PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 10 de agosto de 2024

A FESTA DO VINHO

 Dante era um mecenas, um dândi também, se ocupava de frivolidades ao mesmo tempo que ajudava alguns pintores que ele achava de vanguarda, ia contra estilos datados, rococó etc. Ele tinha uma irmã mais nova, Lara, que era uma dama também herdeira, de família tradicional, e como Dante, também dada às frivolidades, e que tocava piano nas festas que Dante patrocinava, e era Lara uma espécie de musa coletiva desses artistas, apesar de Lara só ter se relacionado com o pintor de nome Wagner Toscanini, que era um vulto em expressionismo abstrato e já estava rico, mas que tinha começado completamente fudido nos pequenos ateliês da cidade de Montparnasse, depois de ter vindo da miséria social de uma família paupérrima no Piemonte, e agora morava perto da mansão de Dante.

Foi Dante que colocou Toscanini nos circuitos das artes da Suábia e de Rochelle, tirando este grande pintor das sombras do anonimato. Os artistas da Suábia e de Rochelle concorriam com os artistas de Palas Athena, e eram duas escolas diferentes, uma expressionista, da Suábia e de Rochelle, e os neo impressionistas de Palas Athena. Dante morava em um bairro nobre da Suábia e tinha imóveis em Rochelle e na Lombardia e no Piemonte. O bairro nobre em que Dante morava era Normand, onde só tinha casas grandes e jardins, e um rio de nome Lache Martin que cortava praças e bares noturnos. O bairro boêmio era no meio do curso do Lache Martin, e lá havia ainda um centro de cultura de nome Paladina Victoria, onde reinavam bares e restaurantes, na parte principal do curso do Lache Martin. 

Os amigos pintores Wagner Toscanini, Helder Hering, Victor Manzano, León Braga e Téspis se juntavam aos músicos/maestros Von Barten e Igor Kinski. Havia também uma escultora muito amiga de Lara de nome Niandra LaDes, que era lésbica e viciada em ópio, e que vivia antenada com os últimos ditados da moda, que tinha como grande centro a cidade de Rochelle, onde morava. Todos estes nomes que citei eram habitués da casa de Dante e de suas festas e amavam Lara, que era a figura mais carismática de toda aquela patota. Dante tinha, por sua vez, um pedantismo e afetação que não desapareciam nem com seus estudos realmente profundos sobre diversos temas, pois ostentava uma baba de intelecto mal ajambrada que soava arrogante e deslumbrada ao mesmo tempo, pois não sabia levantar temas com naturalidade, sempre era tomado por um tipo social tal um marchand explicando filigranas não pedidas para se exibir, e com imbricações ruins, caricatas. 

Niandra LaDes, por sua vez, organizava desfiles da última moda de Rochelle, tanto lá, como importava estas novidades para a Suábia, sobretudo em Paladina Victoria. Niandra LaDes também tinha influência oriental e sempre praticava o za zen ao acordar e passou este hábito para Lara, enquanto Dante, centrado em seu umbigo cultural, vivia sempre no universo “pronto” da Suábia e de Rochelle, só saindo destes centros para ficar num sítio frio na montanha de Blanchon, onde não tinha quase nada, e num terreno cheio de jardins e chafarizes e piscinas naturais de pedra. Niandra LaDes ainda trazia de Dankali e de Sri Brahma, dois locais místicos do oriente, pequenas esculturas, cachimbos e narguilês que mostrava e dava alguns para Lara e incluía estes exemplares para os seus estudos e criações em escultura. Ela ia para o oriente de navio, e depois por um longo caminho num comboio de cavalos, sendo levada por nativos, e sendo guiada por um mercenário de Dankali que ela conheceu em sua primeira ida para estas paragens. Dante se ria destas histórias da Niandra LaDes e vivia em seu dia livre de milionário herdeiro na Suábia, tendo festas em casa ou na Paladina Victoria. 

Os estudos de vanguarda de Toscanini avançavam bastante, só tendo paralelo com o que realizava em quantidade e profundidade seu colega Victor Manzano, ao passo que Téspis pesquisava muito do que vinha de fora, tapeçaria de Fontaine para mimetizar em seus trabalhos e alguns resquícios de Arte Romana, num caminho meio Casa Pound, de um grupo de ativistas fascistas que praticava a violência política urbana no Piemonte, na Lombardia e na România. Estes selvagens que, por vezes, vinham até Rochelle para fazer um quebra-pau com os jovens do Resistência Social que era da periferia de Rochelle, moradores de bairros pobres e mal ajambrados. Téspis também começou a atuar como cenógrafo para peças de orientação fascista, sobretudo de um dramaturgo lombardino de nome Gennaro Messina. Dante, que vivia muito das benesses e frivolidades em seu habitat na Suábia, simpatizava com as botinadas dos jovens loucos do Casa Pound, e sabia que na Suábia e em Rochelle já atuava neste caminho fascista o grupo local Flor de Orleáns, de dupla sede e dupla origem, com duas lideranças, uma na Suábia e outra em Rochelle, e uma célula que já atuava na Lombardia. Quanto aos membros deste Flor de Orleáns, Toscanini, um socialista, os chamava de novos porcos que cheiravam o rabo da România, do Piemonte e das regiões da Lombardia, uma imitação barata do Casa Pound, só sendo superado em canastrice pelos novatos e famintos Os Mastins, uma patota ridícula, “com machadinha e correntinha girando”, como dizia Toscanini. 

Victor Manzano era nascido no Piemonte, assim como Toscanini, e ambos se conheceram na infância e vinham de áreas pobres do Piemonte. A família de Toscanini, por sua vez, tinha origem do interior da Lombardia, e este sabia bem das origens do Casa Pound e toda a sua ideologia requentada dos Capas Pretas, grupo terrorista que resgatava valores de poder supremo do Império Romano. Se inspiravam no Casa Pound também um grupo novo de delinquentes da Suábia, como dito por Toscanini, uns idiotas alienados que se autointitulavam Os Mastins, e Toscanini, junto com Manzano e Niandra LaDes, por sua vez, conheciam um jornalista que combatia o Casa Pound, e que já sabia dos movimentos do Flor de Orleáns e de Os Mastins em Rochelle e na Suábia, um jornalista que atacava tais grupos fascistas em seus artigos e reportagens, seu nome era Gian Ferrara, este jornalista ainda iria conhecer a Suábia, a convite de Dante, através da mediação de Toscanini, pois eles queriam convencer Dante a deixar suas simpatias pelo que fora os Capas Pretas e o passado de fetiche romano deste movimento. 

