PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 10 de novembro de 2018

FLORAÇÃO

Berilo, topázio, ouro, esmeralda.
As conchas e os lápis-lazúli,
toda a tormenta de tulipas
e turmalinas,

todo o elenco de fábula,
toda a prata e todo aço,

o poema se firma e se funda,
os poetas silentes
fazem do brocado
uma iluminação,

monge que levita,
teu esplendor rutila
profecia diamantada
no poema que vira
ametista,

eis que todo verso freme
qual violeta ao vento,
e a flor orquídea
se faz de filosofia
primeva,

montes azuis das nascentes,
teu fluxo de rio
me dá um coração
de vinho.

10/11/2018 Gustavo Bastos

MARÍTIMO

As lonjuras do horizonte
soam como alarmes
da canção,

eis que o poeta refulge
qual grande brado,
e seus poemas lutam
com versos doces
e de aço forte,

pois, de um lado ao outro,
o brocado se faz
de silente campo
e canto mordaz,

pois, nas lonjuras do horizonte,
o poeta se quer em grande júbilo
como um mar que se joga
com todos os navios
entre as rochas
e os ventos,

o poeta se liquefaz
e vira mar,
o poema se dilui
e canta o mar.

10/11/2018 Gustavo Bastos

A GUERRA DOS MARES

A jovem armada avança,
os lotes foram tomados
pelos marujos,

eu vejo que o mar é um
grande labirinto verde
de escamas e espuma,

vejo por toda a enseada
o sol ressurgir
como um grande
arco laranja,

e a vida brilha como prata
nas asas da imaginação,

a vida e o verso rutilam
feras e fúrias
com as dores do aço,

e o poema, como uma bomba,
retumba pela vulcânica ilha
em que a fragata atiça
a guerra dos mares.

10/11/2018 Gustavo Bastos

CORAÇÃO

A pintura das flores mádidas,
concerto das rosas frementes,
eis o cálice
que me surge,
como um espanto.

Sois rosicler ou cobre vultoso,
a força das miragens
surge como um grande sol
que irrompe no horizonte,

versos de cor e salteado
sofrem como flores no deserto,

versos de vulto e vaga
quebram ossos
e a iconoclastia
do poeta
varre o mal,

oh contornos da montanha,
como saberia da letícia
em suas moradas?
céu que me vigia
e me protege,

me diga o seu segredo
em que sete flechas
cortam o ar e acertam
o coração.

10/11/2018 Gustavo Bastos


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A LOVE SUPREME, A OBRA-PRIMA DE JOHN COLTRANE


“Coltrane consegue com este álbum alcançar tudo o que a sua intuição lhe dizia da música”

O ÁLBUM

John Coltrane é um dos grandes do Jazz, junto com Miles Davis, e seu auge foi com o álbum A Love Supreme, que surgiu da obsessão e da inspiração do músico depois de um isolamento no meio do ano de 1964, no andar de cima de sua casa, de onde voltou já com a música que ouvia dentro de si anotada e considerada como um trabalho pronto. E então Coltrane sai de seu isolamento e diz a sua esposa : “Esta é a primeira vez que me veio toda a música que quero gravar, como uma suíte. Pela primeira vez, tenho tudo, tudo pronto”.
E então, em 9 de dezembro, Coltrane entra em estúdio, no Van Gelder Studio, New Jersey, com McCoy Tyner (piano), Jimmy Garrison (contrabaixo) e Elvin Jones (bateria) para gravar em apenas uma noite e em uma sessão única todo o álbum que viria a ser A Love Supreme, que veio a ser um material de pouco mais do que 30 minutos. Este álbum de Coltrane é o maior de sua carreira solo, e está, como obra-prima do Jazz, com apenas um rival, o Kind of Blue de Miles Davis, este que fora gravado em 1958 (curiosamente com a participação de Coltrane, que tocou com Miles).
A Love Supreme seria lançado em fevereiro de 1965, e é um álbum sobre o amor divino, numa perspectiva mais transcendental, nada de dogmas religiosos, era uma relação da intuição musical e seu contato direto com a inspiração divina, um sopro de vida de um músico que vinha de uma libertação do álcool e da heroína. O álbum apresenta sua base musical feita em jazz modal (ou seja, não segue escala de tons definida), além de também se guiar pelo free jazz.
No álbum temos o lado A com “Acknowledgement”, gravada em um único take, e “Resolution”, fruto de sete takes. No lado B, por sua vez, temos “Pursuance/Psalm”, take único, com o trecho de Psalm tendo o sax tenor de Coltrane usado como voz e parecendo pronunciar o salmo escrito pelo próprio Coltrane, texto este que aparecia na contracapa da edição original do álbum.

