PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

SENSAÇÃO CHOROSA

A saudade mora
na utopia.
Um sem saber de si
que é toda alegria.
Um sem sorrir de mim
que nada mais
canta.

Se o poema encanta,
inflama em sua fleuma
o desdito
do seu tear.

O sentido nuclear
é o delírio.
A dose cavalar
de corpo
torna-se
luz
repentina
de fogo.

E o poema nasce,
e seu desenlace
é um pranto
sem pudor
como no grito oco
do vazio
que chora
em vão.

20/04/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

UM VASO DE FLOR

Pelo que sinto,
pressinto,
sucinto,
quão breve
o lacônico
poeta.

Que de suas setas
tem a rima precisa,
como numa noite em festa,
se da dor o encontro
é o segredo,
o arcano da saudade
é o seu desdouro.

E do assombro à fantasmagoria,
deduz de um poema
a sua alegoria.

Já que não canto sem doer,
sem o olor de teu fulgor,
faço crer que tudo posso
quando renasço
a contento
no meu intento
de um vaso
de flor.

20/04/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

AURORA REENCARNADA

Quero sentir
o tom esquálido
quão silente
é o vigor
que proclamo.

De tudo que amo,
não amo tão são
quando a dor
é profunda.

Se tenho vivo em meus versos
a vida planando desfigurada,
vou à mansarda
que nunca tarda.

Do meu crepúsculo
nasce sonora
uma sofreguidão
de aurora.

E no opúsculo sem vida,
um karma reencarnado
na carne do drama.

20/04/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

POEMA DO VERNIZ

Se assim caminho torto, absorto,
quão feérica é a luz
de antanho?

Se sonho sem saber,
qual lume vou querer
senão saber de meu lume
a luz que ele dá.

E quando estiver sem sentimento,
o coração pálido,
a dor anestesiada,
estarei morto.

Pois, se assim canto meu poema febril ...
num verniz o sentido
clama,
e o declamador
saberá
de seu ritmo
nu,
pois é o azul
que o poema
ama.

20/04/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

QUADRANTE SOLAR

O sol do poema se veste
como leão na esfera veraz
de minha cantiga agreste
na terra da paixão que jaz

O sonho trevoso refulge
em tons vicejantes de poder
nas luas sentidas de condoer
varando a noite no meu lume

Das abóbadas sonhadoras de vigor
um sentimento pátrio de rima
verga o tronco do poema devedor
de meus sóis que vão em dor vendida

No passo ao címbalo de meus átrios
corroem céus submersos de mar
num verbo corrente do verso amar
sem chão e sem solilóquios vários

Em vã solidão não há céu em clarão
senão o limbo das almas derrotadas
por não saberem se voltarão
sem riquezas na lida das mansardas

Como lírio de selva na miragem
saberá de seus pendões a morte
que um dia foi o norte que não volte
de um tempo ímpio que não mais fazem

Pelo sino que toca à hora funda
se volta ao campo em dor e pranto
não mais rima que vai à barafunda
roer os ossos ociosos que canto

Ver de verde firmamento a escuridão
no silêncio da noite tal sentimento
com vigor terrível do mar que arrebento
no sal do poema que revelarão

Não serei torpe figura de tropa
ao ver de través meu langor
em lindo vagar que nunca soçobra
pelo canto sem rumo e sofredor

No acalanto das feras em prístinas eras
quando louvarei meu vitral
senão desperto em sonho venal
do que fui e de poesias severas

O estro e astúcias aos borbotões
ascensionam almas no vinho bruto
ao sol deserto da carne que tu pões
não virá sem hora na dor do murro

O poeta sentirá na carta o poema
e seu verdor refletido nas parcas
como em costuras fiéis e armadas
do livro que terá o poente que lamenta

Eu verei sem rancor e sem vertigem
a cor da vida pelo céu azul
pois dada à suma que é virgem
um terror sem bruma do debrum

Deblaterando-me com dor de fel
visto minha cabeça de aurora
uma vez rimada na lua que demora
perder-me em açoite como um fiel