Dante ainda não se convencera do perigo ideológico do Casa Pound, por exemplo, e ainda exaltava o combate contra o Resistência Social, por exemplo, pois era um aristocrata. Gian Ferrara, que começou escrevendo panfletos e artigos de forma independente, tinha seu passe comprado agora pelo dono do Tribuna Potenza, o chefe e dono do jornal, além de redator chefe, Massimo Cosenza, que era um polímata, pois ainda atuava como músico e ensaísta de literatura, além de ter jogado futebol profissional na juventude até se machucar com 32 anos. Gian Ferrara, apesar de polêmico, foi uma aposta de Cosenza que deu certo, até acima de suas expectativas, e Ferrara agora era uma espécie de crítico do fascismo e de seus herdeiros. Ele, junto a Cosenza, também eram entusiastas de um poeta que usava um pseudônimo, e que ninguém sabia quem era, Adônis, que atuava misteriosamente nos muros da Lombardia e do Piemonte, aparecendo algumas coisas suas agora na Suábia e em Rochelle, sem contar uns dois imitadores ruins na România que logo foram desmascarados. 

Adônis, em geral, aparecia com cartazes em muros com poemas breves de crítica política, muitas vezes anti-fascistas. O Casa Pound, por exemplo, o tinha jurado de morte, mas estava que nem barata tonta tentando descobrir quem era tal personagem. Dante, por seu turno, embora estivesse bem curioso acerca da figura de Gian Ferrara, ainda se via às voltas com a influência de Téspis e seu fascismo meio burguês, entreguista, de empreendedores que confiaram ao corporativismo de Estado uma salvaguarda contra revolucionários sociais de ocasião, uma associação de partilha de poder entre a aristocracia, a burguesia e emergentes que formavam um conluio de plutocratas. Dante, no entanto, era aristocrata, e para piorar, nunca tinha trabalhado, portanto, não tinha a experiência direta das questões envolvidas na política, quando se falava do mundo do trabalho, pois sua rotina folgazã não lhe permitia conquistar uma percepção mais aguda de certos meandros da vida prática. Dante ia ao sabor do vento, e agora seu sopro tocava o som do fascismo, em uma versão de sua cabeça, cercada pela frivolidade e só com um instinto básico, que era o de preservar os seus privilégios e a tradição que lhe garantia uma vida nababesca baseada em rendas e heranças. 

Uma das organizadoras das festas de Dante, ou melhor, a principal, era Niandra LaDes, que aplicava o seu conhecimento da moda para a arte cerimonial, uma vez que tinha intimidade com este tipo de trabalho, pois na sua juventude começou sua vida profissional trabalhando num cerimonial da família. Primeiro, teve uma noite homérica dos pintores em Paladina Victoria, em que os convivas viraram a noite, e o debate entre Toscanini e Téspis esquentou, meio que trincando a unidade daquele grupo de amigos e festeiros, com Dante sem se importar muito, pois gostava da loucura toda, sem bem perceber as sutilezas das ideias debatidas. O restaurante Trattoria Paladina, que também era um bar, tinha sido alugado por este pessoal e com dinheiro de Dante, que ao mesmo tempo que tinha muitos investimentos rendendo, ainda sobrava uma fortuna que ele simplesmente torrava em noitadas de vinho caro. 

Toscanini acusara Téspis de “achincalhar os valores da Suábia, região fundada por trabalhadores da terra, você é um traidor cheirando as botinas do Casa Pound, concorda com todos os absurdos que já acontecem na Lombardia e no Piemonte, e defende a atuação sórdida desses canalhas em atentados feitos na România, e parece que torce para que estes Mastins da puta que o pariu façam essas cagadas por aqui”. Ao passo que Téspis ironizou : “Fala com a convicção de um ex-pobretão do Piemonte e que agora se pendura nas festas dos aristocratas, nas suas rodas, e é conhecido no mundo da arte graças a esta mesma aristocracia que agora questiona”. Toscanini faz a tréplica : “Justamente por participar de ambos os mundos é que sei de suas injustiças e aqui me tenho como mensageiro desta Piemonte paupérrima que você citou e que vivi na carne”. Victor Manzano e Helder Hering intervieram fisicamente, distanciando os dois debatedores, mesmo sem ter tido menções de agressão física entre ambos, ao passo que Dante meio que desconversa : “Acho que toda a crítica tinha que ir para aquelas pinturas esfumaçadas dos meninotes de Pala Athena, aquele vilarejo de burgueses deslumbrados, que não têm estirpe, não são da aristocracia de sangue, pintores de rodapé do que parece uma tardinha de névoa quando descanso em Blanchon”. Lara corta a conversa toda, por fim, e avisa : “Está chegando agora a carta de vinhos, e a entrada já vem, um apanhado de crustáceos e ostras, venham todos, vamos beber e homenagear esta noite e a vida!”. 

O Trattoria Paladina era o restaurante mais caro na região do Paladina Victoria, na parte do agito noturno do bairro de Normand, cuja área residencial ficava ao norte do curso do rio Lache Martin, em que ficavam mansões como a de Dante e de uma aristocracia de sangue que povoava partes nobres da Suábia e de Rochelle, em que se podia contar umas duas dezenas de sobrenomes mais conhecidos e suas variações e combinações, uma elite fechada com arranjos constantes e que perdurava intacta. Por sua vez, em um dos muros do lado de fora do Trattoria Paladina estava um poema curto de Adônis, em que estava escrito com estêncil preto e vermelho “Onde está o poder está a miséria/o miserável está no poder/a pobreza é feita da miséria dos miseráveis”, e tinha um desenho de uma espécie de capitalista com cartola e na sua cabeça ainda tinha a frase “cachorro fascista”. 

O chefe de cozinha e dono do Trattoria Paladina, Vicenzo, não revelou se teve contato com o tal poeta misterioso, mas se especulava que somente alguns poucos comerciantes conheciam Adônis, pois na maioria das vezes as suas intervenções eram feitas em muros de estabelecimentos comerciais, nunca em órgãos públicos para não virar objeto de investigação da polícia. E ainda circulava um volume caseiro, de algumas cópias, somente na Suábia, com um conto de Adônis, de título “Explode Pound”, que detonava e fazia caricatura do Casa Pound, inventando personagens afetados e tramas estrambóticas beirando o ridículo. Sem contar um poema sobre Os Mastins que estava pichado numa torre perto de Paladina Victoria, que ridicularizava Os Mastins como “os novos porradores cheirando botina na Suábia/queriam ser carcamanos/ mas são cachorros para Roma”. 

Corriam boatos sobre alguns pelegos do Resistência Social, depois de uma intervenção urbana com atos políticos numa praça em Rochelle, terem visto e falado com o poeta Adônis, mas nada comprovado, e também algumas histórias de bar nos bairros de periferia da Suábia, e um tal passeio bêbado de Adônis com duas damas pela Lombardia, debaixo das fuças do Casa Pound, cuja principal célula ficava por lá. Mais uma vez, nada comprovado, a princípio boatos. Segundo um carcamano vinhateiro, eram duas damas de família, da península, e que se o tal Adônis tivesse sido visto por lá, já estaria morto. Mas, as tais mulheres, ainda jovens, não falaram nada sobre o caso, tampouco desmentiram. Também corria uma história parecida, desta vez, na România, num bairro pobre, em que Adônis, o poeta, estava com duas mulheres do lupanar, bebendo vinho e fumando ópio, junto com um tal de Brabante, um traficante, que foi morto pela polícia uma semana após o regabofe. 

