PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 4 de junho de 2014

ATLAS

Sirvo ao tempo ao breu e ao silêncio.
Estante arrumada de desenhos,
outra época dos enamorados,
planta da derme arrepiada,
as flores são como antanho,
nada consta aos nenúfares
sobre o lago espaçado
que a nuvem pousa
e recita o carvalho
quando a noite cai
nas benditas ondas
do pomar que,
no alvo exato,
desaparece
com a neblina
do frio
que gela
o olho opaco
sem vidência
ou certezas
de inferno,
o que molha na chuva
é o que fica
nos ombros
do atlas
ao ver os pés
do arquipélago
longe do litoral.

04/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

MANTRA TÂNTRICO

Levanto ao tantra, morte exaurida
nos cântaros improváveis,
Edo desenhada em porcelana,
samurais danados ao inferno
do harakiri.

Fonte, tu és mestra d`água,
de rente ao protoplasma,
do núcleo senso crítico
da noz em uma mão,
do sentido vívido
da antevisão.

Canto ao tantra, flâmula anarquista
de seus bakunins em revista,
flora tântrica da dor vetusta,
ósculo da flor matizada
no campo sem fim
dos olhos de fogo
que o poema
batizou.

04/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

BORRÃO

Lepra, assim acidental,
a tese incidental
desdenta
a mordida
qual
furo no peito,
permeio os tempos lugares do sofrer abismo,
e temo pelo meu pecado
como o iconoclasta
das imagens barrocas
de tempos futuros
na borra de café
aonde o futuro
é sujo e tem poeira.

04/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

VIVENDI PÓLVORA

Me diga a quantas anda a aposta do bilhar,
remonte a chuva lá fora sob o canto esguio,
da fonte retraída desminta o algoz,
sua febre poeta calcula a desritmia.

Frio de poema retinta noite ao estelar holocausto,
morte do universo nas mãos frias do poeta,
qual abismo ao pomar das alfaces e tomates,
um vinhateiro bêbado palrador de esquisitices.

Me diga o fundo da bruma nas minhas "ais" dores,
quantos dias são necessários para recapitular
todos os outros dias vividos,
e como a flora matinal verdeia de roxo
o pantanal, e a flor dá fruto
como um limpo campo invernal.

Sois assim, vós outros dos ignaros emblemas,
de mim ao peito fundo e oco,
restou a pólvora sobre o mar morto.

04/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

terça-feira, 3 de junho de 2014

FILOSOFIA IMPURA

Condensando o sofisma, parte de um todo frio,
cai a falácia, o silogismo escanseia o frio.
Sócrates, o filósofo, perturba o tecido
dos deuses, seus juízes do Areópago
perdem o feitio, seus jovens corrompidos,
a flâmula retida no peito dos adoradores,
quem dirá à Astarote, à Moloque,
seus devaneios?

Perde-se em Platão o tino heracliteano,
sete sábios e a manta pitagórica
revida em metempsicose
suas litanias,
mesmerizo Tales, refulge Anaximandro,
e de teologia às referidas encíclicas,
um século de sangue sob o index,
o riso de Aristóteles
em mãos árabes,
nada ao albor de Meca,
Avicena e Averróis,
fada judia, Maimônides,
eu e meu gládio,
seguro o pranto da filosofia
e grito por Homero,
o cego Tirésias
de poeta e de homem-lenda.

03/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

PINTURA DE NOITES BRANDAS

Procuro as formas encantadas,
o que o plenilúnio falseou
de rumo ao luar da catarse,
o que, de modo vil,
o arquétipo de um crânio vermelho
como lava gritou de seu magma
a estupefata flor.

As formas aviltadas do comando perdido,
luzes semi-mortas das montanhas
e o sal fulgura sob elmos e dízimos,
a ária frondosa invade o átrio,
socorram-me as sereias de vento e mar!

