Cairo cair em Goa, vou ver-ouvir trance a noite toda, a vida é doce, tem tempo que não nos falamos, a vida é doce, você é linda, não leva a nada, tudo eu gosto, notas musicais, livros de filosofia, Neruda e Lorca de um lado, João Cabral e Ferreira Gullar de outro. Ainda não tenho aquele disco do The Doors, Waiting for the sun? Strange Days? Eu gosto muito de Axis Bold as Love, Band of Gypsys é totalidade, Janis é soluço, Cream é LSD, eu espero o sol, vou pintar a lua de sol, o sol nascerá na lua e a terra é azul, não importa, não pega nada, não leva a nada, a vida é assim, caos, anarquia, poluída, eu quero o instante, tenho que estudar Budismo, passo por Thimpu, por Lhasa, desço ao Ganges, vou me banhar com Krishna, sabe-se lá o samadi, Bhagavad-Gita Mahabarata, avatares, tudo pelos ares. Quando o sol vier, diga amém, tudo passa passa vem volta corre desmaia morre vive grita silencia tudo é mais tudo é menos quanto mais menos assim passado presente e futuro se juntam no caleidoscópio, a luz entra no prisma, é o fim, é o começo, eterno retorno, devir, vejo Tantra, danço samba, dou cem mil voltas e venho de guerra longa, assim é a vida, poesia flui porque quer, Heráclito sabe de tudo, sou um rio dentro de uma bacia chamada universo.

10/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

domingo, 9 de dezembro de 2012

O CHEIRO DO RALO DE MUTARELLI

   Lourenço Mutarelli, escritor brasileiro contemporâneo, não começou sua carreira no ramo da literatura, mas sim como quadrinista, chegando a trabalhar com Maurício de Souza. Depois, já na década de 80, tentou publicar suas estórias em quadrinhos sem muito sucesso, pois a estranheza do que ele fazia não foi muito compreendida no início, mas Mutarelli se tornou, com o tempo, reconhecido, mesmo que num nível "underground", o que também caracterizaria seus romances, e é disso que vou falar aqui, mais especificamente de O Cheiro do Ralo, que foi uma obra muito bem sucedida e que ganhou até uma versão no cinema com a direção de Heitor Dhalia e tendo o consagrado ator Selton Mello como protagonista, o qual encarnou o narrador e personagem principal do livro de Mutarelli, e que no filme recebe o nome de Lourenço em homenagem ao escritor de O Cheiro do Ralo, personagem e narrador  que, no livro, na verdade não tem nome.
   O tom urbanoide em um misto de escrita descompromissada e niilista, numa forma que parece tosca, mas que cria o efeito desejado de um mundo niilista, niilismo que vem junto com o narrador e personagem principal, sobretudo no amor e na sua ideia de que "não gostava de ninguém", reflete na frieza de seu trabalho, onde a especulação de valores de quinquilharias vira um jogo que vai permear todo o romance, numa narração reta, limpa e sem preciosismos, ou seja, numa narração simples e nenhum pouco afetada.
   Mutarelli mostra um mundo da cidade, um mundo de solidão e de pessoas desesperadas, desespero que acaba por bater à porta do narrador no seu trabalho de compras e vendas de objetos usados na sua loja, o niilismo percorre todo este clima urbano que culmina na total falta de vínculos do personagem e narrador, ausência de sentimentos que vai nortear a sua relação com as pessoas no romance, principalmente com aquelas que vão à sua loja tentar vender alguma coisa, o que vai da manipulação ao senso de objetividade fria entre os valores dos produtos, tudo se torna um jogo frio em que a vantagem está na maioria das vezes com o narrador. E a narrativa de Mutarelli neste romance é fragmentada, orações coordenadas em sua maioria, uma narrativa que lembra uma fala de cortes, sem compromisso com a "garnde literatura", e é o que faz deste romance um livro de fácil leitura e que reflete muito bem todo o vazio contemporâneo, como se vê nas noites em que o narrador liga a sua TV e zapeia os canais em busca do nada, em busca de satisfação para o tédio urbano e para a sua solidão em uma cidade de fantasmas.
   E os fantasmas vão povoar a loja, uma sucessão de pessoas que vão à loja do narrador, e a justificativa do título O Cheiro do Ralo, que é o cheiro de merda que sai do ralo do banheiro da loja do narrador, cheiro que será uma espécie de enigma que vai levar o narrador a uma especulação de sua condição, cheiro do ralo que é o cheiro dele, como dirá um homem que lhe tenta vender um violino. Ou a sua obsessão com a bunda de uma garçonete numa lanchonete, que ele só frequenta para ver esta bunda, e ele reflete profundamente sobre esta bunda, come seu hamburger e traz um livro, a garçonete pergunta qual é o livro, isso se repete algumas vezes em alguns dias, a garçonete diz que lê a revista dos Astros, o narrador começa a fazer livres associações, numa trama que começa a se tornar psicológica, mas sem psicologismos, apenas em termo especulativo, o narrador associa a bunda com o ralo, o narrador liga a sua obsessão pela bunda da garçonete com a sua obrigação de comer hamburgeres só para ver esta bunda. Ele então tem que ir ao banheiro fazer suas necessidades, o cheiro do ralo está lá, cheiro de merda, cheiro da sua merda, o narrador diz ao encanador que vai lá ver o ralo que este é o portal do inferno, não há saída, o destino do narrador está entre a bunda da garçonete e o cheiro do ralo.
   Mutarelli propõe o enigma do cheiro do ralo, o narrador está vinculado ao cheiro do ralo, o narrador está obcecado pela bunda da garçonete, então é o que se entende do narrador, seus vínculos são estes, não há sentimento, a garçonete quer sair com ele, ela o faria ver a bunda sem pedir nada em troca, o narrador oferece dinheiro para ver a bunda, a garçonete se irrita, depois tudo se resolve, ele vê a bunda. A alegoria da visão no livro está muito bem retratada, o narrador carrega um olho, ele leva este olho para ver várias coisas, ele mente que é o olho de seu pai que morreu na Segunda Guerra. Agora o clímax está em jogo, e o jogo fica perigoso, o narrador terá um fim trágico. Uma mulher feia que tinha sido despida por consequência do narrador em sua loja, volta e lhe dá tiros. Ele termina a sua narrativa. Rosebud, a bunda. "Beijaria a bunda, como se fosse a única" ele diz. A tragédia, talvez seja este o sentido do niilismo, o cheiro de merda, o ralo é só o portal do inferno, o narrador morre, está tudo acabado. "A vida é dura" (Frase repetida no livro).
   "A bunda era o contraponto do ralo. Esse ralo eu mesmo dei vida. Esse ralo é para onde projetei o escuro que sou. Esse ralo é o que lhe emprestei. O ralo e a bunda, dois extremos. Dois buracos extremos. Um leva ao interno do ser, outro ao interno do mundo." (O Cheiro do Ralo, página 170, Editora Companhia das Letras, Lourenço Mutarelli)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

   
  
   Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=3909&secao=14

HINO DA SALVAÇÃO

O banquete sobrou de uma via esquecida,
era tempo em discórdia com flor azulada,
febre manchada pelo tempo malquisto,
pelo tempo manchado o poema escrito.

Os dias passaram na pena armada,
na flauta do drama dos comediógrafos,
na conquista do nada em fundo celeste,
com ardis de comarca pela lei furtada,
e os sinos vingaram o leme
com sal de sol em minha arfada,
lua negra de dor desalmada,
plêiade ofuscada em mar de esmeralda.

O mar estava alto,
como um contralto,
como um lago,
como um rio amargo.

O mar revirou suas ondas
em meu corpo dócil,
a sutileza da noite abriu
os sete livros que diriam
estupefatos o segredo da alma,
uma alma de topázio
com frio e gotas de álcool,
uma embriaguez sonâmbula
com poeta e sangue
em flor de berilo
com finos toques
da turquesa azul,
com labor detalhista
de uma ode poeirenta.

Os sinais eram evidentes:
Morte. Loucura. Salvação.

Os sinais eram evidentes:
poema escrito, nascido,
suicidado vivo,
vivo como o sol depois do inferno,
vivo com luz de brio
nas ancas ondulantes
de outro corpo fêmea
que vingou o verso
no hino renascido.

03/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

VÉU NOTURNO

A carne misteriosa olhou a chama,
levou eras de dor e anarquia,
como miasma na flor romantizada.

Eu lembrei o sino vertical
das hostes enevoadas,
com mel de vinho em frio rúbido,
com fel liberto de corpo fustigado.

O anel balançava com flor de bruma,
um rimou com outro em veste muda,
um dançou com o outro em vinho de surra.

O céu alimentou o sonho redivivo
com harmonias celestiais como
anjos empenhando suas espadas,
com livros caindo das estantes
de uma dor eterna e fria,
com longitudes sem fim
do vestíbulo de uma caça matada.

A flor extraordinária dos campos hostis
nasceu como refugo de fome atormentada,
eu lia em seu crepúsculo um temor
de vigor emanado,
qual cão que ladrava
na noite que gritava
com o sal tonitruoso
dos corpos em risos
de canção embriagada.

O leme de tal nau despirocada
era terror se avizinhando
dos poetas de acinte ao sistema bruto,
com voz brutalizada e corpo seviciado
se conformava a força de um cometa,
de suas dores avultadas
saíam gramaturas e máquina azeitada,
de seus torpedos de alegria
uma ode espantada
com o sol rúbido
qual sangue de proscênio,
um sangue inoculado
nas trevas de comédia
com sorrisos e choros
deglutidos como um som único
de corpo luxurioso,
de fragor lúbrico
com estalos e gemidos
na ideia precípua
dos castelos em versos
que a alma ditou
no esmero da pena
qual luta já vencida.

Eu olhei a estrela de véu e grinalda,
e não era febre de poeta,
era a cor do poema
como luzidia poesia.