Depois de voltar de duas semanas isolado em Blanchon, Dante conversa com Niandra LaDes, ele decide organizar um vernissage numa galeria que ficava em Paladina Victoria, na parte sul do rio Lache Martin, ao lado havia um clube com piscinas e um hotel. Niandra LaDes já tinha feito alguns trabalhos de curadoria para a tal galeria, o nome era Art Lafayette, pois agora era comandada pela neta do Conde Juan Lafayette, a jovem idealista Laetitia Lafayette, e que tinha travado uma amizade recente e intensa com Lara, irmã de Dante, musa dos pintores da Suábia. Tal exposição exaltaria as qualidades dos pintores da Suábia e de Rochelle, mais uma vez como uma provocação e uma concorrência direta com os pintores neo impressionistas de Pala Athena que, segundo a versão de crítica de arte feita na Suábia, tinham parado no tempo. 

Laetitia sucedeu diretamente o avô, que agora estava doente, em repouso, ao passo que seu pai, Paul Lafayette, havia morrido de overdose de ópio há três anos, nunca teve interesse no trabalho da galeria, viveu na farra, um bon vivant, um playboy, e que era amigo de Dante desde a infância, mas que torrou todo o dinheiro que lhe fora reservado, e o patrimônio da família só foi mantido, pois aquela quantia ainda era irrisória para a quantidade de bens que tinha o velho Lafayette, que não faria a idiotice de deixar tudo para Paul, que tinha o apelido de Dom Folie, pois sempre fora um irresponsável, muito pior que Dante, que muitas vezes declinava de alguns convites do tal Dom Folie. 

Niandra LaDes agora negociava com Laetitia os valores de aluguel dos espaços para os pintores da Suábia, e os preços eram caros, pois a galeria era tanto bem conhecida como a estrutura e todo o trabalho de curadoria e organização de vernissages era bem caro, incluindo os comes e bebes e os eventos em torno da exposição das pinturas. Niandra LaDes, consultora de moda e curadora de artes, por sua vez, era uma das figuras mais avançadas da Suábia e de Rochelle, pois tinha coisas que só ela sabia e teve acesso, sem substitutos. Dante ainda lembrava do affair rápido que Niandra LaDes teve com Dom Folie e que teve repercussão na coluna social, há uns sete anos atrás, e como ela manipulou tudo, pois conhecia meio mundo, e foi ali que seu nome de conhecedora da moda, até então um fenômeno entre a Suábia e Rochelle, foi parar na Lombardia, na Renânia, na Saxônia-Anhalt e no Piemonte, além de Montparnasse e em Pala Athena, onde era vista como avant-garde, frente a uma burguesia ainda meio pateta e caipira que emergia lá na cidade dos pintores neo impressionistas, pois tudo que eles não entendiam, davam um muxoxo, um soquinho no ar, e falavam “ah, avant-garde! sei lá!”. 

Seu nome se projetou, pois o Conde Lafayette era conhecido por vastas regiões e a má fama de Dom Folie reverberava a partir do cocuruto do pai empreendedor. Por sua vez, a exposição teria o título provisório, feito em uma conversa de Niandra LaDes com Toscanini e Manzano, “Os vanguardistas da Suábia”, pois, por exemplo, as pesquisas e estudos de Toscanini, além de alguns vislumbres de Manzano, já apontavam para um lugar inaudito, passando além do que se denomina de expressionismo em geral, e até mesmo de expressionismo abstrato. A rápida ampliação da paleta de Toscanini, por exemplo, somente nos últimos três semestres, tinha sido febril, em qualidade, quantidade, e escopo. León Braga, por sua vez, um hispano de Granada e que estava radicado na Suábia, trazia um frescor de uma paleta de cores quentes que também já não “conversavam” com conceitos de expressionismo e quetais. 

Dante já podia antever, portanto, as caras de cu de alguns pseudo-curadores de Pala Athena e seus pintores matutos, que tinham pouco acesso ao que rolava de intercâmbio entre a Suábia e Rochelle e regiões da Lombardia e de Saxônia-Anhalt, Baviera e Renânia, por exemplo, sem falar em uma nova vanguarda que Niandra LaDes mantinha contato e já tinha visitado que ficava em Marselha, representando uma cultura mediterrânea de pintores criativos e vivos no sentido de pesquisa e experimentação. Pala Athena ficava como que no meio deste intercâmbio, mas com uma gerência geral alienada e xucra, o que provocava um afastamento de contatos com outras regiões. Também havia pouco interesse de turismo ou qualquer forma de compartilhamento de tendências, Pala Athena parecia um outro planeta em meio ao burburinho constante entre a Suábia e Rochelle e estas várias regiões citadas, um grupo de artistas querendo saber o que o outro grupo estava fazendo para não ficar para trás etc. 

A seguir, a carteira de vinhos do vernissage ficou para uma seleção feita por Dante, que ia dos mais caros da Champanha, uns vinhos de corte, a maioria tinto e seco, muitos com uvas Cabernet Sauvignon e os de corte, em geral, Syrah com Pinot Noir, e uma lista especial com Petit Verdot, e marcas das mais caras como Château Lafite Rothschild, Don Melchor, Domaine de la Romanée-Conti Romanée-Conti Grand Cru, Domaine Leroy Musigny, Domaine Leflaive Montrachet e o Domaine Georges & Christophe Roumier Musigny - Grand Cru. Nos pratos, seriam servidos salmão, ostras e vieiras. Niandra LaDes também ficou de elaborar a cenografia e a decoração do ambiente, e os músicos Von Barten e Igor Kinski iriam tocar, junto a uma cantora lírica conhecida de Niandra LaDes, de nome Betina Ronstein, que sabia o cânon erudito do período barroco e clássico e sabia improvisar em tons jazzísticos contemporâneos. 

A ideia de Toscanini e Manzano, por exemplo, com a nova exposição, era marcar toda aquela produção de arte da Suábia como um trabalho geracional, meio que para inaugurar esta atividade como um movimento, o problema era que Toscanini não queria incluir Téspis junto aos trabalhos que seriam expostos na galeria Art Lafayette, ao passo que Manzano queria incluí-lo. Na verdade, ele estava numa saia justa entre duas amizades que ele tinha alimentado e no meio de um conflito ideológico que poderia contaminar, segundo ele, a arte que estava sendo desenvolvida. Outra questão era apresentar este movimento como uma vanguarda e, last but not least, dar um nome novo a este movimento vanguardista. 

Haveria uma reunião convocada por Laetitia Lafayette, sob coordenação de Niandra LaDes, que faria a curadoria da exposição, com os artistas que seriam divulgados pela galeria. Lá Toscanini, Manzano e León Braga, por exemplo, já deveriam vir com um consenso sobre quem seriam os participantes e que nome teria esta vanguarda da Suábia, pois a ideia era lançar um novo movimento artístico, mais uma vez, sob a batuta de marketing de Niandra LaDes, uma figura que misturava colunismo social e aura cult ao mesmo tempo, desde que se aventurou rapidamente com o finado Dom Folie. 

