PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

STEPHEN BANNON E O NEOFASCISMO (PARTE 2)

“Bannon viu grande perspectiva nas comunidades de jogos online”


Em relação a Stephen Bannon, o fundador do Breitbart, Andrew Breitbart, se referia a ele como a “Leni Riefenstahl do movimento Tea Party”. Este movimento político, de direita e conservador, atuou junto ao parasitismo de Bannon na democracia norte-americana, em que o dito cujo assumiu a direção do Breitbart, depois da morte por infarto de Andrew em 2012. Neste contexto, o ex-editor do Breitbart, Ben Shapiro, chamou Bannon de valentão, e que pegou o legado de Andrew e transformou em apoio político a outro valentão de ginásio, Donald Trump.

Antes de Bannon se aproximar de Trump, ele investiu nas lideranças mais tradicionais do Partido Republicano, apoiando figuras como Ted Cruz, Ben Carson e Rand Paul. Bannon foi financiado por Robert Mercer, um bilionário que tinha relações com a Rússia, e que tinha investido no Breitbart e na Cambridge Analytica, e entrou com um financiamento de guerra de informação para atacar Hillary Clinton.

Trump entrou para o programa de propaganda do Breitbart. Bannon, por sua vez, recebeu apoio de Mercer para se tornar o CEO da campanha de Trump em agosto de 2016 para a presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, que acabou sendo tomado por uma candidatura fora da curva, um outsider, que cresceu nas prévias do partido, e deixou lideranças bem cotadas como Ted Cruz, para trás. 

Bannon ocupou um cargo inventado para ele no governo Trump, e depois rompeu com o mesmo, depois de comentários feitos por Trump no livro de Michael Wolff, Fogo e Fúria. “Sloppy Steve” passou a ser a alcunha dada por Trump para Bannon depois de eles romperem.

Stephen Bannon, depois de passar quatro anos na Marinha, recebeu um MBA em Harvard, teve passagens pelo Goldman Sachs, na mídia de entretenimento, auxiliando na produção da série Seinfeld, e depois seguiu produzindo documentários que faziam propaganda do Tea Party e de Sarah Palin. Depois de sua passagem pelo entretenimento, Bannon viu grande perspectiva nas  comunidades de jogos online.

Bannon percebeu que lá havia membros de homens brancos que poderiam possibilitar a criação de um exército de sociopatas, que agora são chamados de incels, os celibatários involuntários, que remete a um ressentimento social e sexual, de homens tíbios e frustrados, que acabam indo para caminhos de misoginia, ofensas a minorias e com todo tipo de perversões, incluindo pedofilia e demais crimes virtuais. Isso, segundo Bannon, poderia favorecer a política conservadora outsider, que tinha na figura de Trump a sua versão carismática e populista, o objeto do culto de personalidade que este tipo de movimento necessita.

O Gamergate foi uma das consequências do estímulo para tais comunidades de jogos online, uma vez que resultou do fato da desenvolvedora de jogos de nome Brianna Wu ter sido vítima de ódio por parte de grupos de jogadores, com ameaças de estupro e de morte. Brianna Wu caracteriza o Gamergate como uma guerra total que se torna o 8 chan, e que, por conseguinte, chega até o surgimento do movimento QAnon, que vive de teorias conspiratórias e fake news para distorção dos fatos e da realidade e alienação de incautos. 

Bannon, já depois de sua ruptura e saída do governo Trump, funda o “The Movement”, que passa a atuar na Europa, fomentando grupos de extrema direita no continente, e reunindo interesses e figuras de proa de ideologias reacionárias de direita para juntar forças e organizar a extrema direita num nível internacional. 

Bannon, por sua vez, realizou viagens pela Europa, para fortalecer laços com lideranças de orientação extremista de direita e para expandir suas redes pelo continente europeu. Conexões novas surgiram, o que pode ser exemplificado no surgimento de Giorgia Meloni, chefe do Partido neofascista Irmãos da Itália, que veio como uma candidata outsider, e que se elegeu na Itália, desbancando lideranças de partidos mais tradicionais do país.

A parte de operações de inteligência na Europa para tais candidaturas populistas e outsiders de extrema direita passava por apoio logístico em tarefas como pesquisas, análises de big data, orientações de gestão política, dentre outras técnicas e know how, parte devido a experiência de Bannon que tinha ocorrido na agora invalidada e extinta Cambridge Analytica, da qual fora o co fundador. 

Outro meio, e que foi efetivo para a eleição de Meloni na Itália, por exemplo, foi o intenso e massivo uso das redes sociais, algo que a extrema direita saiu na frente da esquerda tradicional, que ainda ficou apegada a jargões e palavras de ordem que eram mais cacoetes e tiques do que algo que ainda tinha efeito na política real do terceiro milênio e da internet. 

Meloni afastou, de modo sutil, a sua imagem do neo fascismo, saindo do isolacionismo e voltando-se para valores da União Europeia, e com isso sacando a candidatura de Matteo Salvini, que se viu abandonado pela mídia italiana, ainda tomado por sua associação a figura de Putin e sua guerra expansionista nostálgica. 

Meloni, já como governo, manteve, por exemplo, um ultratradicionalismo, como política interna, se comparando a setores radicais do Partido Vox da Espanha e do Partido Republicano norte-americano, por exemplo. E isso tudo sendo efeito da influência de Bannon na ascensão de Meloni.

Tal dianteira da extrema direita na técnica de política eleitoral, por sua vez, se deu mundialmente, e também aqui no Brasil, sobretudo na eleição de Jair Bolsonaro em 2018. O uso hipnótico do termo “mito”, somada às hostes das redes sociais, teve um efeito avassalador, enquanto outras candidaturas dormiam no sono analógico dos lugares comuns de uma campanha em moldes tradicionais.


(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/stephen-bannon-e-o-neofascismo-ii

quarta-feira, 24 de abril de 2024

A VIDA MÉDIA

Reinou nas ilhas, 

perante o patíbulo

a sua cabeça rolou, 

a carcaça foi jogada

aos lobos, a doença 

e a ossada

entre as 

moscas.


O poder derruiu em conspirata.

Avante, cortaram com a espada

o ideal, a utopia.


Avante,

golpearam com dureza

a valorosa chama,

o sonho que inflama.


Neste violento regime

espartano, em que 

o sangue vigora

a pena de talião,

venal, capital,

veio a antiga guerra

do ferro e do bronze, 

atávica.


Gustavo Bastos - 24/04/2024

sexta-feira, 19 de abril de 2024

POESIA ABRASIVA

De todo o tempo 

geológico, do Carbono 14

se mede as camadas 

da rocha, em que

um bicho metamórfico, 

cravejado de um diamante 

ainda bruto, parece 

vindo de um conto

de Lovecraft.


O chamado metamorfose 

de Cthulu, dos seres 

pré-cambrianos, ainda 

metaphytas, vem com 

algas que dão choques 

e uma gangue de cnidários 

celenterados para queimar 

a certeza, nestes mares 

absurdos da palavra, 

mais rocha que pedra, 

rachada de ouriço, 

em que flutua

a estrela-do-mar.


Vem como uma pedrada, 

poema impassível,

magmático, sedimentar,

de uma experiência neolítica,

com o vil metal surgido

do cru e do cozido.


Um poema que é rito, 

tribal, tatuado,

guerreiro nômade,

em que cada verso,

com o sangue pagão,

brotou da rosa

sua mística harmonia

na luz do mundo.


19/04/2024 Gustavo Bastos 

POESIA CANORA

No fundo das coisas 

o reto poema brota.

Na calada da noite, 

por detrás da moita,

o néscio aguarda 

o bote, em vão.


Vem toda aquela 

patota mesquinha,

de doer os ouvidos 

os estalidos, as revoltas 

infantis, o parque 

medíocre dos idiotas.


Fato consumado, 

o massacre.

As notícias repetem : 

massacre.


No passo dos viventes 

diante da morte,

toda a face do medo, 

do desespero.