Ao horror do último fragor
eu olharei a sensação ferida
qual lampejo que ama o sonhador
pelo que vi qual luta ser a vida

E a vida nunca tão esbelta
quão bela é a espada
vai viver a senda da nau esparsa
de lustre brilhoso de poeta

Vai o sol aurora férrea
redivivo senhor de si
avivar o vinho da azaleia
parar o corpo que ri

Da comédia ao drama da arte
tem todo o sonho quão delírio
desvelar o mar que aqui miro
uma vez por todas sem matar-me

Das nuvens o cume do lugar
desdita do criador anuncia
o poema do tigre sem desandar
num cais da nave em sinestesia

E jurar sob o sol no lagar
um juramento de ritmo à lua
vento soprando que não se ruma
senão para o silente caminhar

E na noite qual felicidade
ver tudo sem nada que arde
a não ser da noite o vil sonho
que não sei  mais como lhe ponho

Pois da carne ao labor da alma
tudo é lama e chão que nunca acaba
é o caminho eterno do poeta
que tem e entende tudo que acerta

Das dores os sóis pungentes
dos prazeres vis corpos de gentes.

20/04/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

DORES IMORTAIS

As pétalas choram o desterro
da anêmona como último suspiro
da estrela da manhã.
O cadáver da maçã
escutava a dança
em silêncio.

O disparate da turba desvairada
pela cidade oca deslumbrava
o poeta na janela do sol.
A escrita sumária desvelava
as pétalas do sonho náutico,
sob a sombra da vinha
uma queda da água benta
despencando como música
no suor das esferas.

Eu, morrendo, estupefato,
enternecia o meu coração
em estro faustoso.
Nuvem composta de vinco
e vigor pela estrada,
nunca dantes visto
o navegante
em sol e lua
no mar do delírio.

Evoé poeta! Quais nuvens
mais em seu súbito amor
de primavera com flores?
Quantas primaveras mais
em castelos de fúria?
Que viço no regalo
dos poemas?
Quantos versos em sonho
nas vidas em dissonâncias?
Outro pecado em sua
morte gloriosa?

Eu vi o céu sob a tempestade
como uma tonitruante
rima sem morte e sem sol.
Eu temi o vinho sobre mim
como um embriagado
em feroz desdita.

Do sonho sempiterno
quão veloz e eterno
morreria sem ver
o labirinto?
Olhei, de súbito, compor-se
na criatura dançante
dos ferrolhos
que me prendiam,
um manipanso
da magia
dos estertores
de minha loucura.

Contra o vento o abismo
no auspício da bruma
em campanha feérica.

No castiçal a cantiga
dos poetaços
na justaposição
de seus versinhos
de amor,
um enamorado se afogando
em sua paixonite
de dias maravilhados.

A cruz, desde o credo da fé,
assumiu-se em horror
perante a tribuna
vertigem
da sombra
de luz
desandada
no prisma
em poesia.

Vestes andrajosas
sepultavam
a ventania
da rima
no condoído
peito de meus
poemas,
e a luz rarefeita
inundava
o verso
de êxtase.

De soslaio o solstício
supria a minha fome
de sol e terror.
No balaio o equinócio
morria na minha fonte
de pó e fulgor.
O eclipse sorria
terrível
pelas luas mortas
de um negro sonho
de albor.

As lágrimas eram a potência
da alma depauperada
na chama da paixão
ritmada e decantada
pelo rouxinol
depois do veneno
da erva maldita.

Sempre ouvirei
da ausculta tenebrosa
o réquiem da filosofia
que cintila como pássaro
na saúde dos cavalos
em sonhos de pétalas
na saudade
que vinga o céu e a terra
de suas ilusões.

Não ouvirei mais as trevas
em lamúrias atrozes
que não silenciam
senão pelo grito
que escapa
na noite vã
da poesia
que nunca será
exposta ao sol do dia.