Portanto, o nome provisório “os vanguardistas da Suábia” que estava circulando na divulgação da exposição teria um nome novo que seria divulgado na abertura da mesma na galeria Art Lafayette. A surpresa seria exatamente provocar esta impressão de que surge um novo movimento artístico, uma vanguarda nova, com nome próprio. Por fim, depois de um consenso possível, Toscanini teria que engolir a presença de Téspis tanto na exposição como nos desdobramentos do que se lançaria como movimento de arte, mas consegue debelar a presença da peça de Gennaro Messina no evento. Por sua vez, Helder Hering acaba tendo a melhor ideia para o nome da vanguarda, que teria o nome de “Sociedade do Vinho”, ao passo que o nome da exposição seria “Nova Geração de Vanguarda da Suábia”. 

A preparação do folheto foi feita logo em seguida com as orientações de Niandra LaDes, que também acumulou a função de cerimonialista, e teria um contrato vigente com a Art Lafayette para outros eventos que tivessem ali, depois de uma oferta de salário e royalties feita por Laetitia Lafayette. Como dito, depois de uma conversa com Téspis, por sua vez, Manzano consegue com que este não traga a tal montagem pretensamente fascista de seu trabalho como cenógrafo para a exposição na Art Lafayette, que se tratava de uma peça de nome “Arte da Chama Azul”, que tinha várias alusões aos Capas Pretas e ao passado de regime de exceção da Lombardia e as batalhas urbanas que tiveram lugar no Piemonte e na România, com os democratas da extinta Falange lutando bravamente contra invasões e quebra-quebras no comércio e em regiões residenciais feitas por incursões de baderneiros com barra de ferro que eram os Capas Pretas a serviço do regime da Lombardia. E como dito, Toscanini fica sabendo do recuo de Téspis e confessa que estava pensando em tirar seu nome da lista da Art Lafayette, mas com a notícia de que a “tal peça infame” não seria montada lá, ele faria a apresentação de suas pinturas. 

Eis que chega o dia da exposição, e Niandra LaDes estava na entrada da galeria Art Lafayette, recebendo os convidados, como curadora e representante comercial da agora batizada “Sociedade do Vinho”, ao passo que dentro do cerimonial e no espaço reservado para as apresentações da noite e o espaço em que ficavam as pinturas, esculturas, tapeçarias, etc, estava Laetitia Lafayette. Dante chega cedo, meio alto de vinho e um pouco onírico, pois tinha tomado uma dose pequena de láudano, e vai para as mesas que ficavam no jardim no meio do cerimonial da Art Lafayette, ali, com dois comparsas meio burgueses, nada aristocratas, eles bebem mais vinho, exatamente da carta montada por Dante, tudo uma fortuna. 

Dante avisa Niandra LaDes que ele tinha incluído mais dois nomes na lista de convidados da exposição, uma mulher de nome Brisa Montês, e um primo desta, que era métrie do Trattoria Paladina, de nome René Montês. E que quando os dois chegassem, que fossem encaminhados para a mesa dele. Niandra LaDes não pergunta se aquilo era um caso de Dante com Brisa, ou com ambos, Brisa e René, pois sabia da devassidão sem limites de Dante, e só faz uma menção com a sobrancelha para Dante, ao passo que este faz um esgar de riso um tanto escroto meio querendo dizer “bingo!”. 

Quando chega Toscanini, junto à Lara, eles chegam com a notícia que o paredão do hotel ao lado tinha amanhecido com uma pichação em letras garrafais de um poema com a assinatura de Adônis, dessa vez com uma tinta azul escura, e ao lado do poema, mais uma vez, o personagem capitalista de cartola, dessa vez num patíbulo sendo enforcado, e escrito no final : “matem o cão fascista! fora mastins!”. O poema dizia : “A raivosa chama azul/a capa preta/o sangue vermelho/azul escuro o poema/os cães ladram/a caravana não pára”. (Adônis, o poeta, o antifa). E ainda tinha nas paredes da entrada do hotel, piches vermelhos espalhados como que simulando sangue. O fato é que o vigia do hotel acabou sendo demitido. Nem dois seguranças que ficavam no saguão perceberam qualquer movimentação e também acabaram sendo demitidos. O dono do hotel era um primo de segundo grau de Dante e de Lara, de nome Guénon, mas que tinha pouco contato e intimidade com os dois irmãos, embora fosse do mesmo núcleo aristocrático. Guénon, aos berros, ainda ao meio-dia, mandou o serviço de limpeza se virar para limpar “aquela merda toda!”, de um “poeta de merda que não mostra a porra da cara e chama todo mundo de fascista”. 

Já de noite, no começo do evento, ainda antes da apresentação dos artistas e de suas obras, Dante já comandava um regabofe báquico em sua mesa que, agora estava numa vertical de umas sete mesas, com várias pessoas, e ali tinha acabado de chegar a tal Brisa e seu primo Renê. Logo depois de vinte minutos de muita conversa em voz alta, com todo mundo falando ao mesmo tempo, Manzano, que foi o primeiro dos expositores a chegar e que estava na mesa seguinte à de Dante, logo percebeu que o dândi tinha se ausentado, e que as duas pessoas que tinham chegado também, então ele concluiu que os três tinham saído dali para não se sabe o que. 

Meia hora depois volta um Dante meio amarfanhado, meio grogue, chapado, com a cara emasciada, tinha tomado um conta gotas de beladona e de mandrágora e feito sexo com Brisa e Renê atrás de uma adega numa sala nobre e privada do Art Lafayette, pois lá tinha um toalete com chuveiro, e lá ficou uma bagunça para trás, pois Laetitia percebeu a movimentação, mas fez vista grossa, pois sabia que Dante era da mesma espécie de maluco que seu finado pai, Dom Folie, e que se foda, era que nem falar com o vento para não ventar etc. 

Uma visita inesperada chegou uma hora depois, no entanto, era Gian Ferrara, o jornalista. No caminho que ele veio, saindo de um ônibus no centro da Suábia, não tinha percebido que estava sendo seguido, provavelmente por membros de Os Mastins, sendo que assim que ele entrou no Art Lafayette, Niandra LaDes, na entrada da galeria, viu os três caras, sacou tudo e depois foi avisar Gian Ferrara que era para ele ter cuidado, que deveria contratar um serviço de guarda etc. Gian Ferrara disse que estava tudo bem, que por enquanto não contrataria ninguém, que ninguém o iria parar no combate contra o fascismo na imprensa da Lombardia, e que já tinha virado o principal colunista e repórter do Tribuna Potenza do redator chefe Cosenza e que se algo acontecesse com ele, teria um terremoto em volta e todos estes grupos de brigões estariam desmoralizados no dia seguinte. 