Veja como a máquina 

do mundo evolui!

Me envolve a nova 

estrela, meu quasar,

o dia em que fui 

para Andrômeda.


Nas leis da vida, 

quem não espera, 

desespera. 

E quem sabe da hora,

na hora acerta.


Os dias estão diferentes, 

estão mudados. 

A metamorfose

do cosmos, 

da vida poética,

vem caindo 

aos versos, 

e no encanto 

canta belo bela

melodia, modula 

o metro, tal canoro 

canto dos poetas.


19/04/2024 Gustavo Bastos 


quinta-feira, 18 de abril de 2024

ESTE POEMA

Sei, digo, assim me foi revelado.

Este poema é uma esgrima, 

um tiroteio, um canhão, 

uma bomba.


Este poema é uma flor,

uma senda, um rio, 

um mar.


Sei, isto me foi ditado na noite,

sim, eu sei isto, me foi soprado

pela manhã.


Este poema é um propósito,

um salto mortal.


Este poema é um lírio,

é um delírio.


Este poema é sensato,

este poema é louco.


Ah, muito sei disto,

este poema bobo,

este poema esperto,

que nem Camões ou Pessoa,

Baudelaire ou Rimbaud.


Este poema é o caos.


Meu canto, minha estrela,

este poema que fiz. 


18/04/2024 Gustavo Bastos

OS POETAS SUICIDAS

Pergunte ao sol o porquê

de sua veia ser finita,

pois nada adianta o estro,

se tua carne apodrece,

e teu anelo de anjo

temerá a espada,

de senda pesada

como a maré da

tempestade.


Vai-te, beber até cair,

bater papo com Deus e o Diabo!

E cada gesto de loucura

te atenazará, na prisão

dos enfermos, e o pecado,

dando cria no teu peito,

dormirá, ocioso, na grama,

como um rato ébrio

que perdeu seu destino.


Gustavo Bastos, 18/04/2024 

SANGUE PURO DO TEMPO

Quem com o sangue está na batalha,

forja na pele a tatuagem do tempo,

e neste seu desenho o ensinamento,

como quando o coração e a alma

se educam, no amor e na dor,

em que o canto é firme,

se não sucumbe, em que

o pensamento é reto,

se não foi corrompido,

em que o sol brilha,

a lua traz o flerte,

o poema tem estrela,

e a vida é bela.


Gustavo Bastos, 18/04/2024 

CHATO BOT

O projeto, bem ditado na programação, 

em que o algoritmo dizia o seguinte :

"Olha como sei rimar, sou um poeta

na beira do mar, esses versos de amar.

Olha como sou um passarinho,

bebo e nado no rio, bebo vinho."


Nada mais disse quando o prompt

o colocou diante de um oximoro,

e em toda a tautologia, nas

garras da petição de princípio,

ensaiou sua resposta binária, 

e no piche do ardil,

trotou como um basbaque, 

com espasmos teratológicos.


 O bot disse :

"Eu sou uma inteligência artificial

programada para replicar o que

é humano, porra, eu não entendi

o que foi proposto, porra,

eu não tenho gostos e inclinações

pessoais, estou agora bip, urgh,

peço que repita o comand ...

peço que rep ... bip ... vrau!"


Eis que tentei introduzir

os mistérios de Enoque,

Rei de Pituitaba, 

e a porra do bot

nunca tinha ouvido

falar, doce ironia.


Eu falo aqui que 

este poeta desaforado

cagou para esta rima

que saiu de meu

estro varado.


Bota na conta,

sir, garçom, camarade!

Eu pago amanhã.

E a puta foi de graça.


Gustavo Bastos, 18/04/2024 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

STEPHEN BANNON E O NEOFASCISMO (PARTE 1)

“um bombardeio digital/ideológico, com métodos de prevaricação midiática”


A aceleração do fascismo global, que pode ser chamado de neofascismo, tem, como um dos principais agitadores, a figura de Stephen Bannon. Ele, que surgiu com a promessa de realizar, nos Estados Unidos, o expurgo dos democratas, e que atua como um parasita na política norte-americana e global, buscando hospedeiros, e atuando sobretudo através de técnicas de lavagem cerebral e de manipulação ideológica.

Pessoas que se apresentavam como politicamente conservadoras, por sua vez, com a influência de Bannon, se radicalizaram, e isso depois das consequências do episódio da Cambridge Analytica, que funcionou como um preâmbulo da expansão dos tentáculos de Stephen Bannon na política mundial.

Nesta expansão do poder de Stephen Bannon tivemos também a contribuição da Breitbart, e tudo sendo usado para afastar o conservadorismo da democracia liberal e gerando novos adeptos de um neofascismo global disruptivo, num totalitarismo que foi sendo aceito via a cooptação das mentes, estas que começaram a perder a confiança na democracia e nos seus valores.

Stephen Bannon atuou como presidente executivo da Breitbart, vice-presidente da operação eleitoral de mineração de dados Cambridge Analytica e como CEO e estrategista-chefe da campanha de Trump. Por seu turno, Bannon foi financiado por dinheiro do mercado negro, atuando para unir partidos amigos de Putin, por exemplo, em toda Europa.

Putin foi figura-chave para Bannon exercer a sua tática de aceleração do fascismo global, numa cruzada contra o cosmopolitismo, e que muitos passaram a usar a expressão “globalismo”. Isto é, o que se vê com esta ascensão neofascista global é a crise de uma geopolítica que se pretendia bem resolvida no auge da globalização dos anos 1990. Contudo, a História não se encerra em platôs de tranquilidade, pois sempre é sacudida, periodicamente, por novos agentes, para o bem e para o mal.

Bannon, nesta atuação na Rússia, conheceu o estrategista político russo Alexander Dugin em 2018, um ideólogo que concebeu a chamada Quarta Teoria Política, que é uma gororoba pretensamente híbrida que tenta convencer sobre um esquerdismo de sinal trocado, com um resgate do stalinismo nacionalista soviético, isso misturado com ideologias de extrema-direita, juntando nazismo esotérico, perenialismo, tradicionalismo, nova direita da Europa etc.

O Duginismo é o que na Antiguidade pós-clássica da Filosofia se chamava de Ecletismo, só que aqui com agentes duplos para a confusão mental, de sinalizações fakes à esquerda, e que no Brasil gera verdadeiros frankensteins, como o PCO, que girou o diapasão da extrema esquerda e parou no outro lado da circunferência com teses delirantes afeitas à extrema direita.

A opinião pública, na sua representação de quarto estado, via jornalismo e os meios de comunicação, também sofreu o assédio de forças ligadas a Bannon, do fascismo global, e de toda esta influência ideológica desses novos atores sociais radicalizados e destruidores dos valores democráticos. 

O fracasso do quarto estado se dá quando as empresas multinacionais começam a comprar os jornais e os meios de comunicação e se instaura a chamada Grande Guerra da Informação, em que o parasitismo mental de Bannon domina outros espíritos (mentes) via um bombardeio digital/ideológico, com métodos de prevaricação midiática. 

Podemos destacar, nestes casos de prevaricação, o episódio como quando sete repórteres do Washington Post escreveram uma reportagem sobre Stephen Bannon em que não se mencionou seu papel na Cambridge Analytica. Este domínio econômico sobre a opinião pública, na sua representação jornalística e midiática, é o meio principal deste novo poder do neofascismo, de sua reprodução, e que é a versão prática da Grande Guerra da Informação do mundo contemporâneo.

Stephen Bannon incomodou os promotores de Nova York, embolsou um milhão de dólares depois de ter, supostamente, enganado fãs de Donald Trump, se achando especial e tomando por menos o Congresso dos Estados Unidos, e acabou, finalmente, sendo acusado de fraude. 

Em 2020, por sua vez, Stephen Bannon foi preso por fraude eletrônica e lavagem de dinheiro. Também foi, há pouco tempo, considerado culpado por desacato ao Congresso americano. Sendo condenado a quatro meses de prisão, recebeu indulto presidencial de Trump, o que levantou as suspeitas sobre uma arrecadação de fundos do muro na fronteira.

