PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

MORTE DE CRISTO

A folha de amendoeira
reviveu um passado
em foto preto e branca,
buscava a rosa na vida
do lírio em bruma
escandalosa,
qual desejo de vidro
na noite do retábulo
qua guardava
versos de amor.

Quando a dor e o frêmito
invadem o meu canto indolente,
vigio os meus instintos
como lapidação
de esfera
e guerra de
lupanar,

tal é o vulto fulgurante
que invade
o livro
na redenção
do temporal.

Pressinto luta corpórea
nas asas do silêncio,
como vinho sábio
de pira
e revelação,
qual montanha
do infinito
na cordilheira
do eterno.

Eu avisei o testemunho
de sangue aberto
no canto silvestre,
eu lembrei da carta fatal
da memória em pranto,
eu renasci como frontispício
de obras libertárias,

eu flechei o amor
no labirinto
de Dioniso
e seus luminares
concentrados
em orgia e embriaguez,

eu contemplei
o ópio na liberdade
sonhadora
de verso
e êxatse,

eu socorri o coração faminto
na plêiade da poesia,
eu sorri ao tempo solar
com vestes nababescas
de um teatro trágico
de flores cortadas
e poemas inacabados.

E o Cristo morreu,
em cruz no dorso de Deus.

05/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

PAIXÃO CLARIVIDENTE

Como um pranto doce
revela a tua face,
poesia!

Cantava na boemia dores
reparitdas em sacolas
de viagem,
o riso forte como o grito
anunciando felicidade.

Versos da morte rompem
na vida, desbunde das horas
ao relento,
como calor na veia misteriosa
que encampa as emoções
e o sentimento da palavra,
verso nu de parcimônia
na luta viril
dos sonhos corroídos
de olhos loucos
e boca psicótica.

O mar desvenda a morte
do instante,
quando a onda de cristal
sucumbe na voz rouca
dos palácios
de um rei ou mártir,
enevoando na tempestade
com o licor de aurora
na funda madrugada.

Eu esperei o amor
numa dança de ventre
exposto,
a graciosa fêmea
recheava-se
de encantos,
tal uma diva
em redemoinho
de mistérios
absurdos.

A dança ali se fingia
de rubi, com os solavancos
de topázio na vida levitando
pela árias contempladas
e a vigília da turmalina
como verde musgo
de ventre
e despedidas.

A labuta consentia
em ser poema
na hora vaga,
com um langor estúpido
como o albor
da fumaça
depois de cessado
o incêndio
das almas.

Vertigem e karma
negociavam
as vidas
num carteado.

Magnólia extasiada
perdia o seu amante
cravo em almíscar
de contemplação,

o açúcar dos sentidos
se perdeu no sol vigoroso
das batalhas de
um selvagem lenhador.

Mirra esturricada,
flor azul de voz calada,
teu corpo navegou
em minha alma
como luz de caverna
no sol que verteu
sangue de eras
na lua ressecada
das pinturas
de ascetas.

Voltei de viagem longa
ao teu peito indolor,
a rosa furtada
de meus delírios
renasceu
como girassol
em claro dia.

Retorno inesperado
da viola plangente,
os anátemas anacoretas
surtavam na vida monacal
como beatos com
desejos vultosos
de carne e sexo,
enquanto a luz feroz
do diamante
ardia
como chama
no mar sentido
pelos versos
no elmo forte
da paixão.

05/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

ORGIAS VÍVIDAS

Romance altaneiro das vidas
pausadas pela lua azul.
Vinho infenso ao fracasso,
mortalha da esfera
ritmada de candeias,
cruzo o mar do norte
vetusto
como chama
pastoril
na noite da vitória.

Encontro marcado.
As tapeçarias cobrem
o cobre do chão
adamascado,
vitrolas tocam o som
das cítaras
no rio negro
das orgias.

Os cavalos passam
nos manaciais
de sonho
como cavalaria
de guerra
na montanha
da pena
de poesia
em santa guarda
de seus arcanos.

A tocaia de seus astutos
adoradores é decaído
sonho de morte.