Neste ponto, o que se sabia era de uma carta do Casa Pound que tinha sido divulgada pela imprensa marrom que tinha jurado o poeta Adônis de morte, até então era isso que se sabia das vendetas que poderiam ocorrer. O Tribuna Potenza tinha se tornado o maior veículo da Lombardia e Gian Ferrara estava de fato sendo visado tanto pelo Os Mastins, como também pelo Flor de Orleáns e pelo Casa Pound. O que aqueles caras estavam fazendo por lá seguindo o jornalista já fazia parte de uma investigação encabeçada por lideranças do Casa Pound, era meio que para preparar um bote, primeiro se levantaria a rotina do jornalista e depois, um dos chefes do Casa Pound já tinha dado a ordem expressa de “dar uma surra de barra de ferro no filho da puta, quebrar suas pernas e braços, arrancar os dentes, mas sem pegar áreas vitais”, o objetivo, portanto, era desfigurar o jornalista, deixá-lo um rebotalho, todo quebrado, mas vivo, como exemplar do que acontece com “quem enfrenta o Casa Pound”, segundo este chefe. 

Por sua vez, corria a notícia de uma briga generalizada que ocorrera no dia anterior à exposição na Art Lafayette, do Flor de Orleáns contra o Resistência Social, em Rochelle, em pelo menos três bairros de classe baixa e pobre, pois os membros deste grupo fascista meio que agora estava mais por Rochelle do que na Suábia, uma vez que agora na Suábia a predominância passou para Os Mastins, e o acordo foi dividir os grupos pelas duas cidades para não mesclar o movimento. Bares foram invadidos e detonados. Se ouviram explosões com dinamite perto de órgãos públicos etc. Rochelle estava um caos. Cinco pessoas foram mortas, sendo que três eram ligadas ao Resistência Social, e as outras duas pessoas, moradores comuns de Rochelle. O fato é que com o conflito agora declarado entre o Resistência Social, que se concentrava todo em Rochelle, contra o Flor de Orleáns, esta cidade estava condenada ao caos até que um dos grupos fosse, de certa forma, aniquilado. E uma das células do Casa Pound, que já atuava em Rochelle, seria reforçada com membros vindos da România, do Piemonte e da Lombardia, para o enfrentamento contra o Resistência Social. O objetivo era acelerar a queda do movimento de esquerda e estabelecer o domínio urbano de Rochelle pelas hostes fascistas. 

Na exposição da galeria Art Lafayette, por sua vez, estas questões ainda passavam ao largo, com exceção da discussão pessoal entre Toscanini e Téspis, ou seja, o mundo da aristocracia de sangue ainda vivia sob o sonho dos paraísos artificiais das festas de ópio e das festas do vinho, uma classe alienada e hipnotizada por sensações. Ao passo que Téspis era um pequeno burguês que fingia ser aristocrata, Toscanini era um ex-pobretão de Piemonte, adotado pela aristocracia, mas socialista e anti-fascista. Outro ponto da discussão era o de que Téspis não tinha nenhum escrúpulo em assumir seus benefícios, enquanto Toscanini tentava justificar sua contradição o tempo todo, e muitas vezes falhava. 

Depois de chegar Manzano, que foi logo se mandando para o meio dos convivas sob a batuta de Dante, e a chegada de Gian Ferrara, que primeiro ficou discreto junto à Toscanini e Lara, junto deles um dos fotógrafos do evento, conhecido de Lara, depois foi para o pessoal de Dante depois do mesmo insistir em apresentar “o jornalista que enfrentava os cães etc”. Dante começou a perguntar de Adônis, e no meio disso, virava uma garrafa de uísque no gargalo, e dizia que queria conhecer Adônis, que queria saber qual era a sua identidade verdadeira etc. Gian Ferrara disse que ele e seu chefe, Cosenza, no Tribuna Potenza, sempre dava destaque às intervenções urbanas de Adônis, mas que não faziam sequer uma vaga ideia de quem poderia se tratar, nenhuma pista. 

Dante, com a cara inchada de um bebedor infame, agora vai até o púlpito e anuncia a primeira atração, a tal cantora lírica/jazzística Betina Ronstein, e Dante logo dá lugar ao crooner da festa, um tal de Bruno Vermont, e Dante encerra a sua intro amalucada : “Olha aqui, este é o nosso verdadeiro crooner, eu só quis aparecer aqui para tirar uma onda, vai lá minha cantora, bota pra quebrar!”. E entram o instrumental comandados por Von Barten e Igor Kinski, que faziam parte da agora intitulada vanguarda “Sociedade do Vinho”. A música alternou de erudita, jazz e foi para versões de blues, dixieland, foxtrot etc. O crooner era divertido, falava um besteirol meio capenga, mas acabava que ficava engraçado no final, pois era meio mequetrefe, gauche, um crooner atrapalhado, e Dante ficava rindo, agora, depois de ter viajado de beladona, láudano etc, ficava virando uma garrafa de uísque, abraçando Brisa Montês, que ficava fumando uma cigarrilha cafona e gargalhava das idiotices que Dante falava sobre o tal crooner boboca. 

Logo depois, em meio à conversa íntima entre Toscanini e Lara, chega Téspis, ele parecia meio alucinado, carregava um cavalete e chegou até à sala de exposição, foi falar com Laetitia Lafayette que tinha uma obra nova para incluir no mostruário que tinha a sua assinatura, no que Laetitia aquiesceu, viu que era algo da linha expressionista com toques de um cubismo meio anárquico, e o tema sobre dominação política, com a imagem de alguém fazendo um discurso no púlpito, sem bem perceber, Laetitia Lafayette estava autorizando o que, depois Toscanini chamou de pastiche fascista, já que “a porra da peça de teatro tinha sido cancelada”. Dante, que se divertia no salão de festas, acaba sendo chamado em off por Toscanini, depois que este viu a provocação de Téspis, pois sabia que aquela “porra de quadro filho da puta” era uma resposta de Téspis por ter sua peça cancelada etc. Dante desconversa de novo e diz que se Laetitia tinha autorizado a tal pintura, não tinha nada para fazer e saiu andando virando sua garrafa de uísque no bico. 

Enfim, chega León Braga, que sabia de armação de Téspis, avisa à Toscanini que também tinha trazido uma obra, que era uma escultura em que estava uma alusão a uma degola de um capa preta, e que Téspis estava por fora da resposta, pois tava na onda de provocar Toscanini sem bem saber que León Braga já sabia da gracinha dele. Niandra LaDes, por fim, encerra a recepção dos convidados, fecha a entrada do Art Lafayette e vai para a apresentação formal da exposição após o final do repertório de Betina Ronstein, que termina com um número instrumental, no entanto, em que Von Barten atuou como um virtuose do piano, tocando Liszt insanamente. Ao fim da música, a curadora Niandra LaDes faz a introdução do evento e ao fim chama Laetitia Lafayette para dar como aberta a exposição. Téspis logo tem uma surpresa ao ver a tal escultura de León Braga, mas se segura numa fleuma para não acusar o golpe, ao passo que Toscanini bebia vinho com um sorriso irônico enquanto olhava diretamente para Téspis, sem rodeios, meio que intimando o fascistoide para uma briga. Von Barten, que era muito amigo de Toscanini, fica sabendo do negócio todo e adora, pois tinha visto a tal peça horrenda e dessa a Art Lafayette tinha se livrado etc. 