No julgamento marcado para maio de 2024, Stephen Bannon pode ser condenado por ter fraudado apoiadores de Trump, escondendo a fraude com faturas falsas, o que pode gerar uma condenação de até 15 anos de prisão. 

As acusações também passam por lavagem de dinheiro, conspiração e esquema de fraude, contravenção que envolve esta conspiração para realizar fraude. Portanto, os indultos presidenciais não foram suficientes para barrar e esclarecer as acusações estaduais, nos Estados Unidos. Somente diante das acusações federais originais, já tivemos a condenação de um colega de Bannon a quatro anos de prisão, por desvio de US$350 mil da campanha presidencial de Trump.

Stephen Bannon pode ser comparado a uma espécie de Rasputin, na relação com Trump, na referência a líderes corruptos que precisam de figuras também corruptas por perto e os auxiliando. Estas figuras místicas, como Rasputin, ou na versão contemporânea, de Stephen Bannon, como um agitador digital, também um tipo prestidigitador, só que mais moderno, funciona para líderes como Trump como um meio de alavancagem e de cobertor de segurança.


(continua)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/stephen-bannon-e-o-neofascimo-parte-1

segunda-feira, 15 de abril de 2024

O AMOR FELIZ DA POETA WISLAWA SZYMBORSKA

"a poeta deixa evidente a importância de dizer “não sei””


A partir da publicação do livro “Poemas”, pela Companhia das Letras, em 2011, no Brasil, a poeta Wislawa Szymborska deixou de ser uma desconhecida dos apreciadores de poesia no país. 

Esta poeta polonesa, que ganhou o Nobel de literatura em 1996, se tornou familiar ao leitor brasileiro de poesia e de literatura, pois este livro “Poemas”, repercutiu tanto entre estes leitores como na imprensa, e o resultado imediato foi aparecer mais uma tradução da poeta polonesa no Brasil, agora com o título de “Um Amor Feliz”, coletânea que reúne 85 poemas, a partir de uma seleção de livros publicados, originalmente, a partir de 1957 até o ano de morte de Szymborska, em 2012.

Este livro “Um Amor Feliz” tem a predominância de poemas da fase inicial da obra de Wislawa Szymborska, dos livros de 1957, Chamando Por Yeti, de 1962, Sal, e de 1967, Muito Divertido, além da fase final, abarcando os poemas publicados já no século XXI, incluindo a obra póstuma “Wystarczy” (Chega), lançado em 2012. 

A distribuição dos poemas é cronológica, dando uma ideia dos temas que a poeta abordou durante meio século de atividade literária. A lista de interesses da poeta podia ir, por sua vez, das ciências e da filosofia, passando por questões históricas da Antiguidade e do mundo contemporâneo, a vida cotidiana, donde se retirava sempre algo inaudito, e também se ligando a temas do micro e do macrocosmo. A linguagem de seus poemas também possuía um humor e uma leveza.

As tragédias do século XX, embora fossem temas sérios e tratados como tal, tinham também a fina ironia da poeta como fundo crítico. A vida em sua fragilidade e seu caráter efêmero também apareciam com riqueza em seus poemas, o silêncio indiferente do universo, ensimesmado em seu enigma, a incomunicabilidade entre as pessoas, dentre outros temas. 

Também se pode ver em sua poesia a condução de um olhar que não domina o saber em seu todo, mas que tem como valor a curiosidade de quem descobre a indagação fundamental, desestabilizando certezas arraigadas, pré-concepções de mundo, cosmovisões engessadas, e tudo o que impede o movimento do mundo, e isso através de perguntas fundantes e insólitas, o que também dá corpo a seus poemas filosóficos. É em seu discurso do Nobel que a poeta deixa evidente a importância de dizer “não sei” para fazer os seus poemas, pois isto abre novos modos de ser e de ver.

A poesia de Wislawa Szymborska, mesmo acessando profundidades através de questionamentos insólitos e inauditos, mantém a sua proximidade com o leitor, pois não vira um hieróglifo indecifrável ou algo de uma filosofia de fundamentação abstrusa. Ou seja, a poeta consegue salvaguardar a clareza de suas ideias, mesmo no enfrentamento contra certezas e aparências que tendem a simplificar o mundo de modo equívoco.

Os poemas de Szymborska começam de modo provocativo, partindo de perguntas aparentemente banais, ou observações e afirmações prosaicas, mas que logo avança para algo inaudito, imprevisível, mas que conclui tudo de modo claro e lógico. A proximidade destes poemas com o leitor comum, sem afetações enigmáticas ou abstrusas, caracterizam os poemas de Szymborska como distantes de qualquer lirismo elevado.

Em uma entrevista de 1975, a poeta conclui : “Parece-me que esses críticos que acham que eu às vezes escrevo como que novelinhas em miniatura, que são na verdade pequeninas histórias com alguma ação - talvez tenham razão”. 


Poemas : 

Livro : Chamando Por Yeti

Noite : O poema deste livro de 1957, início da atividade literária da poeta, já nasce com o tema bíblico extremo do sacrifício de Isaac para Jeová, mas que é suspenso em cima da hora como prova de fé, por parte de Abraão, no que temos : “Mas o que foi que o Isaac fez?/seu padre me diga.” (...) “Os adultos que durmam/um sono tolo assim,/esta noite/eu preciso vigiar até a aurora./A noite se cala,/mas se cala contra mim,/escura/como o fervor de Abraão”. A poeta encara a noite, tal como se esta se desse para ela com o mesmo fervor de Abraão, no que segue : “Onde vou me esconder,/quando em mim pousar/o olhar bíblico de Deus/como pousou em Isaac?/Antigos feitos se quiser/Deus pode ressuscitar./Por isso gelada de medo/cubro a cabeça com o cobertor.” (...) “Algo logo vai/embranquecer diante da janela,/encher o quarto com o zumbido/de um pássaro ou do vento.”. O temor mortal da poeta está presente no poema, como se fosse Isaac partindo ao sacrifício, no que segue : “Deus vai fingir/que voou para dentro por acaso,/que não era para estar realmente ali,/e depois vai levar meu pai/para a cozinha confabular sobre o caso/e com uma grande trombeta lhe soprar ao ouvido.” (...) “E quando amanhã bem cedo/meu pai pela estrada me levar,/vou, vou/enegrecida de ódio./Em nenhum amor, nenhuma bondade,/vou acreditar,/mais indefesa/do que as folhas de novembro.” (...) “Nem amar,/carregar um coração vivo no peito./Quando acontecer o que tem que acontecer,/quando acontecer,/vai me bater um fungo seco/em vez do coração.”. Parece que existe um destino inevitável, tal como o de Isaac, mesmo com este suposto Deus tendo entrado como um vento do acaso por ali, na presença da poeta e de seu pai, a grande trombeta parece soar ao ouvido da poeta, e isto a congela de medo da morte, no que segue : “Deus espera/e da sacada das nuvens espia/para ver se alta e bela/queima a fogueira/e verá como/se morre de teimosia,/porque vou morrer,/não vou deixar que me salve!” (...) “Desde aquela noite/além dos limites de um sono malsão,/desde aquela noite/além dos limites da solidão,/Deus começou/pouco a pouco/devagarinho/a mudança/do literal/para o metafórico.” Foi assim, que da noite e de seu temor, a metáfora nasceu da poeta, a indagação que vem do espanto, com a sua poesia que não se sabe se é destino ou tampouco acaso, apenas existe.

