PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

CANTORIA NA ESTRADA

O trajeto se estende pela planície.

Esta rota longínqua, longa.

Hoje escrevo a platitude 

de meu poema na ira

de marte e nos dons

de saturno.


Alvíssara, como na noite estrelada

deu para ver uma estrela cadente,

a abóbada limpa do interior,

este paraíso da estrada sem fim,

da noite eterna em que 

a cantoria em volta do fogo

sempre foi de visões

ancestrais, num bruxulear

final que o magma 

da vida aspirou,

o peito cheio de amor,

e os olhos alegres,

na prata que estalava

nos dedos.


06/10/2023 Gustavo Bastos


A FANTASIA (SOBRE A ARTE)

A beleza salvará o mundo” 

(Dostoiévski em O Idiota)


Do ferro a dilatação lhe formata.

Se antes fosse o poema

uma promessa da vida …

todo saber me daria

a substância do viver,

de uma sabedoria plena.


Contudo, a fantasia da arte

nos dá o que falta, apenas

por uma prestidigitação,

por um encanto,

a tomar da vida

o que falta.


A arte serve

para revestir

o mundo de vozes,

para sair do vazio

e do desamparo,

a dilatar a morte

e a vida.


Este encanto,

este truque, que o artista

mui ladino domina

os hemistíquios,

em transe encantatório,

salva o mundo.


06/10/2023 Gustavo Bastos 


ESQUADRÃO DA MORTE

Estão à toda com a caveira e a milícia,

se tem banho de sangue e vende-se plasma.

Da pá virada, o loucão assunta na noite

e fica que nem cão tarado na pista.


Vem veloz a morte, encomendada,

planejada, é a arte do ardil em seu opus.

Pois, uma camarilha acompanha o chefão,

e o tribunal é capital, cortem-lhes a cabeça,

já dizia a cúpula, estalando os dedos

e bebendo uísque.


Na festa dos peraltas, trajados

com apuro de almofadinhas,

o colarinho cheira a coca,

e os olhos na mira e o bico

de pato da arrogância,

sem o céu da boca.


É uma noite louca,

dos eleitos e danados,

da elite tonta de champanhe.


Assim o sangue é mais doce

qual plasma, de lá, no lado

da guerra, o sangue é amargo.

Lá, o sangue é gratuito,

não se vende, pois a morte

é comprada, a preço caro.


06/10/2023 Gustavo Bastos


LIRA COSMOLÓGICA

Eu reiterei a posse de minha honra,

na verdade que o êxtase me guia.

Por toda a sagrada caminhada,

de joelhos em Fátima para

a revoada, toda a gana

da alvorada e dos auspícios

conquistados.


Seara celeste, na canção noiteira,

com o coração e a veia,

à toda trova bendita

que no mar se voa.


Logo estarei anjo,

por dentro de meu

arcanjo, como um poeta

de cítara, a fundar na lira

uma busca de elixires,

de poções, de visões.


Pois assim está o anjo desperto,

das asas a poesia potente,

de seu voo o céu da verdade,

o santo cálice da imortalidade,

a eterna bruma de orvalho

dos estetas.


06/10/2023 Gustavo Bastos


quarta-feira, 4 de outubro de 2023

MEIO AMBIENTE - PARTE III

 “A convergência buscada pela Cúpula da Amazônia é a da construção de posições coordenadas"


O Dia do Meio Ambiente, em 5 de junho último, serviu para que Lula e a ministra Marina Silva se juntassem para anunciar medidas que visam reverter o processo de desmonte do setor feito pelo governo de Jair Bolsonaro. Lula assinou uma série de decretos para a proteção ambiental, no esforço pelo desenvolvimento sustentável. Um dos destaques entre os decretos foi a suspensão da medida provisória (MP) que deixava vulnerável a proteção da Mata Atlântica, o restabelecimento do Comitê Interministerial sobre Mudanças do Clima, a criação do Conselho Nacional para a COP 30 das Nações Unidas, dentre outras medidas importantes.

Um anúncio mais importante ainda, contudo, foi o do lançamento do Plano Amazônia : Segurança e Soberania, com Lula destacando que governadores, prefeitos e a sociedade civil serão ouvidos durante o processo. Este plano visa a proteção aos povos indígenas, demarcação do maior número de territórios possível, incentivo às atividades econômicas sustentáveis, para que se estabeleça um novo ciclo de desenvolvimento e combate à desigualdade.