O poeta e sua consorte
nas metralhadoras
da praia,

o sangue imberbe
da paz petrificada
gritou
nas trevas explodidas
daquela tarde
na ribalta,

a mulher, sua esposa,
flechada.
E seus filhos, rimas
perdidas.

A praia acudiu
o torpedo
na marcha
galopante
de um anarquista.
E todas as cores
daquela moldura
fazem
da História
o terror
fiel
das armas
e putas
sonhadoras.

A canalha se organizou
na hora da tormenta,
e o sonho passou
intacto
pelas cantorias
de uma noite
de juventude
ilimitada.

O verão da anarquia
delirou na paixão,
e os cavalos da montaria
findaram
na enseada
que assistiu
o sol vermelho
e caído
na areia
da eternidade
como poema
de trançado
perfeito.

04/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

DIVINA SORTE

O parque tórrido
do convés
via mar
como ar
do verbo
amar
e cantar.

Canto e me espanto.
Amo e me encanto.
Faço do pranto
um acalanto.
E do recanto do amor
um tanto de cor.

Para mim as letras
de música
entorpecidas
de paixão
valem um ouro
de início e fim
noa amores fúteis
que transbordam
poesia.

Teria tempo de beijo
e liberdade
de noites feridas
de fel e mel
na sorte que vem
do céu.

04/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

ABSINTO E SENSAÇÃO

Se eu sinto o coração
nas velas do candelabro
que entorpece,
revivo cada diário
que vivi um dia.

Encontro velhos camaradas
pelas escadas do pub,
um pouco de conversa boa
nas dores da estrada,
um tanto de gargalhadas
por lembrar de poesia
e boemia
no sangue
das canções.

Leria tão perto de mim
o sorriso
dos olhares
como um amor
desejado
de torpor
e vida
de diamante,
como um romance
esperto
em mil
noites
de absinto.

04/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

ILUSÕES DO TEAR CANTANTE

Velas boêmias no meu vinho,
o coração sorrindo
de êxtase.

Como uma canção de sono,
como um sonho no sol,
encontro a vida!

Beijos na noite como
fumaça,
me fazendo ir e cair
de amores,
com o carro na ignição
para correr
a América do Sul.

Vejo, no instante,
como os olhos
podem
decifrar
as sensações
de prazer
num cais
brumoso
dos ares
que passam
na visão.

A vida é medida
no tear que trabalha
na beberagem pagã.

A noite cai como um cheque
sem um tostão.
A noite voa como a filosofia
na praia sob a lua.

E o dia amanhece
depois de uma enxurrada
de poemas
levedados
de ilusões.

04/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)



JUVENTUDE VERMELHA

A cidade severa
pulula
na ode
do orbe
desorientado.

Um poema calado, mudo,
e a tropa de choque
nas tocaias
da greve.

Leria espasmos na capa
de um livro de guerra.
Leria descampados
numa biblioteca
de batalhas.

Eu sou o poeta dos ossos.
Eu fui o poeta da vida,
e a morte me renasceu
sem pedir licença
quando jovem.

A pupila alavancada
e alucinada,
era a poesia
na flor da idade
como uma chuva
de paixão
sem nada
a perder.

04/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

VIVEIRO DA CARNE

Tocaria a tua pele
tão breve e morena,
na luz rezando
o amor conquistado
da elevação.

Tocaria o morfema ideal
de minha pena capital,
ferindo desídia
e rimando sóbrio
na flor.

Ideal tempestade,
sol ideal!
Vamos aos silêncios,
que todo o resto
é balbúrdia
e não me interessa.

Lamberia os teus lábios
na noite dos acordes suaves.
Lamberia as tuas pernas
e veria teu coração
pulando de medo
e prazer.

O poema seria apenas
espelho
deste desejo
de te morder
e olhar
teus cabelos.