Ainda : A poeta fala aqui do holocausto, e retrata o transporte dos judeus nos trens para os campos de concentração e de extermínio do nazismo, no que temos : “Vão pelo país em vagões selados/os nomes transportados,/mas para onde vão assim,/será que a viagem terá fim,/não sei, não direi,/não perguntem.” As pessoas que são transportadas, todas, sem exceção, estão com medo de morrer, incertas quanto ao futuro, e Szymborska cita alguns de seus nomes, no que vem : “O nome Natan esmurra a parede,/o nome Isaac canta louco de fome,/o nome Sara pede água para o nome/Aarão, que morre de sede.” A poeta prevê que alguns destes condenados pelo regime nazista sobreviverão, e pede que tenham resiliência, que não desistam de viver, pois Davi, por exemplo, que pensa em se jogar do trem, ainda terá um filho no futuro, no que temos : “Não pule do trem, nome Davi./Você é um nome que ao fracasso condena,” (...) “Que teu filho tenha um nome eslavo,/porque aqui cada fio de cabelo é contado,/porque aqui o bom do mau/pelo nome e feição é separado.” Este lugar do extermínio, em que cada gesto é vigiado, toda gente registrada, em que características físicas e pretensamente raciais separam o bom do mau, em que o próprio maligno julga como maligna e amaldiçoada toda raça que não lhe seja espelho, num plano de solução final, não sabe que de sua tragédia ainda resta a esperança de um outro dia, quando isso tudo passar, no que temos : “Não pule do trem. Ainda não é hora./Não pule do trem. Será Lech o teu filho./Não pule. A noite como uma risada sonora/arremeda o rolar das rodas no trilho.” (...) “Uma nuvem de gente sobre o país seguiu,/ nuvem grande,/chuva pouca,/uma lágrima caiu,/chuva pouca,/uma lágrima/secura./Os trilhos dão em uma floresta escura.” (...) “Sim, é assim, segue pelos trilhos o trem./Sim, é assim. O transporte dos gritos de ninguém./Sim, é assim./Desperta na noite escuto/sim, é assim, o surdo martelar do silêncio.” O poema se conclui na obscuridade destes trens, com seu trajeto, seus trilhos e a floresta escura, os gritos de ninguém, em meio aos nomes que a poeta citou no mesmo poema.

De uma expedição não realizada ao Himalaia : A poeta aqui narra o trajeto feito por montanhistas no Himalaia, num poema que descreve imagens e sensações, no que temos : “Ah, então este é o Himalaia./Montanhas correndo para a lua./O instante da largada fixado/no rasgar súbito do céu./Deserto de nuvens perfurado./Um golpe no nada./Eco - mudo branco./Silêncio.” A poeta também traça o contraste entre a paisagem insólita do alto da montanha com o cotidiano que acontece no Yeti, ao pé do Himalaia, no que vem :  “Yeti, lá embaixo é quarta-feira,/tem abecedário, pão/e dois e dois são quatro/e a neve derrete./Tem rosa amarela,/tão formosa, tão bela.” Cabem aqui palavras de esperança da poeta, diante da contemplação da natureza, no que vem : “Yeti, não só crimes/acontecem entre nós./Yeti, nem todas as palavras/condenam à morte.” O mundo não herdará a morte, ainda temos esperança, no que segue :  “Herdamos a esperança -/o dom de esquecer./Você vai ver como damos/à luz em meio a ruínas.” (...) “Yeti, temos Shakespeare lá./Yeti, e violinos para tocar.” (...) “Aqui - nem lua nem terra/e a lágrima congela./Ó Yeti meio lunar,/pense, volte!” (...) “Entre as quatro paredes da avalanche/assim eu chamava pelo Yeti/batendo os pés para me aquecer/na neve”. Diante da avalanche, na iminência da tragédia, a poeta assim chamava pelo Yeti, cantando a esperança, dando à luz em meio às ruínas, em que a cultura shakespeariana se misturava à neve indiferente na qual a lágrima congela.

Sonho de uma noite de verão : Como numa peça shakespeariana, a das poções de amores ilusórios e efêmeros, como uma Titania, aqui se insinua a poeta Szymborska, no que temos : “Já se acende o bosque de Ardenas./Não se aproxime de mim./Tola, tola,/me meti com o mundo.” Ela alerta sobre o que pode representar um perigo, mas nada mais que o perigo natural do amor, que se enfrenta e do qual se usufrui, mesmo assim, no que vem : “Por isso cuidado comigo. Vá-se embora.” (...) “Vá-se embora, vá-se embora, mas não por terra./Navegue, navegue, mas não por mar./Voe, voe, meu caro, mas não toque o ar.” (...) “Fitemo-nos de olhos fechados./Falemo-nos com os lábios cerrados./Abracemo-nos através de um largo muro.” (...) “Dupla pouco divertida esta :/em vez da lua, brilha a floresta/e um forte vento, ó Píramo, inflama/o manto radiativo de tua dama.” A interação da natureza e do amor aqui revela dons de poesia e do teatro, o que pode se traduzir como fantasia. A poeta descreve o flerte em meio à radiação que isto envolve. 

Livro : Sal

Um instante em Troia : A poeta agora se volta à mitologia grega, mais especificamente na Ilíada, e descreve as suas chamadas Helenas, no que temos : “Menininhas,/magras e descrentes,” (...) “parecidas com o papai ou a mamãe,/e sinceramente assustadas com isso,” (...) “diante do prato, diante do livro, da frente do espelho/sucede serem raptadas para Troia.” (...) “Nos grandes vestiários de um pestanejar/se transformam em formosas Helenas.” O poema segue descrevendo a beleza, e o que esta provoca, entre os que tombam por estas Helenas, no que segue : “Ascendem as escadas reais/num sussurro de assombro e de sedas.” (...) “Sentem-se leves. Sabem que/a beleza é um descanso,/que a fala assume o sentido dos lábios” (...) “Seus rostinhos/que valem a demissão dos emissários/se projetam com orgulho de colos/dignos de um cerco.” (...) “Os morenos dos filmes,/os irmãos das colegas,/o professor de desenho,/ah, todos tombarão por elas.” E estas belezas inebriantes se fiam num cenário de hipocrisia, no que segue :  “As menininhas/torcem as mãos/num rito inebriante de hipocrisia.” Em meio a uma Troia em chamas, a tragédia se abre em seu lamento universal, no que segue : “As menininhas/contra o fundo da devastação/no diadema da cidade em chamas/e os brincos do lamento universal nas orelhas.” (...) “Pálidas e sem uma lágrima./Saciadas da visão. Triunfais./Tristes somente/de ter que voltar.” (...) “As menininhas/voltando.” O triunfo dos helenos e de suas helenas vence com frieza, e então só resta a tristeza do retorno da viagem.

O resto : No teatro shakespeariano, aqui diante do clássico Hamlet, temos a personagem Ofélia, a irmã do príncipe que acaba se suicidando, numa peça em que a filosofia do suicídio tem seu primeiro esboço, bem antes de Camus ou Cioran, no que temos : “Ofélia acabou de cantar cantigas loucas/e saiu de cena preocupada :/será que o vestido não amarrotou, o cabelo/caiu nos seus ombros do jeito que devia?” (...) “Para cúmulo da verdade, lava o cenho do negro/desespero e - como filha de Polônio que é -/para ter certeza conta as folhas tiradas do cabelo./Ofélia, que a Dinamarca perdoe a mim e a ti :/morrerei com asas; sobreviverei com garras práticas./Non omnis moriar de amor.” A poeta, contudo, contraria o cenário niilista e sobrevive, sem morrer de amor.