Os visitantes ficam fascinados, sobretudo, com os trabalhos apresentados por Toscanini, Manzano e León Braga. No caso, a vanguarda seguia mais para as tendências estudadas de Toscanini e Manzano, ao passo que León Braga apresentava uma influência mais quente e fauvista, de uma predominância de vermelho e amarelo ocre. Algumas obras foram vendidas e outras iriam à leilão numa casa de pensões perto de Paladina Victoria, e a precificação aumentou com a exposição e a divulgação da tal “Sociedade do Vinho” na imprensa da Suábia e de Rochelle, e depois indo parar no Tribuna Potenza da Lombardia, com o auxílio de Gian Ferrara, e os mais valorizados ficaram a cargo das obras de Toscanini e de Manzano, León Braga acabou tendo mais sucesso na Andaluzia e em Granada, chegou a ir até Tenerife para uma apresentação de seu trabalho. 

Depois do sucesso da exposição, Dante queria organizar uma grande “Festa do Vinho” em sua mansão, e já tinha convocado Niandra LaDes para a organização de tudo. Nos dias que se seguiram, o caos em Rochelle ficou incontrolável e o prefeito da cidade decretou estado de sítio, foram presos diversos membros de organizações como das filiais do Casa Pound, a sede do Flor de Orleáns na cidade foi invadida pelo Bureau Federal, e documentos foram apreendidos, uma devassa foi feita também em dois escritórios que pertenciam ao Casa Pound e dois chefes locais do Flor de Orleáns foram detidos, também foram apreendidas armas de fogo, armas brancas, porretes, machados, martelos, socos ingleses, correntes, armas caseiras, explosivos, glicerina, produtos químicos diversos, pistões, além de lança chamas. O desfalque era evidente, e o Casa Pound da Lombardia, e também no Piemonte e na România organizaram uma marcha para invadir Rochelle. 

Na Suábia, a tranquilidade que reinava até então, com Os Mastins fazendo ações esporádicas e pontuais, começa a virar um turbilhão de violência com a chegada de membros do Casa Pound, e Paladina Victoria, que até então era um lugar nobre, virou um pardieiro de brigas, invasões e confrontos de valentões contra a polícia. Gian Ferrara, já de volta à Lombardia, faz investidas críticas no Tribuna Potenza contra o caos que, principalmente, o Casa Pound estava provocando em Rochelle e na Suábia, e também protocolou denúncias na justiça contra o Casa Pound dentro da Lombardia, no sentido de que os bens da organização fossem confiscados, que se fizesse operações de busca e apreensão e que seus chefes e membros fossem condenados e presos. O Casa Pound, que já monitorava a rotina de Gian Ferrara há uns quinze meses, decide que era chegada a hora da tal “surra”. 

Neste meio tempo, chefes do Flor de Orleáns e de Os Mastins negociavam a fusão do movimento para fazer frente ao domínio do Casa Pound. Depois de três semanas de reuniões secretas e discussões sobre como compor a nova liderança, surge desta fusão, com sede na Suábia, o que veio a ser o Comando Mastroianni, e que ganhou reforço financeiro de grupos armados de Granada e de Andaluzia, o que fez surgir um grupo muito mais violento que tinha sido qualquer investida sonhada pelo Casa Pound, e a situação tanto em Rochelle como na Suábia ficou assustadora, tanto que este Comando Mastroianni dispensou os serviços do Casa Pound nas duas cidades, fazendo um acordo de que as regiões exclusivas estavam definidas, com o Casa Pound ficando em suas origens na Lombardia, no Piemonte e na România. 

As ações do novo Comando Mastroianni são assustadoras, primeiro com o aniquilamento quase completo do Resistência Social em Rochelle, com o assassinato de toda a cúpula e a destruição da sede do grupo socialista. Enquanto isso, aparece a notícia na Lombardia de que o jornalista Gian Ferrara fora encontrado desacordado numa rua de um bairro em que costumam ficar de noite vários membros do Casa Pound. Gian Ferrara foi encontrado dentro de uma caçamba de lixo, ao amanhecer, desmaiado e desfigurado, com os braços e as pernas quebrados e a cabeça raspada e na sua testa um corte de gilete escrito “Pound”. O recado estava dado, tanto que o Tribuna Potenza, até então bem combativo, ficou intimidado e a notícia veio em meia página, numa autocensura. O motivo era claro, havia um temor, e que se confirmou depois com a explosão e incêndio da principal gráfica do Tribuna Potenza duas semanas depois da surra dada em Gian Ferrara. Cosenza decide contratar seguranças particulares, investe uma grana e cria um grupo privado de contra-agressão em relação ao Casa Pound, enquanto Gian Ferrara convalescia. 

A reação dura pouco, pois passam três semanas e Cosenza é encontrado enforcado em seu apartamento no que parecia uma simulação de suicídio, segundo os peritos. Depois se confirmou ter sido um suicídio forjado, mas sem provas do crime. Gian Ferrara, depois de sair do hospital vai para um exílio permanente remunerado pelo Estado em lugar não divulgado, vira figura protegida pela justiça. Uma vez que Gian Ferrara some do mapa, é revelado por fonte anônima que o poeta Adônis era o próprio jornalista antifa do Tribuna Potenza, e que o Casa Pound, que tinha jurado de morte o poeta Adônis e dar uma surra no jornalista Gian Ferrara, na verdade, perseguiram a mesma pessoa. Portanto, com o exílio de Gian Ferrara e a revelação de que ele era o poeta Adônis, tudo estava terminado, era o fim das intervenções urbanas do poeta secreto. 

Em Rochelle, por sua vez, o Resistência Social é dado, finalmente, como extinto, ou seja, o Comando Mastroianni tinha acabado com todo o grupo, entre mortos e fugitivos. Na Suábia o caos também ocorria, e a aristocracia de sangue, para preservar bairros ricos como Normand, tinha dado uma quantia milionária para o grupo, fechando um acordo de que ali eles deixariam as áreas pacificadas. Ao passo que os bairros burgueses, médios e pobres viraram o caos e foram ocupados por membros deste Comando Mastroianni. A situação de anomia era inaudita e diálogos entre governos tanto da Lombardia como do distrito Franco, onde se localizavam tanto Rochelle como a Suábia, tentavam criar um estado de sítio para a intervenção do Exército para a prisão dos chefes e membros tanto do Comando Mastroianni como do Casa Pound. 

