PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

DORES DO CAPITAL

Torres de chumbo
são edificadas
na nota de dinheiro
do empresário.
Torres de marfim
clamam os poetas.

A metafísica pura
se mistura
com o fogo dos sentidos,
resulta uma explosão
de bílis e de refluxo
como onda regurgitada
no poema de corpo
que circunda
o segredo da vida.

A estrada preta como
a rosa imortal,
o céu tomado de cinza
na cidade espectral,
os boêmios ladinos
com brumas de épocas
em seus livros
carcomidos,
as dançarinas e prostitutas
lutando por ninharias
na paz celeste
do puteiro,
uma flor para cada uma,
e uma dor para cada
saudade.

Tardes tomadas nos afrescos
de funda aleivosia,
pérfidos manipuladores
de fusos horários,
fazem das horas o termo
para o dia seguinte,
organizam seu tempo automático
como ritual único
de um dogma universal,
o trabalho em função
do mercado,
a arte em função
do mercado,
os pensadores em função
do mercado,
o castelo de relatórios,
o purgatório dos
relatórios,
a planilha derramada
na ciência contábil,
a economia no tempo
das máquinas,
os afazeres desapaixonados
de um saber-fazer
por simples sobrevivência,
e o método da ciência
como mera técnica
para produzir coisas
do consumo,
e um diálogo surdo
entre capitalistas e poetas.

26/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

JARDIM CORPÓREO

Pelos jardins, espera
a dama em barca
de romance.
Tua dor parida
é a minha poesia
na flor vivida.

Espero a noite diamantada,
ecoa na nuvem branca
flor esbelta do riso
que chora pela hora
esperada,
pelo sino que toca,
pela água que desce
da minha boca.

Eu estou no limo da pedra
rolada de estrada,
no vinho temperado
de cravo e conhaque,
no tempo livre
do poema da noite,
no instante-limite
do lema que voa,
da paz que evoco
no tempo maldito
da poesia de cada
gota rosa escarlate
de verdor de uma voz
de chama violeta.

Noite sempre lembrada,
teu seio em minha boca,
teu dente nos meus olhos,
teu calor no frio do ópio,
teu castelo na minha casa,
tua casa no meu espelho,
teu espelho na minha face,
tua face na minha lembrança,
e o corpo com o corpo
no universo.

A alma nua encontra
o refúgio do cais,
praia, mar, sexo,
tragédia, amor,
meditação, paixão,
rumor das ondas
que se vão,
corpos nubentes
no verão,
coração com coração
na aurora que vem
como hino e como ode
na linha reta
do amor
que vê.

26/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

ENSAIO BEAT

   A rocha não teme toda a bruma que vem candente, o vinho ébrio traz a astúcia de todo poema, naufraga Rimbaud, desce ao inferno seu esplendor ao ato de suicídio literário, a viagem toma a tela da tempestade, vejo atônito passar por uma ruela Allen Ginsberg dando baforadas estupefatas com Peter Orlovsky. Neal Cassady já tinha roubado sete carros naquela noite de benzedrina, o adrenocromo ficava na mente de uma demência jornalística, seu mestre gonzo, o guru dos desajustados profissionais, Hunter Thompson. Não sobraria da nau bêbada do que restou de Rimbaud senão a peste assassina de um Villon em fuga para o paraíso do esquecimento. Acordava numa tarde de ressaca Jack Kerouac com sua datilografia para ofender com escrita automática os pruridos racionais e de espírito de coerência de um grande dos grandes Truman Capote. Neal pega uma ferrari em Las Vegas e chama Kerouac para um passeio a 180 Km/h até Denver para escutar Jazz em New Orleans e encontrar Burroughs descansando depois de um pico, num acumulador de orgones. Ginsberg então fica puto por não estar lá, por ter se perdido no caminho, em busca do “grande poema”, e teria que ser antes de fazer 23 anos, pois dos 30 para frente a fruição jovem dá lugar a uma dureza de expressão que tem muito de ritmada, mas não proclama mais as vísceras do tempo, do seu próprio tempo, o tempo do mundo dentro da cabeça e do tempo do artista, depois são ondas, ondas grandes, mas o grande maremoto, o poema do apocalipse, este só uma cabeça jovem poderia fazer, e nada mais restaria senão ecos desta grande hecatombe, o caos que Ginsberg percorria era “jazzy” e delirava como um cão fugido do cativeiro, mas “o cara” mesmo era Neal e sua jovem cabeça de poeta sem escrita, de poeta da vida e não da palavra, arranhando biografias inacabadas e morrendo num trilho depois de cair ébrio num colapso físico que lhe esperava com as mãos ansiosas.
   A tragédia remonta novamente na prosa beat, Kerouac morre no seio materno com delírios republicanos e sede alcoólica que lhe mata de tanto que ficou na frente da televisão. Ginsberg sobrevive, Ferlinghetti edita toda a loucura daquela América que vinha de Mark Twain e Thomas Wolfe, de onde Kerouac surgiu e depois desaguou na onda de um trompete de Dizzie Gillespie e no ritmo sincopado e frenético de outro trágico da heroína, mais um, o sax-alto Charlie Parker, que voava como Bird em seu horse que lhe envelheceu na casa dos trinta. A música sempre foi a grande aliada da literatura, a música é a grande arte, a literatura dos boêmios é só um reflexo dos tímpanos, a escrita precisa do delírio auditivo para eclodir, e a onda só vem no topo de gênios musicais.