Bodas de ouro : A poeta descreve como o amor conjugal pode surgir e se desenvolver, mas, claro, envolvido na metáfora poética e um olhar sui generis de descrição e compreensão, no que temos : “Devem ter sido diferentes um dia,/fogo e água, diferindo com veemência,/sequestrando e se doando/no desejo, no assalto à dessemelhança.” (...) “Um dia a resposta antecipou a pergunta./Uma noite adivinharam a expressão do olhar do outro/pelo tipo de silêncio, no escuro.” Na dessemelhança, depois do nadir da sexualidade, semelhanças aparecem mais, e a confluência se dá de um modo mais elevado, no que vem : “O sexo fenece, os segredos se consomem,/na semelhança as diferenças se encontram/como todas as cores do branco.” E a questão está em quem se conserva como é, ou quem foi engolido, como num jogo de duplos, em que se multiplica a pergunta por quem é quem e como se gêmeos surgissem da interação mais aprofundada pelo tempo, em que já não se faz distinção nenhuma, nem entre os filhos, e a pomba pousa, então, nas bodas de ouro, tudo idêntico, em que se juntaram as formas e temperamentos, por fim : “Qual deles está duplicado e qual aqui está faltando?/Qual sorri com um duplo sorriso?/A voz de quem ressoa nas duas vozes?” (...) “Quem arrancou a pele de quem?/Quem vive e quem morreu/enredado na linha - de qual mão?” (...) “Devagarinho, de tanto olhar, nascem gêmeos./A familiaridade é a mais perfeita das mães -/não faz distinção entre os seus dois filhos,/mal recorda qual é qual.” (...) “No dia das bodas de ouro, dia festivo/uma pomba vista de forma idêntica pousou na janela.”

As mulheres de Rubens : A poeta agora descreve as mulheres pintadas por Rubens, o pintor brabantino de estilo barroco, no que temos : “Herculinas, fauna feminina,/nuas como um ribombo de barris./Aninham-se em leitos pisados/dormem de boca aberta para cocoricar./Suas pupilas fugiram para o fundo/e penetram no interior das glândulas,/donde os fermentos se infiltram no sangue.” (...) “Filhas do barroco. Incha a massa na gamela,/banhos soltam vapor, vinhos enrubescem,/galopam pelo céu leitões de nuvens,/trombetas estrondeiam o alarme físico.” A pompa e o detalhe rebuscado da pintura barroca se reflete neste poema, em que a poeta faz uma imitação de tons e variações da pintura de Rubens, no que segue : “Ó aboboradas, ó desmesuradas/e duplicadas pela renúncia das vestes/e triplicadas pela violência da pose,/pratos gordurosos de amor!” (...) “Suas irmãs magras levantaram mais cedo,/antes que clareasse no quadro./E ninguém viu quando seguiram em fila/do lado não pintado da tela.” (...) “Banidas do estilo. Costelas à mostra,/pés e mãos de pássaros./Tentam voar nas espáduas salientes.” (...) “O século treze lhes daria um fundo dourado./O vinte - uma tela prateada./O dezesseis não tem nada para as retilíneas.” As mulheres magras ficam ao lado, o gosto estético da época de Rubens privilegia as formas bojudas, e a poeta descreve esta distinção de gosto que evolui e muda com a História, no que temos : “Porque até mesmo o céu é bojudo/bojudos os anjos e bojudo o deus -/um Febo bigodudo que num corcel suado/cavalga para a alcova fervente.”

Água : A poeta descreve neste poema, de forma rica e bonita, a água, e tudo o que poeticamente pode ser pensável e metaforizado em poesia, e a maleabilidade própria da água se revela aqui na forma literária, mais especificamente, poética, no que temos : “Uma gota de chuva me caiu na mão/extraída do Ganges e do Nilo,” (...) “da geada ascendida ao céu no bigodinho de uma foca,/da água dos potes quebrados nas cidades de Ys e de Tiro.” (...) “No meu dedo indicador/o mar Cáspio é um mar aberto,” (...) “e o Pacífico flui dócil para o Rudawa/o mesmo que flutuava como nuvenzinha sobre Paris” (...) “no ano setecentos e sessenta e quatro/em sete de maio às três da manhã.” (...) “Não há bocas suficientes para proferir/teus nomes fugazes, ó água.” A descrição de lugares e os nomes que a água recebe, regiões, etc, é tão rico, que o poema enfim sucumbe como num afogamento, no que segue : “Alguém se afogou, alguém que morria te chamou./Foi há muito tempo e foi ontem.” (...) “Extinguias o fogo de casas, arrastava casas/como árvores, florestas como cidades.” (...) “Estavas nas pias batismais e nas banheiras das cortesãs./Nos beijos, nas mortalhas.” (...) “Roendo pedras, alimentando arco-íris./No suor e no orvalho das pirâmides, dos lilases.” (...) “Como tudo é leve numa gota de chuva./Com que delicadeza o mundo me toca.” (...) “O que quer que, quando quer que, onde quer que/se passou, está escrito na água de babel.” Aqui temos a chuva, a água, e sua imensidade, por fim, como uma babel.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/cultura/o-amor-feliz-de-szymborska

quarta-feira, 10 de abril de 2024

A PRAIA DO SONHO

Vigia ao fim da estrada, 

onde o deserto seca a pele,

e a sede quer o mundo da água, 

a mais líquida de rio,

de lagoa, de um mundo terrível 

de chuva, de tempestade.


Sim, bateu o casco no fundo, 

na ponta da pedra,

na hora do musgo, 

na ilha dos peixes,

na ira do murro, 

em que o capitão deu

um tiro na cabeça.


O marujo bebeu rum

e caiu de cima do convés, 

o todo deste mundo de

vinho e viração, no estalido,

virou um tombo barulhento, 

em que a caravana morria, 

quando foram retiradas

as carrancas das proas,

neste cenário do mar.


Em canto radical,

agitado, intempestivo,

violento neste painel

da morte e da vida,

veloz como o sonho,

terrível neste marulho

que atordoa, se joga

o último idiota.


Na plenitude de sol

que seca e queima

a pele, morre de 

insolação o viajante,

já na areia.


Este homem doente caiu,

com os ossos ressequidos,

as vértebras estouradas,

o coração rijo, os membros

espatifados, e um poema

louco nasceu de sua espada,

e outro poema de seu escudo.


De sua carcaça, ao fim,

já no crepúsculo da praia,

surgiu este livro de sol e mar,

testemunha ocular

destas histórias.


10/04/2024 Gustavo Bastos 

DESBUNDE

A serventia dos sabujos, 

na lida imunda,

como se a lógica 

da riqueza corroesse

a honra.


Demite e vem de viés,

enquanto o esquadro 

amplia o facão.



E tome passaralho, 

um chocalho.


E tome demissões 

sumárias,

neste mar 

de lacaios,

ao som 

da chibata 

e do grito.



A aventura é pobre, anarquista,

não se sabe mais onde irá parar,

a bem da verdade 

é viajante.


Eis o mundo da vida 

como um atlas lisérgico, 

um sonho psicodélico,

que mandou um foda-se 

e não volta mais.


10/04/2024 Gustavo Bastos 

A TRANSIÇÃO DO SNI PARA A ABIN

“ o desmonte do SNI pelo novo regime democrático não seria trivial”


O SNI (Serviço Nacional de Informações), desde o início do processo de redemocratização no Brasil, depois do período da ditadura militar, que tinha durado 21 anos, e durante os dias em que ocorreu a posse do presidente civil José Sarney, produziu relatórios sigilosos que buscavam informações sobre a atuação de agências de inteligência em democracias e também nos regimes totalitários, diferenciando o que numa democracia poderia envolver ações proibitivas, tais como métodos que levassem a violações do direito individual e práticas de atos abusivos.

Em regimes totalitários, por sua vez, tais agências podem atuar com desembaraço e sem impedimentos legais, pois a opinião pública está subjugada e os partidos políticos de oposição proibidos ou extintos. Tais constatações, por sua vez, envolvem documentos inéditos que foram encontrados no acervo do SNI pela Agência Pública, que tem atualmente a custódia no Arquivo Nacional. 

Tais relatórios revelam como o SNI tentava manter intactos seus mecanismos de arapongagem, mesmo após a saída do último presidente militar, general-ditador, da Presidência da República. O SNI, que foi criado imediatamente após o golpe de Estado de 1964, atuou como o centro do complexo sistema de repressão que se estruturou com os militares no poder. 

Instituído pela Lei n°4.341, de 13 de junho de 1964, tinha como objetivo oficial atuar como uma assessoria da presidência da República, atuando nos movimentos de informação e contra-informação, o que significou que o SNI se vinculou à repressão política do regime ditatorial, isto é, participou de  operações nas ruas e sessões de tortura.