Por sua vez, Dante organizava esta tal “Festa do Vinho”, em meio a discussões aristocráticas que neste momento revelava um descolamento total da realidade. Depois da exposição feita no Art Lafayette, a possibilidade de novas exposições na Suábia ficaram bem limitadas, uma vez que logo depois surgiu este Comando Mastroianni que dominou grande parte da cidade. Dante tinha sido um dos aristocratas que tinha subornado o Comando Mastroianni para que os bairros das famílias tradicionais ficassem intactos, e foi muito dinheiro, uma vez que ele vendeu diversos imóveis que ficavam no Piemonte, por exemplo. Portanto, Dante continuou levando a sua rotina de dândi e bon vivant enquanto o coro comia em volta daquela bolha aristocrática. Niandra LaDes não concordou com o tal acordo dos aristocratas e rompeu com Dante e se mudou para a Lombardia. Lá pode testemunhar as ações de grupos como o Casa Pound, por exemplo, e de como tudo andava distorcido dentro da aristocracia de sangue da Suábia. 

Por sua vez, Toscanini começa a ser questionado por Téspis até a medula e começa a chamá-lo de hipócrita, e de que “continuava na barra da saia de Dante que nem uma criança, ex-pobre, pseudo-socialista, aristocrata de cozinha etc.” Por fim, Téspis consegue apoio de algumas lideranças do Comando Mastroianni para montar a tal peça de seu colega lombardino Gennaro Messina, e a peça seria montada em Paladina Victoria, agora ocupada pelo novo grupo fascista, uma peça também de orientação fascista de nome “Novos Lumes”, sobre ações políticas e ideologia de Estado etc. E Téspis confirma a sua tese sobre Toscanini ao ver este, finalmente, rasgar a fantasia e se casar com Lara, irmã de Dante, e se mudar de vez para a tal mansão dos irmãos milionários e aristocratas. Lá ele começa a levar uma vida de nababo, com ateliê, um mundaréu de cavaletes e todo material que precisasse para montar e fazer as suas pinturas e esculturas. 

Na tal “festa do vinho”, portanto, teria a notícia do casamento de Lara e Toscanini, contudo, com o desfalque de Niandra LaDes, a pessoa mais respeitada desde a aristocracia da Suábia até a burguesia emergente. Não por um acaso, Niandra LaDes tinha declinado da opção da aristocracia da Suábia de “enfiar a cabeça na terra que nem avestruz”, segundo a própria, e daí ter mudado de ares, se mandando para a Lombardia. A festa do vinho enfim começa e se torna a epítome da alienação, da distorção da realidade etc. Dante começa a alucinar, tinha todos os vinhos dos mais caros, ópio, láudano, beladona, mandrágora, além de garçons com bandejas com seringas em que continha morfina. Era um misto de festa do vinho com as modas de festas do ópio no distrito Franco que fascinavam a aristocracia tanto da Suábia como de Rochelle. 

Em meio às alucinações de Dante, que parecia estar, finalmente, enlouquecendo, foi ter visto, no jardim de sua mansão, o fantasma de Dom Folie, primeiro este fantasma não falou nada e sumiu atravessando uma das paredes do grande jardim. Uma hora depois, Dante vê o fantasma de Dom Folie em seu quarto e começa a conversar com a tal aparição. Dom Folie falava besteiras sem sentido, gargalhava, fumava ópio e hauria os miasmas de morfina do salão, e só Dante tinha o privilégio de tal visão, estava ficando louco. 

No meio da madrugada, começa um quebra-quebra na mansão de Dante e de Lara, era o Comando Mastroianni, traindo o acordo, ou seja, eles pegaram o dinheiro e foda-se, começaram a tomar os bairros aristocráticos, e a mansão é destruída com porretadas. Dante sai alucinado pelas ruas, gritando, alucinado, vendo o fantasma de Dom Folie subindo e indo embora para um lugar incógnito. Alguns membros do Comando Mastroianni reconhecem o dândi, o pegam e o deixam só de cuecas no sereno. Dante sai andando pela Suábia, surtado, sem destino, até parar num bairro pobre, lá uns meninos começam a zoar o aristocrata, Dante começa a levar diversos tapas na cabeça e nos ouvidos, e finalmente, é deixado pelado numa rua de terra e depois jogado numa vala a céu aberto.


(Conto pronto em 10/08/2024 Gustavo Bastos)        




quarta-feira, 7 de agosto de 2024

SURFIN` BIRD

Eu nadei saindo do crowd, 

eu remei saindo do inside,

eu desejei dropar sem cair,

no lip dançar como um pássaro,

no lip voar como um albatroz.


Eu sentei na praia, ali o sol

jurava amor para o mar,

e o céu contemplava

as nuvens e o pássaro

de um surf cósmico

em meu poema.


07/08/2024 Vibe

POSSESSED TO SKATE

Bate o smith no flap, joga bem

no alto do ralf, skate or die.

Pois a juventude está seca

por uma pista, uma subida,

uma descida, e o slide

no corrimão.


Filosofia é skate or die,

ter o propósito de dar

um salto por entre

as bandas, 360 graus 

e o grito de vitória.


Pois assim a poesia é,

se faz ou morre,

pois assim está possesso

o estro, skate or die,

possessed to skate.


07/08/2024 Vibe 

BÁRBARA EM PARIS

Em Paris, diante da Torre Eiffel,

contempla o Rio Sena, ao passo

livre no Louvre, por D`Orsay

e toda a poesia amorosa safada

da França, do mundo de vinho

das festas de ópio, faz toda

a tomada Bárbara, ali, em 

Paris, em dia com sua demanda,

no quadro da tarde

com Joana D`Arc.


Pois, no canto alto da torre,

nas pinturas dos museus,

uma baguete mata a fome,

um croissant não é nada mau.


Eu te vi, diante da Torre Eiffel,

e depois ali, de novo, concentrada,

diante da câmera, na profunda lida

dos poemas misteriosos aqui revelados,

eu lendo as fleurs du mal, 

de um bateau ivre, le mot du verse,

jogando dados com Mallarmé.


De manhã, na aurora,

o meu verso em festim,

dando o salto na entourage,

pour faire bien ma chanson, 

na noite que canta "ce soir

j`ai danser, parce que tout

ça sera fait".


07/08/2024 Vibe

OLÍMPICAS

Neste fogo da pira, a senda esportiva se abre,

os campos velozes, os corpos em foco,

a força mental que vence, que vence

em toda a vida, nestes cantos olímpicos.


Na face da poesia o universo tem

deste encanto o suor que brilha

na luz solar, entre os desafios,

e toda uma verve que estoura

a boiada, todos à medalha,

de bronze, prata, ouro

e máquina de feitos.


07/08/2024 Vibe 

ALMA DANÇARINA

Onde está a minha alma?

Neste sol, neste deserto,

sequioso está o corpo,

onde foi minha alma?


Pois que de belcanto,

de vultos desesperados,

da viva ânsia do transe,

de todas as drogas alucinadas

que possam me dar aos 

demônios, aos mil diabos,

como retomar minha alma?

Como reencontrar a minha 

alma neste mundo cão?


Pois, de poemas aos milhares,

aos cântaros das chuvas, 

nas tempestades furiosas,

perderei todo o meu senso,

e tal mártir, poeta, santo,

beberrão, cortado por veias

em alicates e facas, todo

suturado das elegias

mais mortíferas.