Procuro as lendas sem destino,
o livro estrelado de fúria e paixão,
quando o amor náutico
serpenteia rima de féretro
com o coração lutando defronte
ao riso de poema na nave fendida.

Procuro o rito fundador
de meus olhares dispersos
em deserto de dor
quando a meia-noite
borra de tinta acrílica
meus sentidos embriagados.

03/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

ALVORECER DO POEMA

Plano bem estruturado:
uma mão escreve,
outra acaricia.

Uma boca bebe e a outra beija,
dois sóis como na moldura,
abre-se o oceano, gelo e terror.

Eram como nas figuras de antanho,
vários orbes na funda dor do espaço,
o dorso do Homem,
sofrimento do tempo,
de ser tempo e morte
ao aguardo do eterno,
de ser ente ao limite
de seu grito,
de ser o nada
à espera do total.

O plano vingou e secou:
uma mão se imortaliza
como obra escrita,
e a carícia ferve
em forma de poema.
É o vulgo dia ao nada,
com a esperança repleta,
com o albor da plenitude,
como na alvorada.

02/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

FERINDO ENIGMAS

Eu esperei o sacrossanto dia,
desde o solstício de minha lua final,
desde o monte gélido da alma e do amor.

Com os corpos eu bailei, nos sóis das honras,
nos sais das brumas e no feitiço da noite.

Elevo meu karma, ondulo a canção
como ondina e como nereida,
como ode a Odin,
odisseia,
orgia, autofagia,
como osso, nódulo, faca, dorso.

Elevo a alma, tal o karma findo
de maldor quão funda obra.
Venho do rio calmo e castanho
de um descanso sempiterno,
onipresença da estrela polar,
febre do ártico
como um lapão, um mongol
das tribos de khan,
como fúria de zhou
recitando Confúcio
na paz do Tao.

02/06/2014 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 1 de junho de 2014