03/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

VELOCIDADE DO TEMPO


                           
   Os ossos contorcem de dor na esfera náutica dos meus espasmos, não sei o dia adventício das mortes totais, eu vejo o todo enfurnado em si mesmo como uma cloaca gigante em termos de História e sangue.
   Não sei o contorno da astúcia e os meandros do medo, eu vejo lancinado os horrores que surgem de um nada esférico de tempo e luxúria, eu controlo o tempo em suicídio, eu tenho o tempo de regozijo numa pátria morta de tanto amar a fúria, eu tenho gozo da máquina acidental de meus poemas, não consigo transpor a porta do infinito, não vejo em mistério o véu de Ísis como miragem de um ser absurdo e paralelo, navego na alma do tormento, navio fugido do esquecimento, parto nascido de antros pútridos de nababos e dançarinos.
   Vejo a época nua de teus maxilares, entro na noite como apaniguado do poder dos déspotas, faço a onda material na super sônica cor das astrais canções, livro o pecado de sua morte, livro o mercado de sua sorte, a economia dos solos de guitarra não devem se conter, é uma opulência de fardo de toda a viga de contemporaneidade, de toda virtude de ser avant-la-lettre, de ser vanguarda partida em fogo de amálgama, em ser flor de vultos negros na dura lição da constelação, não há nada que me segurar quando esburra o sangue na liberdade atômica de sua bomba, uma hidráulica de âmbar com soluços de vitória depois da morte penhorada ao susto de um assassino incompetente, de um frio na jugular da febre doente, de um vidro em minha carne procurando a minha veia aorta, e nada de sátrapas e vizirs na aleluia do folguedo de um préstito de volições de terror em vinho e pura aguardente.
   Na barca espantada dos vícios inominados, reinava Moloque em seu trono aparatado de Sodoma, lúbrico como a vida dionisíaca em tédio de orgias, não soçobrava o meu corpo e nem a minha alma, eu levitava incólume sobre a dor da mulher amada, e a viga do castelo rimava com frio e com nada, viciava em carne desnuda em temor de frutas e cristais desencontrados no labor que não ruminava nada mais senão o corte do pulso ao fim da noite.
   Eu vi a esmeralda no meu caminho como flor de lótus em toada de veloz e tórrida mansarda, não cheguei ao termo das danças noturnas em tom sincopado de respirações anárquicas, e a voz da noite não olhou vinho e tédio temerosos em minha maqúina de soluço na vigiada festa dos libertinos, a ciranda era mefistofélica, não havia outra senda para um Fausto com medo de belezas angelicais, o anjo não havia nascido de sangue de corcéis em tal noite abduzida de caos e febre amotinada.
   As bombas soltas na vilania da estrada não miravam o sentinela, mas ele morreu com o grito de vida na dor entrecortada, não restava nada de seu corpo naquela noite em que ele visitou o além, e os dias se passaram como rouxinóis cantantes na dor da estrada que levava ao nada, sua família chorou a guerra dos abismos em que todo o luto ressoava, não havia mistério em sua dor lembrada, tudo era o suor em sangue de sua roupa lavada, e o fim da noite se iluminava com o clarão de um avião em tour pela morte fetichizada.
   Os ardores do karma em que se ruminava a máquina não era dor de fúria rememorada, era cão e era nada, tudo jogado pela dor da estrada, a nau afundava, o rio castanho da flor de dezembro nascia suada, uma flor florida de flora destinada, um amor revivido de poeira e de cantata, concerto visceral com ametista em tom ritmado de poesia, nada de aleivosia, nada de histeria, uma luta simples com o silêncio da pena manifestada.
   Eu fui ao centro da terra lembrar de tudo que via na dor da estrada, eu trazia em meu paletó um diamante de cor matizada, de linda bruma secada, de luto pela rimada funesta dos meus karmas, um livro na maleta para a hora marcada, e um lema dentro dele para usar nas vigas de frio quando cair a noite gelada, eu não esperei cair a estrela para ver o sol de novo como poema vivo, eu caí na chuva com dor mordida de flor amaciada, eu caí no nada como poeta sem dinheiro para pagar meus cheques fantasmas, eu era o livro e a mansarda, eu era meus filhos como nota de lufada, o vento soprou na máquina atarefada, eu sentia com a certeza de um vulcão toda a luta manada de caos em minha alma, e acordava o animal furioso na contenda que ali surgia, eu tive o gosto de sangue em luta armada, eu eu vi que minha musa era a mais amada, por mim e pelo meu sabor de perigo.

03/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

domingo, 2 de dezembro de 2012

LUTA ARTÍSTICA

Das ancas da pedra polida,
dos átrios soturnos do pagode,
dos hinos sepulcrais de sua consorte,
o poeta abre o livro das escrituras,
vigia em vão os ritos legais,
uma flor nasce de seu peito árido,
flor de semblante maduro
de canto forte como a dor.

Eu leio o poema em rimas soltas,
a liberdade rumoreja
no correr do rio,
o espanto se fundamenta
com o uivo da arte deflorada,
uma ira e uma risada,
um fardo de raiva,
um atlas para ver
terras ignotas,
um pomo da discórdia
em vã terapia
de loucos.

A liberdade composta
na exaustão dos dramas
talha um homem vencedor,
e de sua pena de poeta
não há pena e nem dor,
reina o mistério
de sua sobrevida
como sangue e como horror.

02/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

CONJUGAÇÕES DA FORMA

A letra do poema
não corre tão rápida
quando se quer fria.

O corpo horizontal do verso
se enquadra vertical
na estrofe.

Mas uma metafísica deste corpo
se funda no expresso já dito,
eu digo do lodaçal e da sombra
o indizível que perscruta
a saga de minha pena.

A letra do poema revolve
o andor da máquina,
velhos putrefatos de hinos
já não se comprometem
com as rimas de um esteta,
nem com os floreios rútilos
da escrita espontânea.

O corpo enrijece na sua forma operativa
de poema frio e sem dor,
qual matiz de sombra e luz
a noite deixa na constelação
apenas seus poetas
como fases da lua,
um poeta para cada dia do mês,
como diria Fernando Pessoa
em seus heterônimos.

A julgar dos "momentos-poetas"
de que se compõe a grande máquina,
obra e autor, a crítica ignara
e sua autoconsciência de poeta,
não atua nos círculos sociais
senão como pontuador
das engrenagens,
como operário de suas ferrugens,
e como azeite das funções
de que se servem
os leitores.

A importância do uso da linguagem
é dizer em veias frias
o enigma do indizível,
dizer sempre o mesmo
numa indefinição da forma.

02/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

IDEIAS DE QUEDAS

No despenhadeiro pensei
na queda de meu corpo,
eu não me vi caindo,
eu vi os olhos se perderem
na ideia da queda.

Os olhos meus, quais cavalos
castanhos,
roçaram o fundo sem fim
do abismo,
duas órbitas
encontrando
o nada,
a morte é o nada?

Sem meu corpo, estaria eu
consciente de mim?
Poderia ver a minha alma
flutuar sobre um morto,
poderia ver o eterno
ou talvez o inferno,
posso ainda viver?

Não sei o que virá,
fico feliz e temeroso
pelo adventício,
minha morte eu não a conheço,
minha vida futura
eu a quero mais e mais,
e a dor da angústia
nos trai esta doce percepção.

Tantos poetas tiveram
má fortuna,
eu tenho medo da moira
dos poetas,
tenho o sol na minha face
como boa promessa,
eu temo os suicidas,
e ainda mais os poetas suicidas!

Eu leio as cartas atravessadas
de mar de tais corações,
sofro tão terrivelmente
quanto tais angustiados,
eu duvido de ainda estar vivo,
a alma tem aquela vã esperança
de na tristeza dos dias
não sucumbir,
de aceitar toda a
insensatez do mundo
não como moira,
mas como tentativas em vão
de me roubarem a alma,

estou tão saudável
com o meu pensamento
que busco incessantemente
uma bela canção de amor
onde eu possa descansar
o meu peito,
e as feridas se vão
com este amor perfeito
que viverei.

01/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

A NOITE DE PÃ

A chuva escureceu na noite
que se perdia,
uma flauta doce
divagava com Pã
no fundo da floresta,
com notas de vinho
na sarça de fogo
do eterno sagrado.

O céu sorriu com as odes
e as tempestades
em ritmos de nuvens.

A fera na noite sem chão
vingou o espírito de guerra
na voz rouca
das armas em punho.

O ar abriu a porta do vento
com solos de violino
na entrada do pórtico
com suor de luta poética.

A nave interna da grande abóbada
levitava o meu olhar
com atos heroicos de sangue,
e a flor azulada de vítreos poemas
se abria no coração livre
das adagas de que morreram
os poetas antigos.

Assim era no tempo imemorial
das vidas arcaicas,
uma folha semeava tal tronco
de dura cerviz.

Os olhos lacrimejam
com os sons de dor,
a vida em flor
lateja
no corpo que
não morreu
nos dias de trevas.

O mar então invade
a cidadela de montanhas
e rosas negras,
com o grito de sal
nas mãos
de um poeta
em choque.

A noite caiu bela
como uma estrada infinita
de estrelas,
e eu vi o infinito
no meu tear
como liberdade absoluta
de poesia!

As flores que vivem
em meu espírito
são salvação
para toda dor
que irradia
em tons de labor,
e o fim do amor
não sepultou
minhas esperanças,
apenas foi o começo
de outro amor
bem mais forte
com a misericórdia
de Deus
que não me deixou
no campo devastado,
mas me trouxe
com as ondas do mar
de volta à libertação
do verso como fogaréu
de poema universal.

E a nova flor-mulher
me tomou em seu peito
de sol e lua,
tal era a paz mística
de seu coração.

Os caminhos se encontram
no poema que componho
com a pena imortal
de um amor total,
qual amor de terra
e de céu
numa copa florida
de sorrisos.

As plêiades caem
em versos no sino
dobrado
da hora da vida
como grito primal
de arte,
e o meu norte
é ter sorte
de vida
na pulsão criativa
da aurora,
a vida da rosa
na lida do dia.

01/12/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

VOZ SÓBRIA

Não exala do elixir
uma dor de penumbra,
por vezes o cheiro
fenece,
em outras
deslumbra.

O corpo na noite exposto,
vive e cheira a lua,
como quem procura
no desdém
algo mais além.

Vai noite assim funda,
como estrela que circunda
a terra,
de mal agouro
o vício que ela
consome.

O sabor do mistério rijo,
traz no símbolo da morte
foice e faca,
dor amarga,
e prato vazio.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

FRIO E MORTO

A pedra, empecilho do vento,
resiste à tormenta.

O osso, essência da carne,
remonta ao corpo.

Nas nádegas onde há bastante carne,
o remanso do cu do mundo.
Nada sei e nada saberei,
deste intestino do mundo,
deste bundo semi-círculo.

Duas aves se encontram
na teia,
a estória se tece
nesta estrada
do voo,
se encontra no voo
e nele sobe.

A pedra e o osso
esquecem o corpo,
já sem carne
jaz morto.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

MOSTEIRO

Angústia das estrelas
na cor violeta
do verso.

Viajor das esferas
em tanta fantasia
de desertos.