Quem é este Satã 

das artes góticas? 

Onde mais que 

o ópio supremo 

levou a minha alma,

aquela que brilhava

no sol, e que agora

contempla a lua.


07/08/2024 Monster 

TERRÍVEL CANTO

Perto da poesia o rito ainda é selvagem,

do fundo mais instintivo, seu eixo,

sua geografia, e todo o seu relevo,

é primitivo, inaugural, mais fundo

ainda que o silêncio de um orbe

desabitado, onde ressoa um eco

do mistério e da origem destinada

ao ser de nós mesmos, movimento

indecifrável, na frouxidão de uma

superfície das notas de voz e trabalho,

sob tudo em que está o mundo,

há este magma fatalista

da existência, debaixo da crosta

dos dias, escondido na noite

terrível de meu eterno canto.


07/08/2024 Monster

CROWDSTRIKE - PARTE 1

“inédito e histórico apagão digital em escala planetária”


Seguindo o que já estava sendo tematizado sobre internet e as limitações que representam a centralização desta em poucas empresas, as big techs, abro aqui um intermédio entre a série de textos que vinha escrevendo aqui na coluna para tratar, correlacionado a estes textos, o caso recente da CrowdStrike que, a propósito, nos deu um exemplo concreto e real, e atual, pois aconteceu outro dia, do que se estava falando nos textos que eu estou seriando como “internet e sistemas complexos”.

O fato sobre a CrowdStrike revelou toda a vulnerabilidade e a pouca resiliência de um sistema que se estrutura em poucos alicerces, todos em monopólios ou duopólios, em todas as escalas do sistema, desde softwares até a infraestrutura geral. Portanto, uma falha na atualização do sistema da empresa de cibersegurança CrowdStrike levou a um inédito e histórico apagão digital em escala planetária. 

Tivemos hospitais emergenciais com cirurgias interrompidas, aplicativos de bancos que pararam de funcionar, filas em aeroportos com check-ins suspensos e computadores travados, painéis da Times Square, de Nova York, por exemplo, apagados, e computadores que tinham o sistema operacional Windows todos com a mensagem da chamada “tela azul da morte”.

O problema surgiu no software de segurança Falcon, que pertence à empresa de cibersegurança CrowdStrike. O Falcon tem a função de rastreamento e monitoramento de atividades online a serviço de grandes empresas e bancos, e no caso a Microsoft contratou este serviço para proteger seu sistema operacional, o Windows. 

O problema veio de uma atualização do Falcon que não “conversou” com o Windows e ocorreu uma falha geral, em cascata, e também em escala, visto o alto grau de dependência de grande parte dos computadores do Windows. No Brasil o efeito foi menor do que em países como os Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, por exemplo. Por sua vez, pela rede social X, o CEO da CrowdStrike, George Kurtz, afirmou que o problema na atualização “foi identificado, isolado, e uma correção foi implementada.” Por fim, durante o dia desta falha o problema foi sendo debelado. 

Contudo, estes computadores atingidos não voltam a funcionar automaticamente, pois equipes de TI terão que reiniciar estes hardwares e em modo seguro, ou seja, será necessário o acesso deste profissional a uma tela de comando para remover o arquivo que causou a falha. Portanto, enquanto usuários do sistema operacional Windows, da Microsoft, enfrentavam a tela azul da morte em seus computadores, aqueles que rodavam os sistemas operacionais Mac e Linux não foram atingidos. 

A plataforma de segurança Falcon é uma ferramenta que detecta e monitora possíveis invasões e ações de hackers. Esta atualização da Falcon, contudo, acusou um “falso positivo” em servidores Windows, ou seja, processos ordinários foram tomados por maliciosos e então foram bloqueados, o que instaurou o caos, que foi este inaudito apagão digital planetário, que parecia até um ataque massivo de hackers pelo mundo.

Existe o risco de sempre ocorrer falhas semelhantes no futuro, uma vez que há uma concentração na indústria de cibersegurança, que também é reflexo de uma concentração em todo o sistema digital do mundo, em todos os setores, e no caso da Microsoft, por sua vez, esta utiliza os serviços da CrowdStrike para a proteção de seu sistema de nuvem, o Azure. A falha da Falcon foi grandiosa, portanto, pelo fato de o Windows rodar em cerca de 70% dos computadores do mundo. 

Uma das providências que deveriam ser tomadas após este evento é a de repensar padrões de governança e de testes de segurança da indústria de software. A falha de segurança, dada a sua escala, implica nas responsabilidades da indústria, isto é, neste caso significa o grau de responsabilidade civil de uma empresa como a CrowdStrike no episódio, por exemplo. 

A falha da Falcon se iniciou numa atualização que gerou o chamado BSoD, sigla em inglês para a “tela azul da morte”, corrompendo milhares de computadores que rodam o Windows e danos para diversas empresas e instituições. Atuando no endpoint, isto é, nos equipamentos que estão na ponta da rede, a plataforma Falcon Sensor instala um agente que monitora o tempo todo o sistema operacional Windows para, caso necessário, tome ações de bloqueio se detectar ameaças, tudo de modo automático. 

A atualização ganhou esta escala pelo fato de ter sido algo específico para o Windows, não afetando sistemas da Apple (MacOS) ou Linux, um software aberto. Em geral, atualizações de sistemas são testadas antes em pequena escala, o que pode implicar que esta falha ocorreu por falta de um maior rigor nesses processos de testes e controles.

O software da CrowdStrike é usado por 298 companhias da Fortune 500, que é uma lista das 500 maiores empresas dos Estados Unidos. A escala da falha se agravou pelo fato da empresa, tendo sido fundada em 2012, já abarcar importantes setores-chave da economia norte-americana, com diversos contratos vigentes. 

As brechas de governança do sistema, contudo, ficaram evidentes, e tudo terá que ser repensado para uma maior resiliência deste mesmo sistema, desde a cibersegurança, que está concentrada, como em outros monopólios e duopólios que se estendem por todos os setores possíveis da tecnologia digital mundial. No caso do setor de segurança cibernética, por sua vez, apenas 15 companhias do mundo respondem pela proteção de 62% dos ataques cibernéticos globais em superfícies externas. 

Como é alto o custo dos serviços oferecidos pela CrowdStrike e também devido ao uso do sistema de nuvem não ser tão disseminado, ainda, nas empresas e instituições do Brasil, o país sofreu bem menos os efeitos do colapso global. O mercado digital brasileiro, traduzindo, é menos maduro que os de países como Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, por exemplo.

O crescimento da CrowdStrike, por sua vez, se deu a partir de seu foco em soluções para sistemas em nuvem, oferecendo proteção completa para o endpoint, habilitada por inteligência artificial, gerando respostas mais rápidas contra ameaças. Portanto, esta imagem de eficiência de sua plataforma Falcon Sensor agora está arranhada por uma falha imprevista de atualização específica para o sistema operacional Windows, que configurou este desastre global.

(continua) 


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/crowdstrike-parte-i