04/09/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)

domingo, 2 de setembro de 2012

O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO

"The Catcher in the Rye", ou na tradução brasileira "O Apanhador no Campo de Centeio", é um romance do escritor norte-americano J.D.Salinger. Lançado em livro em 1951, o romance marcou o início da reflexão, tanto na literatura como na mídia, da ideia até então ignorada pela era pré-elvis, sobre adolescência ou, ainda, rebeldia da juventude. Marcos do cinema que alimentaram esta ideia, como James Dean, seriam inimagináveis sem as aventuras do jovem confuso e angustiado, Holden Caufield.
Holden é o narrador da própria estória escrita por Salinger. Tal personagem narra sua inadequação ao status quo, que é colocada em evidência ao ser expulso do Internato Pencey no qual estudava. Daí em diante, começa o périplo de Holden Caufield no caminho de volta para casa em Nova York, e o medo em relação aos pais saberem de seu fracasso escolar, salvo ter sido aprovado em Inglês (Caufield era bom em redações). Tentando adiar seu retorno ao lar com a notícia de ter tomado "bomba na escola", além de ter sido expulso, Holden foge na madrugada do Internato Pencey para gastar seu dinheiro na boemia. Holden tinha 17 anos, mas já bebia e fumava, sua vida era uma incógnita, seu paradeiro a partir de então, uma interrogação.
Antes de sua fuga, Holden conversa com o professor de História, Spencer, volta ao quarto do internato, e logo pega o seu chapéu vermelho de caça que o irá acompanhar até o fim de suas andanças de jovem flâneur. Topa com um dos internos, Ackley, com o qual não ia muito com a cara, tem um arranca-rabo com seu companheiro de quarto, o asseado Stradlater, depois disso se decide a deixar o Pencey antes do previsto, a caminho de um hotel barato em Nova York.
Holden passa por várias desde que foge do Pencey, sempre lembrando de pessoas pelo caminho que, às vezes, liga para marcar algo, assim com garotas que costumava sair, ou sua vizinha antiga, e sempre lamentando a ida do irmão escritor a Hollywood, pois odiava cinema (Salinger, o autor da estória, também não gostava muito de cinema, tanto que não autorizou filmagens de seus escritos).
Bom, Holden tinha paixão pela irmã caçula Phoebe, e é com quem se encontra no fim de suas andanças até a casa de seus pais. Muitas vezes se lamenta da ausência de seu irmão falecido Allie, mas na maior parte do tempo bebe, fuma, e procura o que fazer para não cair no vazio do tédio, tem até um encontro com uma prostituta, gasta dinheiro à toa por todos os lugares que passa, e termina fugindo da casa de um antigo professor por ter achado a atitude do mesmo estranha ao acariciar a sua cabeça enquanto dormia, passa por bares, conversa e dança com algumas mulheres que ele não levava muita fé, pois eram tapadas. Resolve gastar todo o seu dinheiro e fica, no fim, com vontade de fugir para o Oeste, abandonar tudo e viver numa cabana, mas sua irmã Phoebe, que era seu xodó, o convence de ficar. E, assim, Holden Caufield termina seu caminho do Pencey a Nova York, numa mistura de desejo de fuga, imaturidade, inadequação e angústia.
O sentido conferido ao título do livro pode ser a mera e simples divagação de Holden Caufield: “ia ser só o apanhador no campo de centeio”. Do poema de Robert Burns ele divaga sobre salvar crianças de precipícios que correm num campo de centeio. Talvez a metáfora funcione como o abismo existencial de Caufield, poderia ele se tornar um ente messiânico na sua própria falta de sentido, “se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio”, ato falho para o poema original: “se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio”! 
O romance de Salinger é celebrado nas décadas seguintes ao seu lançamento, vira referência quando se fala em literatura para jovens, e é o retrato perfeito do que viria a ser a moda da rebeldia jovem, antecipando movimentos de liberação e de elevação da cultura jovem a padrão de vida modelo para o nosso parque midiático, culminando no assassinato de John Lennon, ícone pop, por um suposto fã chamado Mark Chapman que, segundo o mesmo, teve a ideia depois de ler o romance de Salinger, o que não justifica qualquer conexão entre este romance e o ato deste infeliz. 
O autor, Salinger, após escrever algumas poucas coisas a mais, depois deste romance (o único de sua lavra, que é permeada mais por contos) se isola numa montanha, talvez realizando o ato que Holden Caufield não fez, o de ter ido ao oeste para morar numa cabana. Salinger morre em 27 de janeiro de 2010 aos 91 anos, num grande hiato criativo, muito provavelmente por opção.

Gustavo Bastos é filósofo e escritor