Com tudo encaixado
como numa sinfonia
em bombas de vulcão,
eu passei na rosa viúva
dos horrores da guerra.

A paz violada
dos mosteiros tibetanos
sangrou
no corpo em chamas
de um monge azul.

Vermelho estava o chão,
com as pétalas de rosas feridas
de um pranto de verão.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

CREPÚSCULO DA NOITE

Os ares estão viciados,
as estrelas eu não as vi
neste sonho de hoje,
o karma é sempre pesado,
o corpo? Pesado ...

Eu não sei enumerar
todas as dores,
nem os prazeres.

Eu não sou o que morre de amor,
eu sou o que morre de amar ...
sei lá quantas vezes eu cri,
quantas vezes mais
o amor não sofri,
pois não sofrerei
de amar,
não errarei o alvo,
uma vez que a flor
é vida vivida,
não caio em paixão demasiada,
não creio em maldições aziagas,
só vejo você em mim
num dia de sol,
tudo certo ao incerto
crepúsculo da noite.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

PENA

Segue o curso da pena,
os dias difíceis
sempre aí estarão,
a vida se esquece,
o corpo padece,
as luzes se apagam.

Como lição, traga isto:
O poema derramado
do corpo/alma
que ali doía ...
o vão que não se vê,
o horizonte ficou para trás,
não há mais selva
na qual se esconder,
não há mais quartos
para sozinhos chorarmos,
não há mais vergonhas
das quais se envergonhar,
a lição é sempre a mesma,
não sucumbir ao tédio
e à tristeza,
não se suicidar
todos os dias
como
punição
eterna.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

JANELA

A janela que olha
para fora
me olha
aqui dentro.

A janela de minha visão,
meus olhos,
janelas da alma,
teus olhos,
as janelas que olho.

O beija-flor
veio à minha janela,
a flor que ele beija
não sei aonde está,
aqui é o nono andar
de um prédio
e não tem flores.

28/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

domingo, 25 de novembro de 2012

AS VIAGENS DE LOBSANG RAMPA

   Lobsang Rampa era o pseudônimo de Cyrill Hoskins, ou melhor, o corpo do inglês Cyrill havia dado lugar ao lama tibetano Lobsang. A história ou estória é bem polêmica, há muito ceticismo de um lado e muita credulidade do outro, ou melhor, o importante em relação aos escritos de Lobsang é manter a mente aberta, ou seja, nem numa mistificação e nem numa recusa cética sem saber o que se diz em tais livros.
   Na leitura que fiz sobre o autor, o que inclui três obras: A Terceira Visão, O Médico de Lhasa e Entre os Monges do Tibete, leitura que recomendo fazer nesta ordem dos fatores para uma iniciação correta aos escritos de Lobsang Rampa, encontrei muita coisa curiosa do ponto de vista místico, o que faço em relação a esta leitura que tive é que se trata de uma visão esclarecedora quanto a alguns segredos do lamaísmo tibetano, não cabendo aqui definir se é verdade ou invenção o que está nestes livros relatado, então fico com o que deles eu possa tirar.
   O ponto mais polêmico é o que se chama esta Transmigração, ou seja, como pode ser possível uma substituição de uma alma por outra num corpo, pois isto é relatado em Entre os Monges do Tibete, e então se entende como tal feito se deu, Cyrill Hoskins deixa seu corpo e dá lugar ao lama Lobsang, pois o corpo original do lama tibetano já estava muito mal tratado e beirava o colapso, e o inglês que cedeu seu corpo ao lama já estava desacreditado da vida e queria partir para o mundo astral. Bom, este é o ponto principal que busquei entender e que consegui neste terceiro livro que li, depois de um trajeto pela fase tibetana do lama em A Terceira Visão e os males da guerra e da incompreensão em O Médico de Lhasa. 
   É bom lembrar que nos confins do Oriente há muitas coisas que pouco entendemos, portanto, temos que ter uma abordagem desarmada de ceticismo e sem ficar refém de mistificações, o que não representa uma posição ambígua, mas uma abertura que eu julgo filosófica para a leitura correta de Lobsang Rampa. O que ocorre em A Terceira Visão, por exemplo, fenômenos como a abertura do terceiro olho do menino Lobsang aos 7 anos e sua faculdade paranormal de enxergar a aura das pessoas e por esta faculdade saber se a pessoa está saudável e definir até o caráter ou intenções da mesma pela leitura da aura é de deixar ocidentais céticos bem incomodados, mas afirmo que não há conhecimento e sabedoria sem incômodos.
   No livro mais importante da obra de Lobsang Rampa, o sucesso editorial A Terceira Visão, vemos o início da saga deste lama tibetano, desde seu nascimento em berço de ouro, porém sem nenhuma regalia dos pais, pois a vida de Lobsang será repleta de sofrimentos, até sua entrada no mosteiro Chakpori, o qual ensinará a Lobsang uma disciplina rígida que servirá depois para ele como meio de sobrevivência no que vemos ser relatado em O Médico de Lhasa, quando Lobsang passa por torturas de japoneses por estar servindo como aviador pelo exército chinês. Lobsang no mosteiro também aprende muito sobre a medicina tibetana e passa a se tornar grande conhecedor das ervas do Tibete, e junto com este conhecimento médico é introduzido em ocultismo, conhecimentos metafísicos e esotéricos que serão ministrados pelo seu guia espiritual, o velho lama Mingyar Dondup, com o qual terá acesso a coisas desconhecidas até por grande parte dos monges comuns, nesta incursão pelos segredos tibetanos, Lobsang terá oportunidade, por exemplo, de desenvolver a faculdade de viagem astral e também de telepatia, fará uma viagem cataléptica às cavernas dos antepassados tibetanos e verá no topo das terras altas de Chang Tang uma cidade antiquíssima num vale, conservada pelo frio da altitude tibetana, onde também verá alguns dos segredos de velhas civilizações.
   Em O Médico de Lhasa vemos muitas das predições dos astrólogos tibetanos em relação à vida de Lobsang feitas em A Terceira Visão confirmadas, pois as predições eram de que Lobsang iria sofrer muito, e o que vemos no livro O Médico de Lhasa é uma sucessão de absurdos que levarão o corpo torturado e seviciado de Lobsang quase à morte, com fuga em relação aos japoneses, viagens depauperadas pelos horrores da guerra (era o contexto histórico da invasão e bombardeio da China pelos japoneses e depois a Segunda Guerra Mundial que culminará com as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasáki no Japão soltadas pelos americanos). E neste trajeto sofrido que vemos no livro O Médico de Lhasa aprendemos um bom manual de sobrevivência e de resistência ao sofrimento que será nada mais que consequência dos ensinamentos rígidos e profundos recebidos por Lobsang no mosteiro Chakpori. Sem o que passara no mosteiro, Lobsang afirma sem dúvida que não teria passado por tudo o que passou na mão de autoridades agressivas que se deliciavam em matar e fazer sofrer outros seres humanos, e no meio disso Lobsang chegou a parar em prisões e chegou a tratar de pessoas em estado agonizante totalmente de improviso, seus conhecimentos médicos foram também postos à prova, e Lobsang se saiu muito bem, salvou a vida de algumas pessoas, mesmo em meio à completa devastação de um cenário de guerra e morte por toda a parte que se via.
   No livro Entre os Monges do Tibete vemos a fase da vida de Lobsang em que ele vai estudar medicina ocidental na Universidade de Chungking e depois vai para Xangai servir aos chineses, e aí acaba parando na Rússia, onde terá alguma sorte passageira, logo passando por novas dificuldades, passa por Nova York, e volta ao Tibete, depois indo para a Inglaterra fazer a Transmigração, passando por uma fase feliz na Irlanda já com seu novo corpo e vai ao Canadá.
   Neste livro já temos um entrecruzamento das histórias relatadas em A Terceira Visão e O Médico de Lhasa, e que terminará em novas revelações dos segredos tibetanos; por exemplo, o chamado Registro Akáshico, no qual se poderia ver toda a História humana psiquicamente, e a complexa operação de Transmigração que foi citada acima entre o inglês Cyrill e o lama Lobsang, além de relatos de viagens astrais bem curiosas durante todos estes acontecimentos. Lembrando que a esta altura seu guia Mingyar Dondup já morrera e se comunicava em espírito por telepatia e viagens astrais com Lobsang Rampa, Dondup já se encontrava, neste ínterim, na Terra da Luz Dourada, um plano bem superior que Lobsang ia algumas vezes por viagens astrais.
   O que podemos, enfim, tirar da leitura destes 3 livros de Lobsang Rampa é, sobretudo, uma lição de sobrevivência às adversidades, o lama tibetano passou por situações extremas, o que nos leva a questões esprituais profundas e também a questões sobre o quanto o ser humano pode ser cruel e, de outro lado, evoluído espritualmente, o que vemos na leitura de Lobsang é uma mistura entre fatos históricos dolorosos e uma espiritualidade sui generis que vemos no lamaísmo tibetano. Se é verdade ou mentira o que Lobsang diz, não importa, há conhecimento e sabedoria em tais livros, e isso é que é importante.

25/11/2012 Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=3672&secao=14

  
  
   
         
   

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

REVOLUÇÕES

Eu matei Hitler e salvei a Alemanha.
Aniquilei a fúria dos
fascistas,
prendi os corruptos
e assassinos,
demoli o inferno
da injustiça,
colhi os mortos da guerra,
dei voltas na procissão
depois de ver Cristo
nas minhas costas,
disse para Stálin
morrer de frio
num Gulag na Sibéria,
matei todos os ditadores
e revivi o século de Péricles,
vi Sócrates desafiando
os homens de certezas,
derrotei Lúcifer
depois do céu cair
no Apocalipse,
enterrei Bin-Laden
e tomei o petróleo
de Saddam Hussein,
e deixei que pedófilos
e estupradores
fossem queimados
na Ilha de Lesbos,
com mulheres guerreiras
gritando suas
independências financeiras.

15/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

ERNESTO, O HONESTO

Ernesto é um homem honesto.
Devolve o troco que
vem a mais,
conta a verdade
mesmo quando
ela dói,
não falta ao trabalho,
não reclama dos dramas
e das tragédias.

Ernesto é um homem honesto
e repleto de compaixão.
Ama a vida, ama a sua
única mulher,
nunca teve outra,
ama seus filhos,
ensina-os a honestidade,
o caráter,
a ética,
a humildade,
a coragem,
tem os pés no chão,
reza a favor do mundo,
dá esmola,
ajuda um cego
a atravessar a rua,
ele sorri ao se deitar,
não chora à toa,
todos gostam dele,
Ernesto é o homem
mais amado do mundo.