SELFIE

   Selfie é uma palavra em inglês, um neologismo que tem origem no termo self-portrait, que significa autorretrato, e é uma foto tirada e compartilhada na internet. Atualmente, no fenômeno da internet, a fotografia se tornou veículo popular e banalizado, uma arte que desafiou parâmetros do conceito do que seja arte, em fins do século XIX, e que tem mestres como: Alfred Stieglitz, Edward Steichen, Brassäi, Henri-Cartier Bresson, Robert Capa e o nosso Sebastião Salgado, dentre muitos outros.
   Agora, com a transição da fotografia analógica, a crise da Kodak, e a expansão da fotografia digital, que se tornou incontornável com  o uso de smartphones,  há um processo viral de "quem tira mais fotos". E o melhor (sic), isso dá likes e temos o Instagram de prova, linkado com o Facebook, de preferência.
   Não tenho a menor pretensão aqui de fazer o papel de "cagador de regras", de dizer o que é certo e errado nisso, até porque não se tem o correto ainda neste fenômeno de quantidade e redes infinitas de fotografia, via smartphones e suas conexões com a internet e suas respectivas redes sociais. O ponto de crítica seria mais no sentido de tentar exatamente auferir sentido ao que seja uma fotografia. De que, se eu postar o meu almoço diário na minha rede social não faz sentido só para mim, mas também, para meus amigos ou para quem me segue.
   O selfie, por seu turno, seria o ápice deste questionamento que deve ser feito, sem uma posição radical contra, mas sem o deslumbramento de que este fenômeno é vítima. Postar "toda a sua vida" na rede social faz bem ao ego, pode influenciar pessoas, mas faz um sentido maior? Tudo bem, o twitter pode funcionar como uma agenda biográfica e de rotina, hoje tenho até maior moderação com isso e meu twitter até se tornou mais irônico e ambíguo. Mas, vale colocar centenas de fotos nas redes sociais com uma assiduidade que talvez diminua ao invés de aumentar a percepção do que acontece na vida das pessoas? Faço as perguntas que acho pertinentes, não sou dono de nenhuma verdade, e nem venho responder estas perguntas, pois elas são um mote de reflexão e não um jogo certo de certezas absolutas.
   A fabricação da felicidade no Facebook linkado com fotos do Instagram, por seu turno, mexe com o conceito de felicidade, que remete, por sua vez, em tempos de redes sociais, com a exibição de si ao mundo (nada mal, por sinal), mas temos crítica? Ou melhor, temos algo a dizer que mude alguma coisa?
   Nada contra a felicidade alienada, nada contra o ser feliz de fotos diárias, mas isso tudo é verdade? Ou seja, vincular sua felicidade com exibição de fotos de selfie não seria algo vazio, na verdade? O duck face, paroxismo do selfie, não seria, como Nietzsche diria, um movimento de rebanho? E, para despertar esta felicidade em direção ao seu irmão rejeitado, o senso crítico, não podemos moderar nossos costumes? Não julgar o excesso, mas saber que as fronteiras da vida são bem maiores que os gestos pré-fabricados e midiáticos.
   A exibição do ego deveria ser alicerce fundamental de construção crítica, trabalho filosófico e de informação, dentro deste limite expansivo de consciência nos tornaríamos melhores, não só em sentido de felicidade, mas em sentido de transformação do mundo, em clareza e distinção cartesianas com doses extravagantes, e bem dosadas, da plêiade que explode dionisiacamente de tempos em tempos. O movimento de criar sentido deve ser imediatamente empreendido, e trabalhar a felicidade em função do sentido. Tal trabalho crítico tem que romper com essa tessitura fotográfica que não se torne só uma fabricação do ego ao gosto do freguês, ou seja, o que o próprio ego trabalha como imagem. O vício embutido neste jogo de aparecimento fotogênico se esquece de seu profundo nada existencial na fronteira muitas vezes irreal que se perde em algumas curtidas e, voilá, viramos lixo digital.
   A construção de sentido deveria ser o significado da felicidade. O selfie pulveriza a felicidade e o sentido. A fotografia se torna um registro hipnótico na qual as redes sociais são as mais atuantes e assíduas. Por exemplo,  se posto filosofia tenho alguns likes, se posto foto tenho mais, e isso é bom. Mas o sintoma que tento identificar, amiúde, é a relação do conceito de felicidade com o exibicionismo, e retrabalhar esta exibição com fundo de crítica, talvez o abismo e o céu da vida aprofundada como experiência radical de conhecer a si mesmo no meio do furacão do mundo, sem culpa existencial, só como estar nesta jornada consciente, bem informado. O despertar é sinal de saúde, e eu quero esta saúde.
   O selfie, com seu duck face (a imagem da foto mandando beijinho), movimento de rebanho, poderia levar Nietzsche a arrancar os bigodes, e levá-lo de criticar o rebanho cristão ao rebanho da "nova fotografia", que, por fim, deve ser bem aproveitada sim, mas o critério é o filho da razão, e sem senso nada se torna, tudo se dilui.
   O ponto a se pensar melhor é de que, assim como está ocorrendo um excesso nos rumos das artes plásticas, por outras razões mais históricas, a fotografia também passa por uma mudança radical, a qual não se pode prever os efeitos, mas, filtrando tudo isso, os artistas e fotojornalistas ainda são o sumo de que se alimentará a fotografia como ação histórica, e não no universo previsível do selfie.
   O beijo mascara o rebanho, e a fotografia vai ao fundo mais do que à superfície. Usemos nossos smartphones bastante sim, mas sem ser uma fábrica risonha sem fundo de verdade. Construamos o sentido, felicidade sem sentido não é felicidade, ser feliz é saber de que fúria, dor, pranto, e crítica, também fazem parte deste plano chamado mundo. Sorria na fotografia, mas não deixe de olhar o mundo lá fora.

01/06/2014 Crônica
(Gustavo Bastos)