                   Passava por Denver, encontro a rapaziada,
                   Todos bêbados, loucos para viajar,
                   Passava por New Orleans, Old Bull Lee
                   Ensinava o caminho para os novatos,
                   A estrada era longa, a metafísica da estrada!
                  O “conhece-te a ti mesmo” sobre rodas,
                  A poeira deixada pelo acelerador
                  Como a cosmologia fundamental
                  Que compõe o poema
                  Que nasce no reflexo de um trompete,
                  No frigir de um sax, no estalo
                  Do vento na cara e na luta por viver
                  De uma maneira louca, o modo dos
                 Corajosos, os idiotas que são espertos,
                 Os que contam o dinheiro que acaba
                 Antes do destino, a gasolina que se perde
                 Na velocidade do risco, Neal pilotando
                 Sua nau de quatro rodas e motor turbinado,
                 A navegação dá lugar à estrada,
                 A viagem de Rimbaud à África
                 Transmutada em raio cósmico
                  Na estrada rumo ao Oeste mítico,
                  No fim a vastidão do Pacífico,
                  Os olhos no horizonte sem fim,
                   A estrada dos olhos no fim da
                   Estrada de chão,
                   Ginsberg grita bêbado,
                   Kerouac toma benzedrina
                   Para acreditar no que via,
                   Neal cheira gasolina,
                   Burroughs sorri em sua casa
                   Depois de mais um pico
                   Para embarcar no horse místico,
                   A geração beat estava pronta,
                   Kerouac já estava em condições
                   De escrever a sua grande história,
                   Neal, o herói, Burroughs, o mestre,
                   Ginsberg, o poeta ideal em busca
                    Do grande poema que seria
                    A consumação de toda a metafísica
                    De todos os poemas e poetas do mundo
                    Num atingir infalível do “It” do Jazz.

   Eu passo pelas notas febris de On The Road, tudo brilha como fogo na montanha do miasma frenético dos poemas de Ginsberg, misturo O Uivo com Miles Davis e dá pura poesia nova! A guerra já se foi como tema, coisa de menino que fuma erva. A nota do It agora é a meta, não há o grande poema, o que tem mesmo é a festa da palavra, e tudo consuma para além da palavra, estrangulamento da linguagem no eletro-choque da música, o não-verbal do Jazz invadindo a palavra que vasa dos poros da mente à mão e daí ao papel, que importa! Vamos em frente! Vamos! Pela última nota que será sempre a primeira, por todas as palavras que sempre serão transcendência, magia e poesia totalizante, vamos deglutir os morfemas e trazer na sonora canção a flor revolta da paixão que sorri na tarde que brilha nos dentes, pois da estrada até a praia, do mar até o horizonte, tudo é poesia!

26/09/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

  

       
  
  
  

POETAS ESTUPEFACIENTES

Pouso em porto na moldura,
trafega indômito impassível
o jogo das luzes
numa mescalina
de Aldous Huxley,
o trompete de Miles
e o piano de Liszt
novamente,
a voz corta o tímpano
no trevoso suicídio
de Kurt Cobain,
o poema morre na banheira
com Jim Morrison,
a heroína consuma seu ato
com Janis Joplin
depois de uma fuga
para o nada
numa Mercedes-Benz.

Os ídolos são maiores
que a vida que levam,
tanto falam da vida atribulada
que se esquecem
do vigor da arte,
uma arte boêmia
como a dor plangente
de um torpor
de Billie Holiday,
como uísque
ou um vinho
depois de um delírio
de marijuana.

Eu atravesso a sina
antirracional
de Van Gogh
e Antonin Artaud,
tento contemplar
toda a incompreensão
de um Qorpo-Santo,
o absurdo de um Beckett,
a tragédia de Cruz e Sousa,
e o fim tétrico
como um urubu
que pousa sobre
a cabeça de
Augusto dos Anjos.

26/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

INSTANTE EXTÁTICO

Dança na escura noite
o poeta sem sol.
Revela, da face nua,
a essência e a totalidade
num ato singular.

A pedra fundante
cai em montanha azul
de feno e sal,
de terra e poesia.

O giro das máquinas,
a febre do motor,
a ponte destruída
de um rio poluído,
a borboleta negra
pousada
no enigma de
uma folha,
a paisagem inexaurível
como rocha em festa
com os olhos da loucura,
o castelo em ruínas
de um antigo
suserano feudal,
tudo é telepatia
inoculada
no vento
da vida,
vigília e desespero
filosóficos.

Eu tomei ácido lisérgico
na volta do riacho,
mergulhei no gelo
da cachoeira,
a queda de cristal,
o grito de diamante,
os pulos de sapos,
os gravetos, os galhos,
a fogueira!

Entendi que a pena capital
aguardava um surto
no futuro,
o assombro da memória
derretida,
o mel do êxtase
no veneno da erva,
o olho místico
num oásis contemplativo,
a flor rosa mística
de um lápis-lazúli
que faz o diagrama
da ametista
no verdor das veredas
de uma esmeralda.

O canto é silvestre,
como o cheiro de chuva
no meu nariz que delira!

26/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

SIMPLES MORTAL

Quem mais ridículo que nós, poetas?
Vivemos na linha esquerda
da esquerda,
zero absoluto
do vazio,
descrença informe
na letra morta,
vinho pirateado
de morfemas,
consciência silenciosa
dos poemas,
voz sem força,
ritmo sem segurança,
fome absurda,
sede monumental,
corpo flácido,
olhos tortos,
versos pueris,
limo na roda
da canção,
lamento das horas
que se vão,
um poeta não sabe
nada,
um poema não nos diz
nada,
pavonear sem inteligência
é a ruína dos poetaços,
pavão também morre
como morrem os poetas.

22/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)