15/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

DO MANIFESTO

Não esqueço a palavra,
mesmo quando está encantada,
quando custa à pena
desempená-la.

Ai, que de tudo tenho
dito com esta palavra,
com estas palavras!
E outras, aquelas que
vêm de acolá,
de um sei lá,
talvez de um
não-lugar.

Eu encontro a palavra súbita
no poema,
monto o quadro
que ela
me dá,
palavra sucinta,
breve e prolixa,
palavra composta
no verbo
que afirma
e confirma
no verso
o mistério
de seu uso
manifesto.

15/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

BATIMENTO DA MÁQUINA

Quando o tempo se abriu,
eu vi claro o sonho vítreo.
Passou em mim a totalidade
como uma certeza de ser absoluto.

Cada instante como engrenagem
de uma grande máquina
pensante chamada universo.

Os livros que li formando
mapas infindáveis
na minha cabeça,
ouvindo o meu próprio ser
com o sentido fundante
que nunca se pega
senão no sopro do vento,
os significados e sons
conjugando
um grande sistema
onde
estou acompanhado
de fantasmas e pessoas
no imenso entorno
do meu corpo
onde eu estou e sou,
e a vida pulsando
austera como um relógio
ritmado com
a batida
do meu coração.

10/11/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

domingo, 11 de novembro de 2012

SADE E A LIBERTINAGEM

   Marquês de Sade, aristocrata e escritor francês que viveu entre os séculos XVIII e XIX, teve sua obra literária sempre marcada pelo que se chama de libertinagem. Tal ideia de vida tinha cunho filosófico e sempre foi eivada de muita polêmica, Sade usou este artifício para construir as suas estórias, seja no apelo ao grotesco, como aparece na sua forma mais exagerada na obra Os 120 Dias de Sodoma, ou como tese filosófica, na obra A Filosofia na Alcova, ou como as vicissitudes ou desditas da virtude, na figura de mulheres virtuosas humilhadas, tais como nas obras Justine ou na engenhosa A Divina Marquesa.
   Sade passou muito tempo preso na Prisão da Bastilha, e foi perseguido tanto pelo Antigo Regime, como pelos revolucionários iluministas de 1789, e também por Napoleão Bonaparte, tendo terminado seus dias no Hospício de Charenton, período que foi romantizado pelo filme Contos Proibidos do Marquês de Sade, onde o mesmo é idealizado em cenas como escrever na própria roupa com sangue por não ter pena e nem papel para escrever as suas obras. Outros filmes foram também inspirados em Sade e nas suas obras como a polêmica película Saló ou os 120 Dias de Sodoma de Pier Paolo Pasolini.
   Sua obra mais polêmica, Os 120 Dias de Sodoma, objeto de muita estima pelo próprio autor, foi julgada perdida por Sade, pois o rolo em que fora escrita havia sumido após a retirada de Sade da Bastilha às pressas, logo antes da Revolução de 1789, obra que foi recuperada e então publicada no início do século XX, uma espécie de Decamerão da libertinagem, citando Boccaccio. O sumiço do rolo fez Sade se desesperar e verter lágrimas de sangue segundo o próprio, Sade que então tentou pelo resto da sua vida imprimir o espírito de tal obra em seus outros escritos por esta perda inconsolável, a qual foi sanada muito depois de sua morte e se tornou na História o seu escrito mais polêmico, “a narrativa mais impura já escrita desde que o mundo existe.”
   Sade faz nesta obra uma enumeração exaustiva de inúmeras paixões da libertinagem, um elenco da filosofia lúbrica que vai nortear todo este escrito, em seus excessos, sua justiça um tanto egoísta que cerca os quatro cavalheiros libertinos Durcet, o Presidente de Curval, além dos irmãos Duque de Blangis e Bispo de .... (o nome aparece assim no início e depois será apenas denominado Bispo). O total são seiscentas paixões em 120 dias, o que são 4 meses de libertinagem com 4 classes de vícios (as paixões simples, duplas, criminosas e assassinas).
   Os quatro cavalheiros aristocratas citados acima vão organizar uma orgia jamais vista, talvez, em toda a literatura, ou na sua forma radical e apelativa ao grotesco como se vê nesta obra de Sade. Pois tais cavalheiros vão realizar todas as suas devassidões e licenciosidades, as chamadas paixões libertinas, tudo justificado filosoficamente (tal filosofia muito mais presente em A Filosofia na Alcova, aqui em Os 120 Dias de Sodoma como um paroxismo do que esta representa e é capaz de realizar) na sua forma a mais grotesca e iníqua possível. Os personagens da obra são reunidos num castelo de luxo, são vários personagens que são divididos em diversas classes e que numa matemática exaustiva segundo um regulamento rígido com sanções também rígidas, organiza as sessões orgiásticas de que a obra é repleta, ou melhor, do que unicamente Os 120 Dias de Sodoma é composto.
   Crianças e jovens, sejam do sexo masculino ou feminino, são raptados de suas famílias e levados para um castelo de difícil acesso do qual ninguém tinha como fugir, putas já com idade avançada fazem o papel de narradoras, incidentes do castelo são intercalados com suas histórias, principalmente na primeira parte, as das paixões simples, em que a prostituta Duclos narra as suas aventuras de quando mais jovem, o que excita e inspira as fantasias dos quatro libertinos comandantes das orgias do castelo, as outras partes são mais resumidas, algumas pontuações de Sade revelam que a obra não estava completa, mas Os 120 Dias de Sodoma, se a contar das paixões simples, já rende uma estória extremamente bem escrita, uma forma escorreita num conteúdo grotesco, esta é a fórmula que compõe esta obra de Sade, pois todos os seus escritos tem uma forma bela de expressão, com o paradoxo de exibir com esta bela forma as paixões libertinas que são em sua substância, elementos de fealdade para uma moral conservadora.
   Pois a impressão que vem da leitura de Os 120 Dias de Sodoma, é a de que Sade leva ao paroxismo sua intenção de chocar a sociedade, o que em sua época pode ter sido necessário e muito importante, num mundo que ainda tentava se libertar da moral rígida do Cristianismo, por exemplo, e talvez apoiada por uma emancipação de um pensamento ateísta e materialista, e de uma obediência aos impulsos da natureza que são a grande filosofia libertina de Sade, mas que hoje podem ser confundidas com um pastiche, pois o humor negro de Sade, que era contestatório na sua época, pode ser entendido hoje não como choque e enfrentamento, mas como pura piada. O que se vê em Os 120 Dias de Sodoma, também, é uma manipulação dos personagens da obra ao bel prazer por Sade, como se grande parte dos personagens que ali aparecem não tivessem autonomia ou poder de reação, as manipulações sexuais parecem se compor de objetos e não também de pessoas, Durcet, o Duque, Curval e o Bispo parecem os únicos personagens vivos da estória, junto com Duclos; todos os outros se tornam entes quase mortos e manipuláveis ao gosto do freguês como objetos sexuais inanimados, talvez seja esta a grande crítica para a obra Os 120 Dias de Sodoma do Marquês de Sade, além de personagens demais, são personagens em sua maioria muito pobres de personalidade ou autonomia, pouco definidos para o que se quer de um romance de fôlego, sem falar nas repetições de ideias e situações, tais como nos enfadonhos trechos sobre cropofagia, e o apelo do grotesco hoje já não tem mais a sua função de contestação, restando do humor negro e dos exageros de Sade, em tal livro, o riso do pastiche, claro que não para corações e estômagos fracos, pois a leitura desta obra requer um estômago e um coração fortes.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
 
  
Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=1882&secao=14

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

MINHA LUTA COM O SOL-PENTAGRAMA

(CONTO-POEMA) – INSPIRADO EM 2 SONHOS QUE TIVE

1° SONHO

Estava viajando de ônibus de madrugada e no meu MP4 tocava “Pharao`s Dance” de Miles Davis do seu álbum de Jazz Fusion “Bitches Brew”, já estava dormindo e no meio da música me vi nas areias de uma praia ou duna lutando com um ser invisível, eu lutava contra esse ente maligno rolando nas areias enquanto o trompete de Miles dava seus gritos agudos entre os graves do baixo, parecia tão real, não me lembro qual foi o fim do sonho, lembro desse trecho, talvez pela música visceral de fundo, com certeza pela combinação de luta espiritual com fundo musical, certamente pelo trompete, certamente por Miles, e sem dúvida pelo meu amor pelo Fusion como abertura espiritual, e não existe tal abertura sem luta espiritual, os nossos demônios estão sempre despertos, a luta pode ser de vida e morte, lutei na areia pela minha vida, e o trompete de Miles Davis estava lá, o terceiro olho do meu espírito se abriu com Pharao`s Dance, linguagem cifrada, hieróglifo do ser eterno, eu lutei com o assassino, eu venci o suicídio, eu despertei depois da música e me senti vivo, era duna ou praia, não me lembro, mas era areia, era eu e o inimigo lutando ferozmente, era o trompete cercando todo o enredo de que não lembro o fim e nem sei o porquê.

2° SONHO

Mais uma vez estava viajando de ônibus de madrugada e no meu MP4 tocava, desta vez, “Not To Touch The Earth” do The Doors. Parecia que eu via um sol naquele formato inca, não tenho certeza, o que marcou o sonho foi que estava na praia, conseguia ver o mar, e do nada, com o Doors entrando em meus tímpanos, e a introdução do baixo forrando a cena, vi o sol inca ficar vermelho, e dentro do círculo de fogo formar-se um pentagrama de cabeça para cima (não era o invertido do Satanismo) ... o baixo orgânico tocando, not to see the sun ... e, de súbito, o sol-pentagrama vermelho começa a descer em linha reta, uma vertical psicodélica no horizonte, este sol inca desce ao chão, o mar, sei lá,  a descida é em velocidade uniforme, como se fosse o movimento de um ser consciente, e depois tem um lapso e novamente acordo, e a memória viva me lembrando da imagem que tinha presenciado, o sonho “run, run, run, run with me ....”, que coisa doida, este foi o segundo sonho.

ESCLARECIMENTO:

Por um tempo a minha memória me enganou e achei que estes dois sonhos eram um só, donde tirei a minha ideia de luta com um sol-pentagrama, mas pela música lembrei que eram duas estórias diferentes, as músicas eram diferentes, isso me fez lembrar que foram duas ocasiões diferentes, mas vou seguir aqui um relato ficcional inspirado nestes dois sonhos, usando a imagem de minha memória traída como se se tratasse de um único sonho, vou romantizá-lo, mas o sonho bruto já está acima relatado, agora vou juntar ao signo psicodélico uma estrutura narrativa em forma de um conto-poema. É só seguir o curso da pena, a seguir ...



