PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 28 de julho de 2013

CANTO DE PÃ

Bato as horas que urdiram
na paz silvestre do cipreste.
Caule mudo das entranhas na seiva.

Sob o frondoso livro ao qual me detive
o sonho fecunda o eclodir das gemas,
sândalo toma a forma da música
e o hino sente a flor e o dia.

Canto às dores, martírios e rosas.
Da paz faustosa o doce aroma.

Planto a semente na fúria e no amor.
Qual fúria amorosa me toma de albor?

Planta em meu corpo
                        a semeadura
                                     de meu espírito
                        na rútila vinha
                                      da flauta
                        qual Pã
                                na embriaguez
                    das festas de Baco.

28/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)  

CORPO DE DRAMA

Venha cortar as pontas dos lençóis
na noite da boêmia amorosa
cantar e sussurrar
o vento da gasolina
nas ruas da fartura
emoldurando poemas sectários
de flores negras
que apanharam
no jardim das delícias
com os corpos violáceos
das delícias do horror
vamos em frente como raparigas
vendendo ilusões de carne
como serpentes nuas
no velódromo das dores senis
vamos como corsários
da fome de roubo
no ataque de uma andorinha
no vinho das estátuas mortas
pleiteando nas semanas literárias
o topázio e uma turmalina no dente
um corpo de sonho nas asas azuis
os símbolos das guerras de tótens
os crápulas e os vampiros
de puro fausto quando o poeta
silencia todo seu drama
sob a fúria da pena.

28/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

OS OLHOS DESPERTOS

Visão
     na vida
            do corpo
                     que finda
                                na alma

Alma
     que surge
               no corpo
                         e acorda
                                 na vida
                                        como visão

Contempla a visão
              ausculta do coração
                                  olha e entende
                                               tudo que vê.

28/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

DESEJO DO BEIJO

Beija a areia a boca úmida
           contorce a língua
                  na pedra

cai no ósculo entre arraias
             vejo o vinho
                        que vai ao fim da fonte
             no delta
                     da visão

beijo o frio do mar
                  o mar gélido
                                que contempla e sonha

beijo você na hora do sono
                  como um amante da poesia
                              do sonho

28/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)  

DO VOO DA GAIVOTA

Vejo por cima de minha cabeça nua
                  uma gaivota no plácido silêncio
                               o marulho
                               contorna
                               a gaivota

                 E quero ser o voo
                                       e então silencio
                                    contemplo
                                          o
                                        vazio
                                          da
                                        visão
                                        numa
                                      gaivota
                                      que voa
                                                para lá

Tento achar o meu próprio voo
                              desisto e caio
                     me espanto
                              com este voo
                                         da gaivota
                              que é o encanto
                                     de tudo
                                             que voa.

28/07/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)    
                         

SOBRE UM PESADELO

   Quando eu era criança, tinha pesadelos. Uma vez bem marcante, foi quando eu sonhei que tinha sido preso por matar o homem do cabelo branco do Jornal Nacional (depois me disseram seu nome: era o Cid Moreira).  E, no pesadelo, na cela em que eu estava preso, lá estava a figura de Freddy Krugger, com suas unhas de aço, me perseguindo naquele pesadelo. O filme se tornara realidade, eu estava no filme, igual ao filme, quando Freddy vem te pegar nos sonhos, no caso, um pesadelo.
   Lembro que, na noite antes de dormir, ou nas noites anteriores, se não me engano, estava obcecado por uma figurinha que tinha o Diabo de um velho álbum do qual eu só tinha algumas figurinhas e não o álbum em si, de nome Impacto, que uma amiga minha tinha me passado. Lembro que, nos meus oito ou nove anos de idade, eu tinha obsessão pelos diferentes nomes dados ao tinhoso. Decorava todas as denominações com o signo Diabo possíveis. Cramulhão, pé-de-bode, tinhoso, capeta, diabo, satanás, demônio, lúcifer, etc.
   Sei que, antes de dormir, fiquei visualizando a figurinha do Diabo e morria de medo, eu tinha gosto por filmes de terror, teve uma vez que tinha acordado com terror noturno de madrugada, pois estava sendo atacado por um lobisomem. Desta vez, na manhã seguinte, eu não me lembrava, quem me falou foi meu padastro. Mas, voltando, me alimentei muito dos filmes do Freddy e do Jason, dentre outros, e até de umas revistas que vendiam na época, histórias reais de lobisomem e de vampiro. Então, foi que Freddy me pegou, e fiquei tão fascinado com este pesadelo, que falei para toda a minha família. Talvez, este sonho tenha sido o mais marcante da minha vida, logo um pesadelo com as marcas de todos os pesadelos, Freddy Krugger. E eu ainda era um assassino preso por ter matado o âncora do Jornal Nacional. Muito curiosa, tal trama. Como o Freddy foi parar na cela para me perseguir? Só Deus sabe, ou todos os nomes que colecionava de diabos para me divertir. O medo é um prazer mórbido infantil, ao menos na minha infância, o terror tinha um papel importantíssimo nos meus exercícios de medo.
   Penso que o medo, através do terror, e a simbologia do mal, tudo é fascinante na cabeça infantil, flertar com o medo nos educa para lidar com o inconsciente desde cedo. Freddy Krugger não conseguiu me pegar no sonho, só lembro da imagem dele rindo, com as unhas de fora, numa sombra lateral da cela em que eu estava enfurnado por ser um assassino. Tinha matado o Cid Moreira, meu Deus!
   O medo, dizem, é um tipo de demônio. Ouvi isto, uma vez, em uma das pregações cristãs que via na TV, há uns tempos atrás. Logo, Freddy Krugger era o demônio do medo no meu pesadelo de criança. Mas, o medo nos impede de fazer coisas temerárias, o medo tanto educa para não nos machucarmos, como também é o demônio, o cramulhão, o pé-de-bode, o tinhoso, o lúcifer, o Mal metafísico da morte. O medo também nos dá a chave da sobrevivência e nos dá a morte como ameaça. A morte foi representada por Freddy Krugger naquele pesadelo, no filme ele representa a morte real de forma onírica, e talvez seja a maior das fantasias oníricas o momento da morte de cada um.
   O medo, como um tipo de demônio? Boa perspectiva para pensar o medo. O pregador diz para não termos medo. Mas, como não se deliciar com o sofrimento do medo, ainda mais quando se é criança, e uma criança que amava filmes de terror? Então, o que eu fazia, quando era criança, ao colecionar todos os nomes de diabo possíveis, era nada mais que uma coleção de medos. Um tentar ver a morte de perto, os medos como demônios.
   Então, na minha visualização do próprio Diabo, numa reles figurinha da Impacto, antes de dormir, para ter meu encontro com Freddy Krugger, eu também me tornei  outro demônio macabro, que tinha matado o Cid Moreira.  Para saber das coisas do medo, não se pode ter medo, agora entendi a pregação cristã de outro dia. O medo é um tipo de demônio, encarando por esta linha, não podemos cair na tentação do medo. Desafiar o medo era tentar não ter medo. Ver filmes de terror com a imaginação fértil também é tentar vencer o medo, tentar não cair na armadilha dos diabos que moram na gente. O medo é um tipo de demônio. Freddy Krugger? Jung explica. Coisas de criança.

28/07/2013 Crônica
(Gustavo Bastos)