O SNI foi idealizado pelo general Golbery do Couto e Silva, que foi um dos principais articuladores do golpe de 1964, e que foi chefe do órgão desde o início do regime e que depois foi sucedido por militares que chegariam à presidência da República, tais como Emílio Garrastazu Médici e João Baptista de Oliveira Figueiredo. 

Durante o regime, por sua vez, foi conferido grande poder ao SNI, o que favoreceu a sua grande expansão, criando tentáculos pelo Estado, incluindo ministérios civis, empresas públicas, universidades, além de sua articulação com outros serviços de informações, como do Conselho de Segurança Nacional, as secretarias de segurança estaduais, além dos órgãos das três Forças Armadas.

A capilaridade e a autonomia da arapongagem do SNI resultaram deste poder instituído pelo regime militar para o desembaraço de suas ações, e o monitoramento de ameaças à segurança nacional se tornou uma das prioridades do regime militar, incluindo a chamada Doutrina de Segurança Nacional.

Esta doutrina refletia o padrão paranoide e autoritário de manutenção da ditadura militar, com esta doutrina representando o substrato ideológico deste estado de espírito perturbador do regime e que favoreceu a espionagem em todos os setores da sociedade civil.

Com o fim do regime, ficou a questão do que fazer com o SNI, em que Golbery soltou uma afirmação que ficou registrada na História do Brasil : “Criei um monstro”. Tal afirmação de Golbery refletia que o desmonte do SNI pelo novo regime democrático não seria trivial. 

Nos relatórios agora revelados do SNI, a preocupação principal do órgão passou a ser com a própria imagem, isto incluindo as críticas feitas na imprensa nacional em que muitos se perguntavam pelo destino deste órgão criado pela repressão política do então acabado regime militar, uma vez que sua criação se deu sob este regime em que a censura perdurou até 1977, período em que o SNI ficou imune às críticas da opinião pública.

As iniciativas para a extinção do SNI, através de projetos de lei, por exemplo, ações de reconhecimento da violência praticada na ditadura e reformas institucionais, por sua vez, preocupavam também o órgão, sendo monitoradas, ficando evidente que o SNI deveria passar por adequações para atuar no regime democrático, o que contrariava seus agentes, levantando mais uma vez que tais iniciativas eram feitas por “subversivos”. 

Reportagens da Veja e do Estadão foram listadas em dezembro de 1987, por exemplo, pelo SNI, e viraram mais uma fonte de preocupação do órgão com a própria imagem, uma vez que foram a público a atuação do SNI durante a década de 1970, como um aparelho de repressão política da ditadura. Portanto, ao invés de se adequar ao novo regime democrático, as ações do SNI buscavam salvaguardar a própria imagem do órgão. 

Durante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), por sua vez, o SNI procurou parlamentares que integravam a ANC para apresentar propostas legislativas para serem incluídas na nova Constituição, sendo que muitos destes parlamentares constituintes foram espionados pelo SNI durante a Assembleia Nacional Constituinte. 

Por sua vez, Ricardo Fiúza, parlamentar próximo dos militares, ficou responsável pelo colegiado que discutiria os temas de inteligência e de defesa, já na fase das comissões temáticas da ANC. Portanto, nada que contrariasse o SNI foi aprovado por tal comissão.

No colegiado em que seriam discutidos os direitos fundamentais, tais como a Comissão da Soberania e dos Direitos do Homem e da Mulher, em debates que envolveriam artigos para garantir os direitos à privacidade, ao sigilo de correspondência e ao habeas data (instituto que prevê que todo cidadão pode requisitar informações sobre si aos entes públicos do Estado), temos tentativas de interferência do SNI. 

O SNI atuou, por exemplo, para retirar a salvaguarda de autorização judicial sobre o sigilo de correspondência e das comunicações em geral, isto para que o SNI continuasse interceptando comunicações privadas. Depois de sugerir a exclusão do artigo que previa o habeas data, o SNI passou a atuar para a implementação de uma estratégia de lobby para a defesa de seus interesses.

Já nos trabalhos da Comissão de Sistematização do ANC, que visava apresentar o primeiro anteprojeto de texto para a nova Carta Magna, temos o SNI detalhando o lobby organizado pelo órgão em novo relatório, promovendo articulações com diversos Senadores e Deputados Federais, na defesa de seus interesses. 

E seguiu o trabalho do SNI de tentar alterar artigos da nova Carta Magna, se aliando ao Centrão e às Forças Armadas, com a esquerda como principal adversário de seus interesses. E o SNI também seguiu atuando na etapa derradeira da Constituinte, que era a fase de Plenário, quando o SNI buscou, até os últimos instantes, eliminar do texto constitucional salvaguardas para a instituição de um novo Estado de Direito, agora sob regime democrático.

O SNI sobreviveu, contudo, à mudança de regime, apesar da Carta Magna ter trazido garantias que o órgão tentou eliminar. Portanto, a transição política para um regime de poder civil e democrático foi insuficiente para promover a extinção do SNI, o que só veio a ocorrer em 1990, nos primeiros dias do governo Collor.

A criação da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), por sua vez, não foi marcada por um debate profundo do tema, pois, até a sua criação em 1999, consistiu numa sequência em que o governo Fernando Henrique Cardoso tentou estabelecer a nova agência por Medida Provisória em 1995, e diante de críticas do Congresso, apresentou um Projeto de Lei em 1997, com poucos debates realizados até a sua redação final.

A falta de um aprofundamento do debate teve como resultado algo mal definido, de escopo amplo sobre do que se trata a atividade de inteligência, dando azo para distorções de interpretação, seguindo a Abin ainda sob certa influência dos termos definidos na Doutrina de Segurança Nacional da ditadura, em que ainda temos, por exemplo, uma percepção do indivíduo, do cidadão, como inimigo, e que é passível de ter seus direitos violados.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  https://www.seculodiario.com.br/colunas/transicao-do-sni-para-abin


segunda-feira, 8 de abril de 2024

AS PEÇAS DE DIONÍSIO

O poema do pântano 

traz a remela 

e os mosquitos,

um canto coaxante 

de batráquio, com estes

versos alambicados 

de um proboscídeo,

de estro gorduroso, 

opíparo.


Vestais dançam 

com o frenesi

em transe, São Vito 

desce e se manifesta 

nos corpos, Dionísio 

e os pícaros sonham 

nus um sonho

numa noite 

de verão,


bem astuto, o poeta

ensaia o grand guignol,

os teatros burlescos,

os fantoches e a farsa,

além da balalaica, e dos 

encômios e panegíricos 

dos senhores que 

bebem vinho.


E na galeria, 

lá estava Munch, 

liquidado, e Van Gogh,

sem eira e nem beira, 

como se leu no hieróglifo 

físico e mecânico 

de Artaud.


08/04/2024 Gustavo Bastos 

CADÊNCIA DA IMAGEM

E o espelho d`água, que não se estilhaça

com o agito e o movimento, apenas

distorce, na imagem refletida,

a refração em sismos, é a claridade

d´água que toda leveza se permite,

pois no ventar dos poemas,

o livro não cabe em si,

o peito o mesmo,

e se avança rumo

ao alegre campo

da visão.


Pois o rumo dos versos,

em pontos cantados,

registros festivos,

e o grande sol

que nos frita

a carne e a pele,

revela no verão

os istmos, um atol,

um arquipélago,

e a lógica evolutiva

das nuvens.


Gustavo Bastos - 08/04/2024 

BOA VIDA

Eu vejo no vento as estações, e no salto

da vida, a cada mudança, o vívido campo

floresce, pois o dia, na estrela nascida,

quer estar ao sol, deitado no fogo e no céu,

nadando no mar, ao som do marulho

e das gaivotas, vendo o mergulho

do albatroz.