O Brasil tem destaque na luta pela defesa do meio ambiente e contra as mudanças climáticas, e isto apesar do hiato que foi o período bolsonarista no Executivo. Nosso país tem papel preponderante no cuidado dos biomas, pois temos a maior floresta do mundo, a biodiversidade mais rica, uma matriz elétrica predominantemente limpa e renovável, com a ampliação de investimentos em energia solar e eólica. 

O Brasil retoma este protagonismo mundial no meio ambiente já com uma agenda pronta que envolve a COP 30, cuja sede será em Belém do Pará, que foi precedida pela Cúpula da Amazônia, realizada em agosto deste ano, também em Belém, no Pará. 

A Cúpula da Amazônia, por sua vez, teve a participação de oito países signatários do instrumento, que são, além do Brasil, os países da Bolívia, Colômbia, Guiana, Equador, Peru, Venezuela e Suriname, além de representantes de países convidados e de organismos internacionais, incluindo a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica). A Cúpula foi precedida pelos Diálogos Amazônicos, que incluiu mais de 300 eventos da sociedade civil. 

O objetivo da Cúpula da Amazônia foi a adoção da Declaração de Belém, que visa estabelecer uma nova agenda comum de cooperação regional para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, conciliando a proteção do bioma e de sua bacia hidrográfica, inclusão social, estímulos à economia local, valorização dos povos indígenas e das comunidades locais.

Além disso, ainda se faz necessário o fomento de ciência, tecnologia e inovação, e também o fortalecimento da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), organização internacional com sede em Brasília. A convergência buscada pela Cúpula da Amazônia é a da construção de posições coordenadas nas negociações multilaterais em temas ambientais, começando pela COP-28 do Clima e pela COP-16 de Biodiversidade. 

O texto final da Cúpula, contudo, ficou devendo em pontos fundamentais do tema ambiental, uma vez que não se alcançou nada em termos de metas claras, ou seja, que tenham prazos estipulados para a sua efetivação, o que foi coberto por algo vago e evasivo como “consensos progressivos”, confiando muito na sensação geral de ameaça ambiental, como se esta fosse o suficiente para apostar em compromissos firmados para consensos futuros para “não impor a vontade de ninguém”, o que é uma visão um tanto frouxa sobre metas e clareza quanto aos objetivos reais de uma conferência como esta. 

Por exemplo, não existem metas comuns de desmatamento, medidas concretas para evitar o ponto de não retorno da Amazônia, e não teve veto da exploração de petróleo na região. Um dos pontos em que se pode ter um norte mínimo é no compromisso de criação de diversas instâncias de fiscalização comum para fortalecer a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica). 

Em relação a falta de metas comuns de desmatamento, a Declaração de Belém deixou como perspectiva factível, no entanto, uma iniciativa inédita de compromissos de linhas de financiamento para substituição de atividades nocivas pelas sustentáveis na região. Tal medida  seria efetivada, por exemplo, em fomentos como o estipulado em US$ 25 bilhões pela articulação de 19 bancos, com a liderança do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), com a ideia não somente de disponibilizar crédito como de estimular o crescimento do setor privado.

A importância da união dos países amazônicos, entretanto, é o que move a Cúpula da Amazônia, pois se estes países entrarem em consenso antes da COP-30, em 2025, zerando emissões de gases, desmatamento e degradação florestal, serão os primeiros países do mundo a atingirem as metas estimadas no acordo de Paris. 

Por sua vez, para se ter uma ideia do problema, da solução e de seus impactos, devemos saber que a Amazônia não somente é responsável pela regulação e estabilização climática da região, como do mundo, e a conservação de seu bioma e de sua bacia é vital para a sobrevivência de 10% das espécies conhecidas na superfície terrestre. 

Contudo, o chamado ponto de não retorno tem que ser cada vez mais combatido, uma vez que as taxas de desmatamento alarmantes, a degradação do solo e as mudanças climáticas dificultam cada vez mais a capacidade de recuperação deste bioma, o que pode levar ao estágio de não retorno ecológico, que seria a desertificação da Amazônia. 