CONTO-POEMA:

   Fui seguindo viagem rumo às dunas, saí de minha cidade no início da semana, queria ver o mar aberto e a abóbada celeste brilhosa das vilas do interior, as dunas eram o caminho mais poético para o mar. Levava a minha mochila com livros e uma mala com roupas, acordei cedo pela manhã e fui à rodoviária, cheguei bem cedo em busca do meu sonho que queria ver, em busca do segredo das areias quando se anda numa duna com o pé queimando, com os olhos buscando o horizonte depois de um certo trecho da caminhada, o momento mágico em que a montanha de areia e vento deixa entrever um risco de mar, é ali aqui o horizonte, é acolá logo lá o horizonte, o dia de verão perfeito, o mar azul cristalino, os olhos serenos ao beijarem o risco no fim da visão, o horizonte e sua fuga. Que vastidão! Era assim que esperava que fosse a chegada ao meu destino, um poeta mambembe em busca de um sonho de areia, e depois deste sonho de areia, um rasgo da visão que olha o sem fim, o horizonte que se vê e não se vê, o paradoxo do estar vendo algo que sempre aponta para um estar-além que nunca ninguém vê.
  
Notas ao sol, a fuga do horizonte
Está muito além da visão,
Noite que escurece o olho,
Dia que vive pela areia,
Dia vivo que costumo lembrar,
Eu vi o sol e a música
Como signo de um segredo,
A carta do navegante não sabe apontar,
A bússola se perde ao navegar,
Quando se perde a visão e seus olhos
Lacrimejam de tanto sal.

Tocava Jazz ou Blues nos meus tímpanos,
Eu veria o infinito como som,
E imaginaria no meu ouvir como visão,
A estrela vai e volta com brilho de fogo,
A estrada até a praia é cheia de segredos,
Quantas ondas eu peguei e outras que deixei passar ...
Quantas horas em caminhar e se perder?
Por se achar quantas horas mais?

Eu disse ao enigma:
Seu signo eu torno palavra,
Não me leve a mal,
Caiu em cima de mim
Esta porra como um alarme.
Vejo e não sei ao certo,
Uma onda pegou a sua esmeralda.
Um baixo bem robusto forrou o seu topázio.

Como andei a anunciar, me escondi e fui buscar ...
Como voltei já qual borboleta no ar ...
Fui ao meu autoconhecimento, na tábua da lei
Estava grafado com pontas de fogo:
“Conhece-te a ti mesmo, penumbra não vê,
sombra não sente, a luz vê e sente, mexa com
seus cadáveres e deixe eles dançarem,
depois leia sem parar, leia até a sua face cair no
livro, não descanse, não seja fraco,
olhe em volta e esqueça tudo,
olhe mais para dentro, cada vez mais,
não se perca, dance com os outros cadáveres,
lhes diga que são cadáveres, dá a lembrar
sempre da morte, a deusa que ninguém gosta,
faça profecias publicadas em jornais,
faça orgias em praias pela madrugada,
alimente a sua mente, veja as serpentes vãs,
mate quem quer te matar,
ouça o grito da multidão pelo seu socorro,
mate todos em um gesto da cruz,
mate a moral com seu cadáver fundamentalista,
contradiga tudo, por você ser a contradição radical,
confunda o jogo, eles gostam de confusão,
não permita que te confundam, este é o primeiro
mandamento do guerreiro,
olhe em volta e esqueça, olhe cada vez mais para dentro.
Enlouqueça algumas vezes por pura diversão,
Volte à razão depois mais forte que um leão,
Não olhe mais em volta, eles perderam a razão.

Veja seu próprio horizonte, veja o sol ficar vermelho,
Faça dos ossos e carnes um espírito total,
Veja o todo em tudo como se fosse vazio,
Faça uns diários de meditações,
Duvide de sua crença,
Não há razão sem dúvida,
Não caia em ceticismos,
Não ande pela verdade absoluta,
Só você sabe o que você sabe ...
Conhece-te a ti mesmo!”

   Peguei o meu ônibus de viagem, sempre tenho prazer em viajar, e estou acostumado ao clima de rodoviária, eu me sinto bem nesses caminhos de ida e volta, e me parece que minha terceira visão (que, de vez em quando, é favorecida pela música, sobretudo nessas viagens) se abre no estado de transe do sono, o inconsciente individual adormece, o sonho entra, na verdade a imagem que vem no sonho já não mais pertence ao meu inconsciente individual, tais imagens têm outra origem, é do inconsciente coletivo junguiano, o qual foi colhido da filosofia oriental e sobretudo do Budismo, a condição de transe do satori seria este estado fundamental do ser em si mesmo, um paradoxo, pois o encontrar-se no vazio parece com o perder-se, mas neste paradoxo se abre a terceira visão, já como ente ontológico mesmo, não mais eu ou ego, as individualizações não fazem mais parte deste estado, a visualização que parte deste estado búdico de vazio (aí entram os arquétipos do que é símbolo que unem culturas das mais diversas, o que pode ser percebido com mais força na mitologia, todas aparentadas em seus simbolismos), aqui entra o meu sonho, eu vejo ele entrar com suas imagens que sei que não me pertencem, eu não as produzi, o sonho é o estado que nos diz com todas as letras que nós não estamos no comando coisa alguma, só temos esta autonomia ilusória e individualista na vida do ego e do cotidiano, o sonho nos desnuda em símbolo, e como não há mais alguém ali, restam as imagens, e elas falam outra língua, da qual não temos autonomia, Freud contradisse a razão neste transtorno da loucura, e a loucura só é entendida em seus arcanos naqueles que a vivenciaram, e o sonho é um estado de loucura comum a todos, não somente aos psicóticos. O sonho diz: eu navego em você, este que lhe mostra isso é o próprio isso, não tem mais seu lugar, você não está aqui, só a imagem e não há decifração, eu te proponho um jogo, de alguns você lembrará, parecerá que você esteve lá, mas se esteve, não foi o seu pequeno ego, mas algo maior e mais fundamental, um estado fundante animal-símbolo, sua ontologia do sonho é mais que psíquico, é sobretudo espiritual, antes do vazio absoluto do satori, passam-se tais quimeras, leia O Livro Tibetano dos Mortos que verá com os seus próprios olhos.
   A viagem foi longa, duas noites sonhei e veria em um único lance esses dois sonhos se juntarem como uma coisa só, os dois sonhos destas duas noites foram “explicados” acima, agora tudo tornaria-se real, eu não esperava que os sonhos que tive nesta viagem aconteceriam realmente, pensei em se tratar de pura inspiração musical, não notei que era profetismo, as notas que derramarei agora não me pertencem, toda esta viagem de que não há eu no transe é muito real, “é oráculo o que eu digo, e não sabendo explicar-me sem palavras pagãs, queria calar-me” (Arthur Rimbaud, Uma Temporada no Inferno, do poema “Sangue Ruim”), pois fui neste não mais eu em termo de símbolo em estado puro, quantas noites seriam como aquelas? Onde mais senão no susto eu as veria? As visões, eu disse, tenho o vinho e a minha pena, e o sol na minha vista, tenho medo de ficar cego, mas o sol no sonho fica vermelho, mas você o vê sem se cegar, ainda lembro, talvez, quando a poesia maturou o suficiente, eu lembro, a memória é certa, e meus passos são certos também, eu vejo, e calo alguma coisa, no entanto, tenho desta miséria demais, o de ter estado louco, acúmulo de visões, sabatina de visões, o espírito como corrosão da percepção, eu estava lá ... na loucura “Eu é um Outro” (Arthur Rimbaud, Carta Dita do Vidente), cisão, corrosão, todos os venenos, todas as magias, magos brancos e magos negros, a festa como possessão, eu não fui anjo, eu não fui demônio, eles moram em mim, este é o mistério, a estória de um louco vive no mistério radicalmente, mas aí vem o sonho, eu veria estes tais dois sonhos de verdade no fim da estrada, nas dunas eu os poderia ver dançando em minhas visões, não vou enumerá-las todas, vou relatar apenas esta: “A minha luta com o sol-pentagrama.”

O sol virá, cada instante será eterno, o sol quando
Cai em nossas mãos como sonho vermelho,
A luz de sua origem é fim de noite em aurora.
Corremos na vida com o livro aberto adiante,
Redemoinhos se formam no pesadelo de criança,
Notas do apocalipse eram tomadas naquele momento,
Um desenho é registrado com o sangue jovem,
Perde-se no tempo, depois do desastre a célebre canção,
A tempestade encontra o sol e se torna o céu com todas as vidas,
Virá o sol maior com todos os elementos da fúria,
Pintará de estrela firme de firmamento com voz de sepulcro,
Todos os lados do enigma ascendem ao espírito da manhã.

Eu sinto, com o ardor da noite, que o sol virá,
Os signos sentidos em dor pungente semearão
Nova colheita, a vida enamorada de vinha e macieira,
Toda flor do campo com montes sinuosos de harmonia,
Toca-se o corpo do sol que virá, o pentagrama
Se forma, a batalha espiritual começa,
Os lares esquecidos são destruídos pelo vento do drama,
O dharma é pronunciado com a substância primordial : o fogo.
Prometeu nos deu, o roubo de todas as eras das esferas,
Vingou-se Zeus, com trovão de grito supremo.
Voz do subterrâneo ecoou como na caverna de Platão,
Visões deste mundo ideal são realidades ocultas,
O signo do poder é uma espada dentro do coração,
Corta o silêncio com seu som de estilhaços,
A realidade partida vai de sombra a luz
Num claro-escuro renascentista,
Num volume de vestes nababescas
Como o reino do sol na paz mundial,
Surge Cristo em vida diamantada de amor,
O amor que ressuscita, a morte fere,
E o pecado esmaga!
Estou vivo, viverei eternamente!

Estou na palavra primordial, a sensação é de
Êxtase, eu vi essas coisas, eu as vi
Em minha alma, e dentro dela estava um sol,
Não sei explicar, era o sol no coração, nos olhos,
A compaixão se tornara irresistível,
Poderia ser um demônio produzindo o satori,
Ou a graça dentro dos simulacros de nossa História.
Não viverei para ver tudo que quero ver, as visões
São múltiplas, mas não são da totalidade do universo,
Nem seu sentido, nem a sua falta de sentido,
É o êxtase, é uma onda de sol com o espírito a flutuar,
Não há lógica, é só o brilho celeste de uma paixão.
Tenho o tempo em minha mão, não sofro mais as trevas
Da loucura, vejo o sol que virá,
Vermelho fogo em que luto na eternidade
Desta visão.