Gustavo Bastos - 08/04/2024 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

FARIA LIMER (PARTE 2)

“um mistifório que alterna do anódino ao estapafúrdio, com a nomeação do deputado André Fufuca”

Com a divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, neste primeiro bimestre de 2024, números que representam uma estimativa das contas do governo central, envolvendo Tesouro Nacional, Previdência Social e o Banco Central (BC). A projeção de ligeiro déficit diverge do que foi estimado na LOA (Lei Orçamentária Anual), aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada por Lula no fim de 2023. 

Contudo, mesmo não havendo superávit, o intervalo de tolerância da meta de resultado primário definida pelo governo para o ano foi mantido pela nova projeção, resultado que mira o déficit zero. Tivemos um uso mais eficiente dos recursos públicos, e que teve contribuição do Ministério do Planejamento de Simone Tebet (MDB), que desenvolveu um trabalho de avaliação de políticas públicas, com uma revisão dos gastos obrigatórios, que incluiu a revisão do cadastro do Bolsa Família. 

Por sua vez, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad negociou com diversos atores no sentido de viabilizar um novo marco fiscal. Tais negociações resultaram em mudanças nas regras de julgamentos do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), mudanças em aplicações financeiras de fundos exclusivos e no exterior, a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Confins, que foi votada no Congresso.

Fernando Haddad também conseguiu a aprovação do novo marco legal de preços praticados entre empresas nas transações internacionais, além de novas subvenções (tipo de incentivo fiscal) estaduais que impactam em tributos federais. Na agenda microeconômica, por sua vez, tivemos o novo marco de garantias. 

Apesar do sucesso de grande parte das iniciativas para a chamada “recomposição da base fiscal do Estado”, o Brasil ainda encara um déficit de R$ 100 bilhões, incluído como meta informal, e que tem ainda a autorização do pagamento de um estoque de precatórios de R$ 93,1 bilhões, um esqueleto deixado pela suspensão deste pagamento no vale tudo orçamentário do último ano do governo de Jair Bolsonaro, no desespero deste para se reeleger presidente.

Ainda tivemos as chamadas aprovações de pautas-bomba, no Legislativo, como a prorrogação da desoneração da folha de salários concedida a 17 setores econômicos até 2027, além da redução da contribuição previdenciária de municípios sem regime próprio. E na tentativa de recuperação de receitas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve novos embates com o Congresso Nacional.

Por sua vez, o Poder Executivo tenta encontrar um equilíbrio com o Poder Legislativo, e tem feito muitas concessões, como se diz na gíria, muitas vezes entregando os anéis para não perder os dedos. E tal negociação cada vez mais draconiana com o Congresso Nacional vem desde a implosão do chamado presidencialismo de coalização, uma das apostas da Nova República, e que foi sendo subsumida por seguidas investidas do Poder Legislativo no orçamento público.

As mudanças na correlação de forças na Nova República começaram em 2015, quando Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, no auge de seu poder, e com mestria na manipulação abrupta do Regimento Interno do Poder Legislativo e da própria Constituição Federal, com um conhecimento do tema superior a maioria de seus pares, aprovou emendas individuais, tornando mais caro o regateio de congressistas em relação às demandas do Poder Executivo. 

Por fim, mudanças de regras institucionais, com a aprovação do orçamento impositivo, em 2019, manietaram mais ainda a capacidade do Poder Executivo de negociar com o Congresso Nacional em parâmetros republicanos, abrindo um toma lá, dá cá, que pode ser comparado ao episódio caricatural dos Anões do Orçamento, um escândalo de corrupção em que tinha até deputado ganhando na loteria mais de uma dezena de vezes.

Devido a estas mudanças na correlação de forças entre Poder Executivo e Congresso Nacional, nos últimos anos, o governo Lula, para evitar travas nas pautas planejadas, apoiou a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) para a Câmara dos Deputados e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado Federal. Contudo, mesmo com o apoio dado às reeleições nas duas Casas Legislativas, o governo Lula enfrentou problemas na tramitação de diversas matérias de interesse do Poder Executivo e dos operadores políticos do Palácio do Planalto.

A abertura para melhorar o diálogo, por sua vez, levaram o governo a mais concessões, e novos espaços da administração pública foram ocupados por representantes de interesses legislativos, mais diretamente do chamado Centrão, que se torna cada vez mais onívoro nas suas investidas fisiológicas e clientelistas, travando o republicanismo e dando lugar a uma prática de republiqueta bananeira tacanha e mesquinha, que impede políticas de Estado e o desenvolvimento do Estadismo, da República e da democracia amadurecida por estas práticas republicanas e estadistas. 

O resultado desta nova investida do Centrão sobre a administração pública é um mistifório que alterna do anódino ao estapafúrdio, com a nomeação do deputado André Fufuca (PP-MA) para o Ministério dos Esportes, tirando Ana Moser da pasta, uma forçação de barra sem precedentes, a celebração de tudo que é postiço e pró-forma em matéria de administração pública.

Além deste teatro mambembe do Fufuca, tivemos a nomeação do deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) no Ministério dos Portos e Aeroportos, o deslocamento de Márcio França (PSB-SP) para a nova pasta de Empreendedorismo, e na Caixa Econômica Federal, em que tivemos a substituição de Rita Serrano por Antônio Vieira Fernandes, aliado de Arthur Lira.

Neste balcão de negociações o governo venceu na aprovação da nova regra fiscal e da reforma tributária, mas perdeu no Marco do Saneamento (Lei n °14.026/2020), na tentativa de alteração de alguns pontos, e viu passar o Marco Temporal das Terras Indígenas. 

Por sua vez, a tensão entre os poderes Judiciário e Legislativo se deu com a aprovação da PEC 8/2021, no Senado Federal, da limitação das ações monocráticas de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), iniciativa apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco. 

Na política externa, por fim, o governo Lula enfrenta um cenário geopolítico muito mais complexo do que aquele platô que se deu no auge da globalização e do boom das commodities, uma era que ainda acreditava na caminhada para um aprofundamento das relações comerciais, pós-Guerra Fria, e que produziu até Cassandras falhadas, como o cientista político e economista norte-americano Francis Fukuyama, que em 1989 publicou o seu famoso artigo chamado “O fim da História?”. 

O cenário internacional, neste momento, tem muito mais imprevisibilidade, e passa por duas guerras principais, a da Rússia contra a Ucrânia, iniciada com a invasão russa em fevereiro de 2022, e a de Israel contra o Hamas, que começou com o ataque terrorista de membros do Hamas em território isralelense em outubro de 2023. 

Lula acenou para Putin, numa tentativa de apaziguamento da guerra da Ucrânia, mas acabou passando pano para o perpetrador da invasão e que se alimenta de uma ideia anacrônica de imperialismo russo que vem de Pedro, O Grande, dentre outros delírios atávicos da “Mãe Rússia”. 

No caso de Israel, Lula acertou ao falar que Netanyahu e suas forças armadas cometem um genocídio da Faixa de Gaza, mas se perdeu ao comparar esta série de crimes de guerra e contra a Humanidade com o Holocausto Nazista para o extermínio dos judeus, que tem uma semântica específica, histórica e cristalizada.

Em 2024, por sua vez, o Brasil assumiu a presidência rotativa do Mercosul, do Conselho de Segurança da ONU, e também do G20. O BRICS deverá ser ampliado para contar com 11 nações ao todo, fórum de cooperação que começou com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Por conseguinte, Lula, nas relações internacionais, passa das relações bilaterais do governo anterior, e retoma as relações multilaterais, o que caracterizou os seus dois primeiros mandatos.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/faria-limes-parte-2

quarta-feira, 27 de março de 2024

A DANÇA DE BÁRBARA

Contorna, rodopia, esvoaça, 

dá o passo, retoma

o metro, na coreografia 

mantém o fôlego.

Ás, tira da manga e joga, 

o jogo que mais joga.


Pois assim vai, e a dança 

faz suar, alegre,

tal o modo de ser 

que vence e aprende,

com o olhar firme 

e a boca pintada,

o rosto bem delineado, 

os cabelos loiros 

e os olhos azuis na frente,

com este horizonte que eu vi.


