PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 17 de maio de 2015

ENFANT TERRIBLE

   A juventude sempre tem algo de subversivo. Desde os anos 1950 com "juventude transviada" e os beats, a evolução dos poetas malditos do século XIX na figura mítica de Arthur Rimbaud.
   O jovem "enfant terrible" veste uma aura, lhe vestem também, e muitas vezes faz coisas sem pensar, e nem liga, com o populacho sobrevalorizando e num ataque o delírio dos ideólogos o pintam até como Lúcifer. Seu nome romantizado, e sua deliberada ação de vestir tal aura (e sendo a própria aura), e os efeitos do sucesso de sua jornada, e sua sorte e seu azar de ser o que é, e se sobreviver, virar, talvez, um estoico com pulso firme, o duplo oculto no jovem irresponsável, talvez, decerto.
   "Enfant Terrible", termo ligado à arte, e que também quer dizer marca, escritura biográfica, a vida curta dos que morrem de overdose, heróis da contracultura, os que passam como viçosos cometas, os desviados, os loucos, os que vão na vida rápida, os que encaram a autobiografia até os 27 anos como um "tour de force".
   Sorte dos que estão vivos aos 30 anos. Quem passa dos 15 aos 20, e depois dos 21 aos 29 anos, e sobrevive, mesmo que ainda não haja nada garantido daqui para frente, mesmo a morte ou a vida, poderá, mesmo ainda, ter a sorte de testar sua nova persona (ou não-persona) estoica, ex-louco, ex-mártir, que olha um reflexo difuso do ímpeto porra-louca, olha com ternura seu duplo antigo, superado, "enfant terrible" que agora é um ser que se rarefaz num espelho já sem uso, miragem, nostalgia, você não viveu em 1967, conforme-se, e já não há saudade, é a libertação do fardo de ser marginal e herói, agora este duplo dança, mas bem longe, é uma casca, lago do passado remoto, mas uma memória cara, cheia de afeto, como uma carta náutica solta no mar, memória terna de tempos vividos, sumo biográfico e que o poeta diz: "confesso que sobrevivi! (até aqui)".
   "Enfant Terrible"é contemporaneamente conhecido como o "vida loka", este jovem de todas as classes, ídolo e ícone, que sempre teve bom trânsito, sempre teve, também, gente enfadonha, verdadeiras malas no seu caminho, este transitar faz parte da festa, flaneur esportivo, sem nunca ter sido vaselina. "Enfant Terrible" é marca biográfica, o que escreve a mensagem do impossível, o oiticiano "seja marginal, seja herói", é reflexo da vida já contada, em ritmo e poesia, contra as almas sebosas, filho do crime, mais honesto que o cartaz da hipocrisia, que não se humilha ou baixa a cabeça, que não mistura mais as coisas, não compra e vende a festa idiota dos que usam seu nome, súcia vestida de "cordeiro do amor", mas você sabe o que ele quer ... súcia bárbara, suicida, homicida, que mente e omite, que engana e que se auto-engana.
   O estoicismo dos meus mais de 30 anos, o método do verdadeiro descer o malho quando necessário, é a cristalização positiva, fruto do próprio trabalho, nunca de outros, de regras antigas, aprendidas na senda torta da rua, malhado em ferro quente, os anos de infante terrível que passou, ainda bem que passou, mas o código não muda, mudam as ações, até a velocidade, mas a mente é a mesma, todo reto é imutável, o que muda é a dimensão da ação, a precisão das palavras e da crítica, aonde muitos chorariam e esperneariam, a moral da "vida loka" ganha pausa refinada, sabedoria, por mais absurdo que pareça, é o cimento do Homem e deve ser tratado como tal, estoicismo reto é poder, "Enfant Terrible" produz um código para toda a vida, fruto da intuição, na mutante estrada do inesperado. Eis que a inocência está morta, mas o sangue, já batido e fervido, corre quente em artéria e veia, dando facadas em qualquer sanha ou astúcia, com a visão clara, e com o mesmo dom visionário da anunciação daquele pequeno príncipe do mundo cão, "enfant terrible", meu duplo cãozinho raivoso, tá mudado, transmudado, com a sorte da sobrevida, ainda, e que do código de matar ou morrer, agora é pacato cidadão, estoico na fita da discrição, não gosto de gente espalhafatosa, me erra, agora a antena está ligada, mais do que nunca, os sentidos em dia, já fez check-up da cabeça, tá feita, agora tudo é como deve ser, e quem ainda não entendeu, vai sofrer, e não é problema meu.

18/04/2015 Crônica

FILME-FITA

Poema-registro:
sete côvados
de colunas,
as arquitraves
harmônicas,
a escultura do forte
no plano alto,
o fulgor como fruto
da câmera,
e cada gesto
retilíneo
nas frases
do roteiro,
os moldes determinados
na direção,
e a fortuna de comércio,
o êxtase da produção,
à flor da pele
com o sucesso.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

FRUTOS SAPIENTES

Jogral matinal, serpenteia
o filósofo,
registra o fotógrafo.

Teatro ecumênico:
os santos não se portam
como santarrões,
ao passo que o valente
não é sábio
até apanhar,
e o poeta é galante
apenas para contubérnio,
ou o miasma que
no mundo é abundante
nos mata em dor.