   Enfim cheguei ao fim da estrada, logo viria a luta espiritual pela qual passara, eu vou então, desço do meu ônibus, com aqueles dois sonhos dançando em minha cabeça, olho para a vila, fico pela manhã nela, bebo água, tomo um banho de rio, e corro em direção das dunas para ver o mar, a praia é vasta, tão vasta como pode ver a visão, e a visão alucinada logo seria revelada, o livro da morte que um dia vou publicar tem destas armadilhas, um grimório dos 77 demônios que me possuíram quando era bem jovem, eu tive a salvação depois deste tormento, busquei a luz espiritual, e hoje sou um ser celeste com carne e palavra, sou o senhor da palavra, dela faço os conceitos, ideias, da palavra tenho o sentido fundante. Mas, ao chegar às dunas a casa dos meus sonhos ruiu, tudo o que tinha visto naquelas duas noites ao dormir me seria revelado naquele mundo infinito de areia e sol, a visão do horizonte me dá o sentido mais profundo de tudo que contém um espírito livre, a liberdade nos dá a chave da filosofia, a liberdade nos dá a voz da poesia, a vida interior se torna um palácio suntuoso do espírito livre, e eu teria a minha visão definitiva naquele dia, mal sabia que as visões dos meus dois sonhos eram o mais bruto e puro profetismo, tempo que se abre como borboleta que sai do casulo, esse é o sentido ontológico do profetismo, tenho decerto a sensação de fúria ao ver a morte, e a fúria de estar vivo quando a morte tentou lhe tocar, a salvação da alma é a cruzada do abismo, o abismo do sol se revelaria agora, meu corpo perdido na areia. A luta começaria, enfim.
   Eu caminhei pelas dunas, estava no meio da tarde, uma tarde de sol gigante, calor escaldante, vi os montes de areia, subi num deles, e, de súbito, olhei o horizonte, o sol se transmutando num desenho de um sol inca, de um segundo ao outro o sol foi ficando laranja, depois vermelho, e aí um espírito oculto desenhou um pentagrama dentro do círculo de fogo, este sol inca e vermelho começou a virar o gigante vermelho, uma grande bola de fogo inca e vermelha que, então, com o calor de um inferno de Dante, desceu em vertical do céu em velocidade uniforme até a areia, seus movimentos eram de um ser consciente, dava para perceber que havia um princípio inteligente dentro daquela bola de fogo vermelha de inspiração inca, eu vi, eu vi com os meus olhos de carne, não era mais um simples sonho numa madrugada em um ônibus de viagem, eu via e não acreditava, talvez pudesse estar sonhando de novo, mas não, eu sentia a minha carne e o meu corpo, eu sabia que, desta vez, era uma visão plenamente consciente, não era mais um jogo simbólico-junguiano de sonhos imagéticos, eu via, não saberia descrever quão viva foi esta visão, as palavras são insuficientes, eu via, e custava acreditar, pensei que poderia ser o apocalipse, e lembrei do sonho do sol-pentagrama, logo percebi a centelha do profetismo, e então esperei a descida daquele sol furioso para a grande luta.
   Depois do céu ecoar “Not To Touch The Earth” do The Doors quando aquele sol (um grande animal vermelho) descia, o sol-pentagrama foi em minha direção, se completaria a visão das visões, eu teria uma luta contra aquele bicho esférico e feroz, começa a luta, Miles Davis desce de uma nuvem azul e começa a tocar o seu trompete flutuando sobre aquela cena dantesca, eu via, e já não só via, eu lutava, meu corpo entrava em ebulição de guerra, eu teria que vencer aquele demônio em veste de sol, meu sol tão adorado, agora querendo me devorar, rolamos na areia, parecia uma dança macabra e pagã, um Vodu em transe, dancei o Sabá, a bruxa ria, os duendes riam, os 77 demônios de meu passado se reuniam para ver aquela batalha sangrenta, não saberia explicar suas fisionomias, eram tétricos, uns vermelhos, outros negros como corvos, uns azuis escuros, flutuavam em volta da duna em que se dava a luta, Miles parecia estar em outro plano, parecia estar me vendo, mas na verdade não sei, eu queria o fim daquela agonia, “Pharao’s Dance” entra no jogo, surge uma pirâmide de diamante no cume da duna em que eu rolava ferozmente com o sol-pentagrama, consigo enfim pegar a pirâmide e volto ela em direção ao sol furioso, sua própria luz vermelha reflete no diamante da pirâmide, esta luz vai em direção do próprio sol-pentagrama e este derrete e vira sangue, do sangue nasce uma pomba branca anunciando que não haveria apocalipse, que era o tempo da santidade na Terra, e de que eu era um homem livre.

EPÍLOGO: CANÇÃO DA SALVAÇÃO

Não virei anjo, eu vi o anjo.
Olhei o mistério com a alma
Em floração.
Eu refiz a canção da salvação,
Uma pomba branca
No meu peito,
Um dia vivido
Como se fosse perfeito.
O sol-pentagrama morreu,
Sua fúria vermelha derreteu.
Eu vejo o eterno
Como o sol verdadeiro,
Eu ouço a liberdade
Em cada vida bondosa,
Sou a alma que canta no céu
Como campo aberto ao coração,
Tenho a visão do espírito em cada ato,
Não surjo do inferno, venho do paraíso,
A Terra é cantada em sua santidade,
Santo virá, o sol virá,
O vinho vence o sepulcro,
A dor exauriu com a fúria infernal,
Estou salvo de minha maldição,
Tenho tempo para ver todas as coisas novas,
As coisas que compõem a natureza
Em seu espetáculo de vida infinita,
Pode-se ouvir os hinos angelicais
Nesta morada do prazer,
Vejo Deus como o sol que tudo vê,
Tenho a alma como reino do céu,
Longe do abismo do inferno
Que me possuiu,
Vou ao segredo, vou ao cerne,
E a vida se torna sagrada,
A vida no fim da estrada.

02/11/2012 Contos Psicodélicos
(Gustavo Bastos)


 
  


  
  






quarta-feira, 31 de outubro de 2012

AMOR DIVINO

Concentrei-me no vitral
da santa virgem
como o sol místico
do coração.

Ave-maria em alma de flor,
rosas do meu amor,
cantando doce
no sabor
que a canção
edulcorou
com fardo poético
que transmutou-se
em redenção,
glória e graça divina.

A vida viva na cruz
vive! Eu sou novo,
minh`alma renovada
é chuva de sol
na praia
eterna
em que salvei
o fogo que a pena
canta em tornados
de verso e felicidade,
libertei-me!
Livre na canção!

31/10/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

TRAJETO DO POETA

Eu deixei meus cigarros
na rua de uma estrada
longa,
certo impostor delongou
toda a cantilena,
verso por verso derrotei
a crença no grito atávico,
o relógio parou
na esquina,
olhei Kerouac correndo,
Sade gemendo,
Ginsberg moribundo,
bati um papo cabeça
com a minha mulher,
de cabeça para o nada
e a arte dos vagabundos
da cracolândia,
as artes recitadas
de testemunhos nas igrejas,
as asas cortadas
das visões
falando em línguas
mortas,
e a flor do meu amor
intacta na água da vida.

31/10/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

A CARNE DO BEIJO

Classes de sóis despencam
sob azuis que compõem
a tela,
a pena vira pincelada
na dor do magma,
eu estouro a nuvem
com ar de rugidos,
estampido do grito
pelas feras
que dormitam
indefesas
em minh`alma.

Eu desço ao romance
depois da contemplação
de um satori psicótico,
lembro da carne maturada
como casal perfeito,
um dando verso
e o coração do outro,
pleno universo.

Vou ao espírito da música,
com cálice sagrado
de que o corpo padece
com vinho tinto
de tanto sangue
e volúpia
como nos finais
de beijos hollywoodianos.

31/10/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

Sketche n°2 – O homem morto.

Um homem entra no cartório para fazer um reconhecimento de firma de que receberá uma herança, o atendente se dirige a ele:
__ Olá, como vai o senhor, o que deseja?
__ Quero fazer o reconhecimento de firma de que receberei uma herança do meu irmão mais velho que faleceu recentemente.
__ OK, me passe o seu CPF e a sua identidade, preciso checar a sua situação aqui no cartório, só um minuto.
(O homem espera, logo o atendente se dirige a ele novamente)
__ Ora, aqui no cadastro consta que o senhor está morto, deixa eu ver isso direito.
(Foi nos arquivos do cartório e encontrou uma certidão de óbito do homem que estava vivo)
__ Ora, aqui está a sua certidão de óbito, o mais estranho disso tudo que vejo sua identidade e me parece que pela foto se trata mesmo do senhor, como isso foi ocorrer ... bom, não importa, o senhor terá que provar que está vivo, se não, não poderei reconhecer a sua firma, pois a certidão de óbito é mesmo autêntica, onde o senhor esteve esse tempo todo? Não ficou sabendo que a sua família fez essa sua declaração de óbito? Não entendo, mas, agora o senhor terá que provar que essa certidão de óbito está errada, e vai ver que o senhor é um impostor, está se passando por alguém que morreu por quê? Essa herança não poderá ser sua enquanto não provar ao Estado de que está vivo e de que o senhor é realmente o senhor, quando o senhor conseguir provar isso poderá reconhecer firma aqui no cartório.
__ Meu Deus! Eu não sou um impostor! Estive 2 anos em outro país, não sei de onde surgiu esta maldita certidão de óbito, como posso provar que estou vivo? Como posso provar que eu sou eu mesmo? Meu irmão gêmeo morreu, meu nome é Ronaldo, e o dele Arnaldo, somos univitelinos, deve haver algum engano, eu não morri, estou aqui falando com você!
__ Mas agora terá que provar que não morreu, e outra, terá que provar que o senhor é o senhor mesmo e não outra pessoa, terá que provar que não é um impostor.
__ Este país é uma ruína burocrática, meu Deus! Meu Deus! Não é possível! É uma situação completamente esquizofrênica! Eu sou eu mesmo caramba!
__ Estou começando a desconfiar de que o senhor não é o senhor mesmo e que se trata de um impostor que está querendo a herança do Sr.Arnaldo, estou seriamente considerando a ideia de que o senhor não é o senhor mesmo coisa alguma! Vou telefonar para a Polícia Civil para averiguar o caso, e enquanto isso o senhor ficará detido aqui no cartório até a chegada dos policiais. Seguranças, segurem este homem, ele é um impostor! Está com documentos de uma pessoa morta para receber a herança de outra pessoa morta.
__ Mas eu sou eu! Eu não sou outra pessoa! Você pode ver na foto!
__ Parece na foto que é o senhor, mas a foto é antiga e isto não prova nada! Terá de prestar contas à polícia, impostor! Falsário! Biltre!
__ Meu Deus! Meu Deus! Eu só vim fazer um reconhecimento de firma e descubro que morri e que eu não sou mais eu e sim um impostor, só posso estar num pesadelo, ou melhor, estou ficando louco, é isso, eu estou louco, completamente louco, podem me prender então, ou melhor, me joguem no hospício.
__ É exatamente isso que vou fazer se o senhor não ficar quieto até a chegada dos policiais, o senhor está morto, e pior, o senhor não é mais o senhor mesmo, o senhor terá que provar que não morreu, e pior, o senhor terá que provar que o senhor é realmente o senhor e não outra pessoa, agora fique quieto, espere e será preso como falsário, não cairemos neste golpe, usar documentos de uma pessoa morta passando por ela para receber uma herança ... francamente! O senhor não esperava por essa, né? Descobrir que a sua vítima estava morta e que sua certidão de óbito estava aqui, por essa o senhor não esperava, mesmo!
__ Meu Deus! Meu Deus! Estou ficando louco, estou louco!
__ O senhor não está nada bem mesmo, deve ser um louco mesmo, vou chamar o SAMU para interná-lo, descobri que você é um louco, além de celerado é louco!
__ Meu Deus! Meu Deus!
(Chegam os policiais civis, eram dois investigadores)
__ Tá aqui, esse cara é completamente louco, disse ser uma pessoa e não é, pegou os documentos de um morto sabe-se lá como e está dizendo que é uma pessoa que está morta, aconselho interná-lo num hospício antes de seu julgamento como falsário, vai saber quais não serão seus outros crimes.
__ Meu Deus! Meu Deus! Não façam isso comigo, só pode ser um pesadelo, estou louco! Estou louco!
(Chega o SAMU, imobilizam-no numa maca, ele é levado ao hospital psiquiátrico)
(Passam dois meses e a investigação desfaz o mal-entendido, Ronaldo era mesmo Ronaldo, mas agora o próprio pensa que é outra pessoa, e ninguém consegue convencê-lo de que ele é ele mesmo e não outra pessoa).