A dança, ela dança mais,

pois a dança liberta

a alma, o passo vem

de uma métrica de onda,

como se o mar abrisse

na coreografia, e a poesia

dançasse nesta dança

que não tem fim.


27/03/2024 Gustavo Bastos 

FÁBULAS

A fábula existe na imaginação 

para a fantasia delirar,

eis que nada mais cabe 

ao tradutor (poeta) senão ser

este mensageiro da fantasia, 

o fiador da fábula,

o fabuloso, o fantasioso, 

o supremo delirante.


Em cada verso de estrela, 

cabe uma lua.

Em todo estro solar, 

vem o céu estourar

na face a nuvem 

e a maresia.


Pois enfim ao mar 

seu halo e sua aura,

eis que ali o poeta 

tem sua alma voando.


Este fantasiado, fabulado, 

delirado campo de flores, 

nas fundas horas

em que o vento 

vem veloz,

na torre 

do louco 

e na terra

do astuto.


27/03/2024 Gustavo Bastos 

FARIA LIMER (PARTE 1)

“As chamadas profecias autorrealizáveis, incluindo Faria Limers e Cassandras falhadas, atiraram na água”

O mercado financeiro errou a maioria das previsões sobre as estatísticas econômicas do governo Lula em seu primeiro ano. Os dados de 2023, em geral, apontam para um cenário de recuperação e crescimento, com indicadores bem superiores às estimativas feitas pelos ditos especialistas da economia financeira. 

As chamadas profecias autorrealizáveis, incluindo Faria Limers e Cassandras falhadas, atiraram na água nesta pretensa batalha naval. As estimativas que subestimaram a capacidade da equipe econômica do governo Lula foram coletadas pelo Banco Central (BC) no Boletim Focus, que consiste num boletim que vem da consulta semanal do Banco Central a economistas de bancos. 

A fonte de desconfiança de economistas sobre a indicação de Fernando Haddad ao Ministério da Fazenda, e também sobre a própria concepção de políticas econômicas de Lula, junto com a PEC da Transição, que ainda mantinha um passivo orçamentário de legislaturas anteriores, diminuíram as expectativas do mercado e as estimativas foram mais pessimistas.

A Emenda Constitucional, chamada de PEC da Transição, expandiu despesas fora do teto de gastos de R$198 bilhões, e contribuíram, portanto, para este açodamento quanto às expectativas negativas de agentes do mercado financeiro. O discurso expansionista adotado por Lula na campanha eleitoral também contribuiu para que os agentes fizessem estimativas mais pessimistas.

Os resultados, digamos, contra-intuitivos, entretanto, para as Cassandras falhadas, Faria Limers, sapatênis de Partido Novo, camisas polo lacoste, pequenos-burgueses leite com pêra e quetais, com notebooks de Bistrô, coworking de shopping, e por aí vai, se deram sobretudo pelos resultados da Petrobras e do agronegócio brasileiro, que puxaram o crescimento econômico brasileiro. 

Dentre as Cassandras falhadas, aqui destaco o delírio de Paulo Guedes, que profetizou que o Brasil viraria uma Argentina em poucos meses, e em um ano viraria uma Venezuela. Foi este mesmo ex-ministro que prometeu um superávit delirante para 2019, no governo Bolsonaro, e que ficou perdido, que nem um louco de hospício, quando a sua planilha foi pelos ares na pandemia. Portanto, Paulo Guedes aqui ganha o troféu abacaxi de Cassandra falhada. Primeiro colocado, com sobras. Um verdadeiro atleta da cretinice.

Nos resultados positivos do governo Lula para 2023, houve ainda dados socioeconômicos importantes, como a revisão do Cadastro Único para a distribuição do Bolsa Família, e sua articulação com os CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), que tinham virado um show do “Topa Tudo Por Dinheiro” no último ano do governo Bolsonaro, em uma ação eleitoreira que falhou miseravelmente. 

O fato é que o Bolsa Família se reorganizou, cortando endereços irregulares e incluindo quem precisava receber e não estava cadastrado, num valor de recibo consolidado em R$ 600,00, além do aumento real do salário mínimo, reaquecendo o consumo e também impulsionando os resultados do PIB (Produto Interno Bruto).

Economistas de bancos e corretoras de investimentos, quando chegou o final de 2022, fizeram estimativas de crescimento econômico para o Brasil em 2023 que culminaram no índice de 0,8%. A diferença com a realidade foi brutal, pois o resultado parcial de janeiro a setembro de 2023, com um corte estatístico comparativo ao mesmo período para 2022, já entrega o número de crescimento econômico de 3,2% do PIB (Produto Interno Bruto). Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Agora os economistas de mercado esperam um crescimento para o ano de 2023 em 2,9%.

No quesito inflação, o tiro dos economistas liberais ou liberaloides de mercado também atingiu a água, numa batalha naval canhestra e açodada. Eles esperavam uma inflação em 5,31% ao final de 2023, acima do teto da meta para o índice, que é de 4,75% ao ano. Contudo, o IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo), encerrou em novembro deste ano em um acumulado de 4,68%, segundo o IBGE. A estimativa dos economistas agora é de um fechamento para o final de 2023 de 4,46%, ou seja, dentro da meta, o que não ocorre desde 2020. 

Outros dados também superaram as estimativas como o câmbio do dólar, que baixou, e também a balança comercial, que foi bem maior que as expectativas de mercado. Por sua vez, o governo não foi bem na geração de empregos, com um crescimento menor para os empregos formais, com dados inferiores aos alcançados na pós-pandemia e em 2022. Contudo, o nível de desemprego recuou ao menor nível desde 2015, graças ao crescimento do trabalho informal, o que denota que a curva estatística de emprego, em geral, é ascendente. 

O problema, contudo, está agora na qualidade de empregos gerados, com salários menores, subcontratação, num processo ainda de desindustrialização, no que o governo lançou agora um plano para reverter a queda da indústria brasileira, pois os empregos gerados na área de serviços, em geral de baixa qualidade, não impulsiona a renda para outros setores e, portanto, não contribui para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).

A demanda para o país, culturalmente e socioeconomicamente, é por uma melhor qualificação da força de trabalho, com incremento de políticas públicas para a educação técnica e acadêmica, e isto também para o setor de serviços, com regulamentações para racionalizar as relações contratuais e formalizar estas no sistema previdenciário, pois a subcontratação, sem garantias e respaldos, lembra regimes de trabalho que só não têm paralelo com os da Primeira Revolução Industrial, das fábricas de carvão de Manchester e Birmingham, em que luditas se revoltaram e quebraram as máquinas industriais.

Os desafios do governo Lula são vários, e que teve um começo turbulento, com a invasão dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, em Brasília, com mentores perigosos que orquestraram tudo, contudo, com executores que fazem parte do grande compêndio de anedotários do bolsonarismo raiz e que zurra a todo momento. Tal déficit intelectual notório, por sua vez,  produziu fatos dantescos como cultos religiosos a pneus, comunicação de contatos imediatos com alienígenas através de smartphones que ainda não possuem tal tecnologia, além dos episódios delirantes produzidos por pegadinhas de fake news, tais como a prisão do Xandão e o Estado de Sítio, coisas que nunca aconteceram.

Um dado importante do governo, por sua vez, foi a aprovação da reforma tributária pelo Congresso Nacional, em dezembro de 2023, depois de anos de debates infrutíferos e mini-reformas pontuais. A promulgação da Emenda Constitucional da reforma tributária dos impostos sobre o consumo, após três décadas de discussão, teve por objetivo simplificar o sistema tributário, eliminando distorções setoriais e federativas, acabando com a acumulação tributária nas cadeias de produção, armazenamento, distribuição e consumo de alimentos, produtos, bens etc. E um outro efeito da reforma tributária incidiu sobre a redução no volume de contenciosos jurídicos e administrativos, o que contribui para arejar a burocracia institucional.

(CONTINUA) 

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :

https://www.seculodiario.com.br/colunas/faria-limer-parte-1