O CAMINHO MUSICAL DE JOHN COLTRANE

John Coltrane começou como pupilo de Charlie Parker, ainda como um músico comum e sem a criatividade que só explodiria na companhia de Miles Davis e depois ficaria madura e potente em sua carreira solo. A Love Supreme é o ápice da criatividade e técnica de Coltrane. Contudo, Coltrane só viveria mais três anos, morrendo aos 40 anos com um câncer no fígado, momento em que se encontrava com a sua crença em todas as religiões e livre há uma década do vício em heroína e álcool.
John Coltrane, por sua vez, antes de atingir o seu auge em A Love Supreme, teve outra contribuição histórica, como dito, no álbum de Miles Davis, Kind Of Blue, álbum este que estabeleceria um novo conceito de harmonia, no que passaria a ficar conhecido por “Coltrane Changes”.
O caminho musical de John Coltrane, que começa de fato quando este se junta à banda de Charlie Parker, tem no sax alto um primeiro momento, instrumento este que havia sido esgotado em possibilidades pelo chamado “The Bird”, apelido de Parker, e que faz Coltrane migrar então para o sax tenor, instrumento este que o consagraria. A partir daí ele toca na banda de Dizzy Gillespie.
Miles Davis então convida John Coltrane para entrar na sua banda, um quinteto, depois de uma sondagem com Sonny Rollins, mas este já estava em outra banda, e então Coltrane se junta ao timaço do quinteto de Miles, e é no Miles Davis Quintet que tanto Miles como Coltrane explodem em técnica e criatividade. Mesmo assim, devido aos excessos de Coltrane com álcool e heroína, Miles tira Coltrane da banda.
Quando Coltrane se livra dos vícios que lhe perseguiam, Miles o chama de volta, e este é o momento em que é criado o Kind Of Blue, um álbum que muda o jogo do Jazz e que fecha qualquer caminho de retorno ao que era praticado antes, ou seja, o bebop. Depois deste marco do Jazz, Miles segue a sua carreira e Coltrane finalmente parte também para uma carreira solo e uma banda própria.

A BUSCA E A REALIZAÇÃO DE JOHN COLTRANE

John Coltrane era um obsessivo por conhecimento, e então o músico começa a estudar as religiões, associando isso, claro, a seu conhecimento musical, e juntando este conhecimento com uma pesquisa matemática e também com estudos de física, com a matemática sendo um guia ideal para Coltrane compreender a estrutura musical e as escalas fazendo uso da teoria dos conjuntos e da afinação pitagórica. No campo da música, por sua vez, Coltrane estuda estilos regionais dos Estados Unidos e do mundo, com foco principal na África e na Índia.
E foi com esta busca de conhecimento que A Love Supreme surgiu como outro grande marco, desta vez espiritual, do Jazz. Coltrane consegue com este álbum alcançar tudo o que a sua intuição lhe dizia da música, tudo o que ele gostaria de tocar foi realizado com A Love Supreme. Por sua vez, o álbum é oferecido a Deus, e Coltrane agradece por ser este Deus que lhe granjeara o dom musical.
A Love Supreme (John Coltrane) – 1965 – Integrantes: John Coltrane (Sax tenor), Jimmy Garrison (baixo), Elvin Jones (bateria) & McCoy Tyner (piano)


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://seculodiario.com.br/public/jornal/artigo/a-love-supreme-a-obra-prima-de-john-coltrane