31/10/2012 Paranoide (Comédia/ Série de vinte sketches para teatro) 

Sketche n° 1 – Uma História Escrota

(Na loja de celulares da operadora OK Phone)

Entra o cliente para comprar seu celular novo, ele se dirige ao balcão
Onde está uma moça, funcionária da OK Phone.

__ Olá, eu gostaria de trocar meu celular por um novo, quero ver as marcas, minha linha é de vocês da OK Phone, posso fazer isso agora?
__ Olha, você pode me passar seu nome, nós estaremos vendo isto para o senhor, qual é o seu nome?
__ Meu nome é Escroto.
__ Como, não entendi?
__ Meu nome é Escroto.
__ Pode repetir, por favor?
__ Meu nome é Escroto, entendeu agora?
__ Bom, não sei se entendi, acho que sim, mas não se preocupe, parece que o senhor odeia o seu nome, mas aqui estou trabalhando e preciso saber qual o seu nome, não vou julgá-lo pelo seu nome ou rir, prometo!
__ Você não está entendendo minha filha, meu nome é Escroto! Não entendeu? Es-cro-to. Fui claro?
__ Ahan ... bem .... não será possível efetuar a troca de seu celular se o senhor não me disser qual é o seu nome, o seu nome de verdade, já disse que não vou rir.
__ Caramba! Meu nome é Escroto e ponto! Vou ver aqui a minha identidade e você verá a verdade!
__ Bom, tudo bem que o senhor não gosta do seu nome, mas acho que essa revolta toda com o próprio nome não leva a lugar nenhum, você nunca tentou trocar de nome no cartório? Hoje eles fazem isso, e tem outra, tenho o cartão de uma psicóloga que pode te ajudar nesse trauma, quer o cartão dela? Tá comigo aqui, ela é uma lacaniana, vai entender o significado do seu nome, você sabe, esses lacanianos mexem com esse negócio de signo e tal ...
__ Porra! Cadê a minha identidade? Putz! Esqueci a minha identidade. Te juro minha querida! Meu nome é Escroto, Escroto! Ouviu?
__ Bom, não vou julgá-lo por ter um nome assim tão feio, toma aqui o cartão dessa psicóloga, ela é minha amiga e poderá te ajudar, mas você tem um problema sério com o seu nome, hein? Escroto é demais, deve ser mesmo um nome horrível, pois o senhor se recusa a dizer seu nome, poxa.
__ Você ainda não entendeu? Meu nome é Escroto! Escroto! Es-cro-to!
__ Ligue para esta minha amiga, ela é uma ótima pessoa e pode te curar desse trauma, e vá no cartório trocar de nome. Até fiquei curiosa em qual será o seu nome de verdade, tem tanto nome escroto por aí, o seu não deve ser mais escroto do que o dessas pessoas, acredito.
__ Agora vou deixar claro: Meu nome é Escroto Leite Azedo, Escroto é o meu nome de verdade, sempre fui zoado na escola por causa desse nome, cresci com esse nome escro ... bem, com esse nome ridículo, Escroto é o meu nome de batismo, entendeu agora?
__ Bom, você pode falar com essa minha amiga lacaniana, agora acho que entendi, seu nome é Escroto, Escroto Leite Azedo, bom, não sei se isso foi uma piada, pois se for, posso chamar o meu chefe, estou aqui trabalhando e não gosto de apurrinhação e ainda mais de um chiste desses!
__ É verdade, caramba! Ninguém acredita em mim! Meu nome completo é Escroto Leite Azedo, quantas vezes tenho que repetir isso? Escroto Leite Azedo, pombas!
__ Vou chamar o meu chefe, você não é uma pessoa normal, e odeio piadistas desocupados, poderia chamar a polícia, pois isso é um desrespeito, tem gente na fila e não vou mais te atender, passar bem, Sr. Sei lá o quê! Vai saber qual é o seu nome, mas você é um escroto mesmo!
__ Chega! Chega! Tchau! E toma esse cartão de psicóloga, nunca entenderão que o meu nome é Escroto, meu Deus, Escroto Leite Azedo, o que eu fiz para merecer isso? Que vida escrota! Que mundo escroto! Tenho que ir embora, tchau e até nunca mais!
__ Vai embora mesmo, seu escroto. Próximo.

31/10/2012 Paranoide (Comédia/Série de vinte sketches para Teatro)
(Gustavo Bastos)  

domingo, 28 de outubro de 2012

CAPOTE, A SANGUE FRIO

   Truman Capote foi um dos mais importantes escritores americanos do século XX, além de comediante. Escreveu contos, romances e peças teatrais e com o seu livro de maior sucesso “A Sangue Frio” entrou no gênero de romance de não-ficção que designa, também, o chamado jornalismo literário, que tem, além de Capote, na sua versão norte-americana, outros destaques, como Norman Mailer, Tom Wolfe e Gay Talese, estes três, junto com Capote, formando o time do “New Journalism” norte-americano.
   O romance de não-ficção de Capote “A Sangue Frio” seguiu este caminho literário de juntar um fato real, de repercussão nos jornais e na mídia em geral, e daí tirar um relato romanceado que sai do fato objetivo e busca entrar na subjetividade dos personagens, neste método se faz um estudo de pessoas reais que, no romance não-ficcional, têm suas subjetividades mais valorizadas do que o simples relato noticioso das manchetes dos jornais, pois o fato jornalístico, isento de um aprofundamento literário, o qual Capote faz em seu livro, apenas é um retrato objetivo e frio de um acontecimento, que repercute por um tempo definido, e depois cai no esquecimento, logo substituído por outros fatos.
   Esta voz interior dos personagens é ouvida no romance não-ficcional. Capote parte, em seu romance A Sangue Frio, do fato de um assassinato real, a morte da família Clutter, quatro pessoas assassinadas dentro de casa, seus corpos amarrados, nenhuma pista, a princípio, de quem foi ou de quem foram os assassinos, uma cidade tranquila do interior do Kansas em polvorosa, desconfiança total entre os habitantes da cidade, portas de casas que antes ficavam abertas, como as dos Clutter, trancadas, paranoia, pessoas fazendo vigílias em suas janelas, e enquanto isso, Capote faz um enredo do trajeto dos assassinos, Dick e Perry, ainda não descobertos, percorrendo os EUA em direção ao México, como se nada tivesse acontecido. Capote faz a alternância entre a história dos Clutter, e os caminhos feitos pelos dois assassinos após o fato brutal.
   A investigação começa, Dewey toma a frente do caso junto com seus detetives, começa a especulação e o exame das provas deixadas no local do crime, Dewey ainda não tinha qualquer pista de quem tinha feito aquilo. O assassinato tinha sido bem extremo, o chefe da famíla, Sr. Clutter, sua esposa, sua filha Nancy e seu filho Kenyon, todos mortos, nenhuma suspeita ainda, o namorado de Nancy logo foi descartado como suspeito, Dewey estava empenhado em resolver o caso o mais rápido possível, havia suspeitas de que tinha sido algum conhecido da família, o Sr. Clutter tinha dinheiro, mas a cena do crime não indicava roubo, ou pelo menos não dizia nada de que tinha sido um assalto, logo Dewey buscou possíveis motivos de algum desafeto do Sr. Clutter ter feito isso, mas nada foi provado, e neste ínterim, Capote alterna esse enredo com as viagens dos assassinos, Dick e Perry, em direção ao México.
   Capote utiliza no romance duas histórias que correm paralelas, mas que estão unidas pelo mesmo fato, um crime, e a história, que começa em duas pistas simultâneas, vai ficando cada vez mais interessante, o que se espera é qual será o momento em que este caminho duplo do romance se juntará, quando Dewey descobrirá os culpados e então na junção das peças, o romance junte o caminho duplo do enredo e se torne uma única história, a do assassinato dos Clutter e sua solução. É bem interessante notar que o romance de Capote tem um caminho duplo, mas o tempo inteiro se trata de uma única história, e o clímax é no momento em que esta história, que é uma, encontra a sua unidade, quando os assassinos são descobertos e o drama dos Clutter e da cidade e arredores em que morreram e a investigação encontram os seus algozes depois de um retorno tranquilo do México, sonhando com tesouros escondidos e passando cheques sem fundo pelo caminho.
   Depois da condenação de Dick e Perry, a grande questão do romance gira em torno da pena de morte, alguns dizem que é correto, outros dizem que não, mas o fato também traz a reflexão da tradição de alguns estados norte-americanos aplicarem a pena capital, e no caso do estado de Kansas, seria um modo de evitar a fuga dos assassinos ou sua soltura, pois neste estado a prisão perpétua poderia num momento, após sete anos, ser comutada em liberdade condicional, a questão da morte, assassinato, encontra a questão da pena de morte, assassinato legal. Uns matam e são criminosos, outros matam e são a afirmação da legalidade. Este paradoxo Capote levanta, mas não resolve. E o romance se encerra com a execução na forca, a lei matando os que matam, a pena capital para os que não tiveram pena da vida de inocentes, a morte ao mesmo tempo como coisa abjeta e logo depois como justiça e punição.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor. 