Jogo do espelho:
cada canto dos lados
se veem
e se conhecem,
como ângulos agudos
e entendimentos
retos.

Sei dos crimes todos,
de todas as jogadas,
da sanha assassina
dos poltrões.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)


CAVALO ANDANTE

O amor, com o caule viço
e permanência
dos olhos,
gera com seu laço
o corpo produzido
de seu ofício.

Reto, com o tino estreito
do controle,
como máquina sepulcral
que renasce
e avança.

Deito-me, ao lado dos livros,
como num cerimonial
enciclopédico,
como numa bacanal
que eclode
feito dionísio
quando os faunos
correm.

O amor mordaz planta
tempo e paciência,
restos do futuro
das cicatrizes
que à funda morte
o poema clama.

Deito-me com o poder.
Tenho o sono medíocre
dos valentes,
o dom visionário
dos cretinos.

E a flor qual plêiade,
nada faz
ao vinho,
este grande senhor
do cálice
que faz o elenco
dos prazeres.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

GALÁXIA

Ai que alegria o dia!
Cada fada dos olores!

E sinto cada estrela
no pulsar da noite,
na galáxia minha,
Via Láctea!

O poema, tal rouxinol,
fervilha cada semente
com luto e estupor.

Eu, dando o corpo,
refaço o passo
nos limites
da visão,
com um vaso de flor
regado
sob pranto
e lamento.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

VINHO SOBRENATURAL

Donde o infortúnio recai
na alma condoída,
sempre guia o dia o espanto,
aos ritos mais diurnos
a vaga da saturnal
que faz escansão
da noite mais forte
dos dramas.

Flui o tempo, com o dito cardinal
da ordem estupefata,
como diz o poema
em doses e saberes
que avultam
nas linhas da mão,
vinho e concórdia
que desenham
as ondas
e também os mares,

e a perfeita flor
sucumbe
no rio,
na rocha magmática,
na litania
sobrenatural
dos risos.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

CARTAS BROTADAS

Posso fazer das cartas
vultos com os futuros.
Posso abdicar do trono
das ruas,
das bestas-fera
que urram
com o vício.

Cartas anárquicas da maldita
dor, vozes flutuantes
que urram súplicas
em forma de sinfonia.

Posso calar toda a estrela
que avulta guia
dos perdidos.

A poesia, vício do futuro,
socorrerá os idiotas
mais instáveis
que o estúpido cupido
possa lancinar.

E teremos, em todas as formas
da ciência,
cartas verdes, alvarás,
licenciamentos,
como o grande negócio
de que a fortuna
sucumbe.

Sapiente, em versos módicos,
faz-se mansões.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

PLECTRO DOS LOUCOS

Plectro das redomas:
o domo metralhou
a minha flor.

À testemunha o giro das armas,
cortes de recintos
estilhaçados,
como o fragmento
pensata
balbucio
do poema.

Plangente o luar se escora
no ombro do vulto,
o vulcão dos sentidos
na noite da vitória,
os canhões impossíveis
da saraivada
do sol,

corto o punho na alma,
o pulo do corpo
faz responsório
com a vela funerária
da revolta,

A redoma em plectro
traz lira aos lírios
dos loucos,
e meu flutuar é mais justo
quando durmo.

Jaz o erro nas quedas,
compraz a fortuna
de todas essas eras.

E o claustro no qual me jogo,
é o mistério
que desnuda
meu fantasma
no ódio da orgia.

Sempiterno, o poeta
se refaz de todo o espanto
que ecoa das penas
mais duras
da existência.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

AS BACANTES SUPLICANTES

As asas cortantes, os vinhos
puros das noites balouçantes.

Gira a gira sob escombros.
Eu-poeta na noite
de Atlântida,
nos iniciados
de capricórnio,
a rir mordente
como ás do crime.

As asas silentes,
os silêncios nubentes.
Gira a girândola,
como o mundo de fogaréu
que tem seu réu
ao suplício,

ferve a lira com o gás do espanto,
na gira suplicante
das bacantes.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

GRITO HISTÓRICO

Vêm os dias me dizer
as lápides do sistema.
Nem ando tão susto,
tão horrível,
como o sol da cidade.

Vêm as escuras trevas,
vento e prazer,
supedâneo da raiz.

O poema ventila o tempo,
eu estanco na rua
com os copos alcóois,
estúpido o meu
coração,
tão susto e tão horrível
num filme B de gritos.

Assim vai a nau fúria dos cais
seminus das praias
peladas,
corpos dançando
na História,
poemas seduzindo
a escória.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)

LUZES ESPANCADAS

Entendo, com a luz do fogo,
caldo vil das vinhas.

Entendo, aos poucos,
o vil e o mal.

A leste, meu oeste de mistério.
Com o corpo, na luz do quarto,
a estalar os ossos.

Fui ao mar, e entendo
as sereias.

Fui à lua, e entendo
os luares.

Meus cantos se sucedem
à barafunda,
corrente que espanca
o coração,
a cabeça.

Entendo de nuvens e de poemas,
como um pombo solto
do asfalto.

15/05/2015 Ácido
(Gustavo Bastos)