Medidas possíveis para combater os problemas ambientais da região, por fim, passam pela cooperação regional em matéria de dados, e a efetivação do desenvolvimento sustentável em toda a região. Outras medidas importantes são o desenvolvimento da bioeconomia, o combate de ilegalidades e de crimes ambientais, além de acordos entre o poder público, o setor privado e as comunidades locais, que devem cooperar e convergir para o bem comum da Amazônia.



Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/meio-ambiente-parte-iii 

terça-feira, 3 de outubro de 2023

AS HORAS DO SOL

(POEMA EM PROSA)

Sentado diante do livro, uma luminária sutil vigiava a noite translúcida pelo cetim e pela seda. O poeta imaginava o seu próximo trem, qual vagão e qual visita. Enobrece a alma o vinho. Se tenho muita matéria em que me apoiar, foi porque fiz tudo em prazer e um misto de alegria e dor. Pois, a penumbra não compromete a minha paisagem, nem muito pode contra o sol que desenhei. O poema tem astúcia, ninguém governa seu galardão. 

Se observava na viagem dos degredados estes silvícolas que murmuravam rezas inauditas, um trovão tomou de posse uma entidade que parecia uma caveira, e urrava na madrugada chuvosa diante de uma fogueira protegida por folhas de palmeira, e gritos tribais cercando a cena como numa viagem dos descobridores. Anotei esta passagem em meu caderno, era seção 3.2, capítulo 9, onde eu falei do mundo selvagem que a veia literária deixara escapar ao beijar o mármore e seus sulcos, beijar os balaústres e suas abóbadas, e toda uma gama de florilégios, floreios, rame-rames de arpejos, veios talhados para dândis frufrus etc. Todo o magma ainda vivia sob a crosta, a borbulhar no manto, com sua fúria primal.

Fumava meu ópio diante da nau, e via na minha parede a moldura que sustentava uma escopeta. Objetos de caça, facas, adagas, uma coleção de relíquias, e um cheiro de pólvora na qual matei algozes e sabujos no poder de minha máquina. Escrevo a sorte, debulho este sequioso canto de verdor, e o jardim da delícia está qual éden em seu encanto, vendo o porvir em sabores solares, como na harmonia de um cântico. 

Tânatos ainda provocava seus dissabores, toda a aleivosia e a perfídia dos mendazes reinavam nos capitólios e assembleias, tomada por uma turba amarfanhada entre o butim e o fausto fátuo do poder. Eis o reino : seu ídolo, sua matilha, sua alcateia, seus mártires e seus bobos. Um reino de bazófia blasonada entre os mui amigos e inimigos fatais. 

Veio a turbamulta que é uma malta na mamata dos nababos aos borbotões, a fazer da terra uma morte de sal e provocar a devastação dos sonhos em que esta terra teria um dia sido fundada. Se perdeu no tempo o códice em que se registrou como na pedra angular os valores que foram tolhidos na famélica escala da ganância. Esta escala astronômica de uns pavões escalafobéticos. Monumentos do mau gosto de uma elite rebuscada, com cheiro de castiçal e mobília de mogno. A fazenda fundamental em que a demência virou virtude. E as colunatas lívidas de uma paródia da Hélade. “Bullshit”, como dizia o poeta boêmio que bebia.

Deixe esta lamúria azinhavre, destes derrotados na lona, que choram a própria frouxidão, com os ossos que doem mais que a ressaca moral de seus ardis manjados e exterminados. O poema tem com a poesia este fulgor de prorromper os rios e seus cursos, de fluxos como decisões que correm em sua correnteza, impassível, e que se destina ao mar.

Os livros escritos na nova era, pois, ainda estão na confecção, qual a nuvem de prata que ainda nasce, mas já vive e respira. O tempo diz coisas, e a confiança na plenitude dos desígnios é como saber que “Ele” está morto, subjugado e derrotado, sob os pés da Arte. Eis a inveja e sua sevícia, e o suplício necessário da magia negra. Pois bem, haja confetes na saída, ao mar que me liberta e me salga, ao horizonte que meus olhos se acham ao invés de se perderem, horizonte da vida a ser vivida, de um poema a ser escrito, de uma galhardia talhada no desassombro da certeza.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Data : 03/10/2023 Poema em Prosa