Link do texto na Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=1637&secao=14

sábado, 27 de outubro de 2012

O CAMINHO MÁGICO

Encontro a mim mesmo
no caminho,
pergunto à fada da curva
qual é a mensagem.

Do outro lado,
um duende maldoso
com as suas astúcias,
dele faço que não me
importo,
o poema na curva
da fada eu traço.

Caminho de mim mesmo,
pergunto ao meu duplo
de um futuro distante
como ele está,
ele sorri radiante
e eu não entendo
o porquê,
eu me vejo no espelho
e procuro
na minha face
a essência
de uma alma
que mal conheço
ou explorei.

27/10/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

A REFEIÇÃO DO MAR

O nardo reverbera no mar
com o descanso das ondas,
o lírio e o diamante
correm em silêncio sublime,
com os relógios que
se fundem às bússolas
eu sonho com o meu
porto seguro,

dama delicada
que surge
em seio farto
de seu mar e sal,
de seu coração
enlevado
de amor pelo meu
poema.

Diante do sol
que aterrisa
como um sonho,
eu vejo nenúfar
e pedra estrelada
de lápis-lazúli,
um caldo de berilo
e um jaspe
na flor do jasmim.

Nas ondas refulgentes
em temor de navios,
luta o peixe
com o arpão,
luta a miragem
com a ilusão,
e os pescadores
buscam
suas redes
como antevisão,

a mesa será farta
com a dor exaurida
do arpão,
um bom guisado
de indolor caça
para os que
comem,
e de dor devoradora
para os espinhos
que sobram
da vida do peixe,

outra noite estará
o pescador
nos dentes do tubarão,
a vingança do mar
em onda bruta
também faz a sua
refeição,

as carnes duras
na boca do tubarão,
o mar salgado
que silencia
no verão.

27/10/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

VIDA

   Dei um murro no corpo das belezas interiores, como um chacal faminto que urra na montanha dos prados e confins de campos pela noite. O instante nobre do vinho nos dá o sentido da vaga em minhas entranhas, olhos de sal na dor dos antigos poetas.
   Como é a dor na vasta poesia do sol? Como andar certo pela via da morte? O que resta a dizer senão terrores fúnebres em cantos de salvação? Como estarei salvo? Onde há o altar em sacrifícios de sangue?
   Eu tenho o mapa da fuga para Meca. Eu vejo a planície se abrir no deserto do Saara, eu tenho em minha alma a miragem que sonhei em noites de acampamento pela selva dos meus amores. Eu tenho o meu amor, ela está salva, e ela me salvou! Tenho fé em todos os ritmos de minha pena, tenho ódio em todas as quedas que não julguei, tenho o silêncio nos meus oráculos de profetismos de Cassandra. Eu sou a nuvem que honra a tempestade em notas de profundo temor, eu tenho a chama violeta nas horas desejadas do cadafalso no qual não dormi, eu matei o selvagem que olhou meu coração, eu honrei todas as damas que amei.
   Não há irmão meu que não me tenha em bom apreço, os tenho em mim como medalhas no meu peito, vejo a inocência de seus sonhos como os teria tido, e os vi em sucesso por meu desejo febril, eu andei pela estrada com o vigor de um cavalo a galope, senti cada fogo de meu verso em tons de melancolia, tudo matei do que não me servia, visionários, eu estava na noite azul dos ataques inesperados, não voltei à cena do crime não consumado, pois Deus fez do crime a sua vingança, e eu me vinguei com as mãos divinas. Tudo de poetas e poesia eu tomei ao meu talante, depurei todos os odores das palavras, remontei todas as astúcias de acordo com o sentimento nobre da arte que moldei em trabalho duro e incessante, assinei com o meu sangue o dia e as horas em que fiz todas essas andanças, a minha pena não descansa, a tudo responde com morte e vida, esperança de eternidade e fundo riso de comédia.
   Lembrei das amadas flores que deitaram na praia vermelha, na hora do recreio das almas desamparadas, eu lutei pelo amor verdadeiro que eu creio, eu creio no amor libertador, como um anjo que desce ao meu peito e me alivia das caçadas em que me metia. Eu honro esta mulher como o firmamento em que descanso os meus olhos e minha alma, eu a tenho para o repleto sonho de verão, para a salvação que a alma adora e louva, para que nada tenha sido em vão! O Espírito está comigo, e eu a tenho em espírito, do corpo só o prazer, da alma a eternidade que sobe para o sol místico, o amor é uma dança de corações solitários que se apegam, o acordo de almas é a dança funda do coração, tudo está nas mãos divinas que me salvaram e me levam a este amor, eu creio, e muito tenho buscado, uma busca insana que se joga no mar revolto, e que retorna na praia calma da aurora, eu vejo a aurora, eu sinto a forma bela com que a canção será composta, o seio do mundo receberá o sonho infinito que derrama da pena, tudo por um amor que nos dá o sentido que tanto queremos, que tanto lutamos, que tanto fugiu numa noite ao luar, eu vejo claro a sanidade com uma festa nos olhos que se veem, que não se perderam de todo, que se encontram novamente neste todo que chamam vida.
   A luta que invade as trevas passadas são ódios ancestrais de palcos mortos com a chama que exauriu de padecimentos sem fim, a lágrima não valeu um níquel deste coração negro que me subjugou, não tenho nenhuma lição nobre em ficar na masmorra com os dentes em transe e a dor do mistério de se aproximar da morte, não olho o estrelato com paixão, a paixão horrenda com febre e desespero não me mataria, mas foi por pouco, o instante transfigurou-se em anjo na hora do fogo eterno, e o inferno recebeu a inveja rindo do fracasso de um verme cego e corroído, nunca se teve tanta inveja na poesia, a História definiu os poderes para quem tem e não para quem quer, e a pena ficou viva em pranto de dor subjugada pela mentira que a partiu ao meio em puro horror, a revolta cresceu em dores extasiantes, a lágrima correu como rio em todo o tempo de espera, as armas ricocheteavam no pensamento devorado pela dúvida, mas a justiça e o amor de verdade nos salva, eu salvo o meu amor e o meu amor me salva, não tenho medo dos derrotados, a nuvem passa e os versos ficam, toda honra do mistério é um fogo que nos dá a vida em toda a sua plenitude, não há juiz que faça da morte a justiça, pois a vida é que é justa para quem nela crê. O amor não é metafísico e nem corpóreo, é só uma conversa tranquila entre corações que se conhecem e que se entendem, não há mistério e tudo se explica com o próprio valor da vida, o fundamental está manifesto, os olhos vão ver, e os corações vão na valsa como se nada mais importasse. A poesia pode estar certa, a certeza é a alma que reconhece o que há de eterno em cada instante, muitos passam cegos, sorte dos que têm olhos para ver, destes são o mundo, e o mundo e a vida são fiéis par aqueles que creem. O sol está nascendo, e o caminho é de luz, luz que não se explica, o sol está nascendo, e a luz ilumina tudo, eu vejo, e agora tenho a razão como sustento de minha visão, eu vejo e nela creio. O amor é o instante que é eterno, a cura de todo deserto, quando a vida se torna música e o sol vem mais para perto. O coração se eleva e a poesia se revela. A flor está no jardim da esperança e a canção brota com verdade. Verdade que tudo muda, verdade que nos faz ver.

27/10/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

  

terça-feira, 23 de outubro de 2012

EUDAIMONIA (PARTE III)

[soneto alexandrino]

Canta o rouxinol na beleza das mortalhas,
com os concertos tão maviosos nas folhagens,
que crescem poetas sãos nas flores tão violáceas,
e sinto espanto no amor lívido em miragens.

Encanta o frio lento em canção de mãos pesadas,
em leves pés no chão que encontram luz de poeta,
e o farol sonha no estro virgem das lufadas
onde se diz voltar o tempo da voz quieta.

Vinha dormente em paz com o dia, dor sofrida
nas ribanceiras dos rios negros como espadas,
cortando a raiz pobre e florida que vem hirta,

E que nos dá bruma em desejos de sedentos,
quais desesperos vis na queda em plagas largas,
pois se viveu morte em viventes loas de ventos.

22/10/2012 Sonetos da Eternidade
(Gustavo Bastos)

O DIAMANTE DO CORPO

[soneto decassílabo sáfico]

Pensar é lúdico ritual do tempo
que se faz no caminho livre e torto,
como dançar a valsa viva regendo
uma ode alegre com o vinho absorto.

Penso o dia mais duro de viço intenso,
e crio temor ao vale fundo e frio,
com ares de montanha bruta em vento,
qual liga forte e dita pedra e vidro.

Quebro-te toda, diamantada estrada!
Que não levou meu corpo e mente morta,
mas deixou leve o poema que chorava.

O tempo vira na canção de brio,
com sol e céu total que nos revolta,
enfim ficando na dor o vazio.

22/10/2012 Sonetos da Eternidade
(Gustavo Bastos)

GALOPE EM BRIO

[soneto decassílabo heroico]

Ouço gritar o rito das valquírias
num mar de sal ao vício dos cavalos,
e olho lânguido brilho nos meus passos
como morte e terror nas vãs desídias.

Eu canto o estro vil com as perfídias,
ventanias e mortais dias de vassalos,
com correria e pujança em tons devassos
na carne da égua livre em flores pífias.

Vai o cedro do portento viril trote,
como forte em veloz tiro e galope,
honrar as nossas luzes por labor.

Vejo o céu da cor negra do corcel
em tropas de guerreiros de valor,
que morrem de vigor com brio e troféu.

22/10/2012 Sonetos da Eternidade
(Gustavo Bastos)