Verei o fantasma
na queda dos anjos
e o relógio cessará
quando o tempo da vida
refulgir no desespero
da dor,
e meu olor de refugo
sentirá a peste
em minha carne
despertada
em alma eterna
no lírio campestre
que a juventude
levou num amor remoto
de solidão
e navio.

Não mais meu lírio,
senão delírio
na assunção
do espírito imortal.

20/04/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

TEMPO DE TUDO

Posso ver tudo
desnudo
as cores do dia
a lembrança
que se perdeu

Posso ver claro
o entardecer
da noite
o sol com a lua
o céu do fim do mundo

Vejo claro tudo passar
o grito que silencia
a dor e a orgia

Posso tanto, posso tudo
vou pular o muro
te dar um murro
vou ser qualquer coisa
vou ver, vou ver ...
a vida passar
o morro cantar

E uma ilha de prazer
será a hora e a vez
de tudo que fez doer
na vida que se fez

05/03/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

QUEBRADAS

Quebre a corrente
o louco e a vida
quando vencemos tudo
o mar vem
o tempo vem

Quebre a mentira
um vida é pouco
o samba é um estouro
o sonho vem brincar
de verão

Quebre o silêncio
não temos tempo
não sei a solução
sou vagabundo
sou malandro
do salão

Quebre a ordem
vou cantar a desordem
e minha vida
será o palco
será a vitória
de um humilde cantor

05/03/2012 A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

POEMA-COBRA

a cobra
       enrola
             com o rabo
                           todo o veneno
                                      que inocula
                                como vento
                       seu bote
       no homem sem
  sorte
      como um coração
                que nunca vê fim
                              quando a cobra
                                           morde seu dedo
                               e o homem
                          morre
              do coração
        e o pulso
que pulsava
          agora é morte
                      morte matada
                                  de um veneno
                que entrou no sangue
         e a cabeça da cobra
                 mostra
                a língua
             bi       furcada
                como
               língua
            que    vê
             o duplo
         de si mesma.

18/04/2012 (00:50) A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

O TEMPO QUADRADO

Nunca fez desrazão
             um tanto de louco
                     e outro de pensamento.

Nunca nunca sem emoção
                  um tanto de pensar
                            e outro de coração.

A cultura ensina a vida
                 sob o metro do poeta
poeta-cultura sai a esmo
             decifrar o eterno no mesmo

Um diferente do crepúsculo ou arrebol
vai vendo estrábico
                   o fim do poema
                            ao quadrado

Noite-dia que faz sol-lua
ou nuvem-chuva
              ou o nublado simplesmente?

O poema mente?
                  Mente o poeta?
Fingidor? Das coisas que sempre são
não há nunca nunca um grito são ...
não há poesia-poema
             que nem diga não,
             eu escrevo,
             e escrevo pois não tenho
             tempo para não escrever.

18/04/2012 (00:45) A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

FRENTE LIBERTINA DO CAOS

Trapezistas, leões, palhaço.
No canto lasso o laço do Lácio.
No vai-vem do vir vim vindo.

Bem vivido os anos que hei visto.
            Donde se tem
                 o que vem
         sem ter nada
                       com isso?

Ou então ou nada ou insisto.
Vício, virtude. Claro-escuro?
A alma, o Bem e o Mal.
O corpo, a nulidade do caos.

Kaos se tem nada e nem nada.
Tártaro, um nada quase nada.
Eros, um amor tartamudo.
Gaia, esfera impressa
no corpo do poema.

Alma-poesia, estrela nau profunda!

Com quantos poemas
eu ergui o frontispício?
Com quantos retábulos
eu poesio meu esquife?

Sou veste de patife,
um dedo em riste
na vida que resiste.

18/04/2012 (00:38) A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)

DESDITA DE DESDIZERES

Que rumo tomar?
               Desde o tempo
               insólito adendo
que vai rumar?

         Aonde vãos e desvãos?

Quais mãos?
Que mães?
Quantos pães?

Eu sou são
são coisas
de então.

A vida emerge no silêncio
eu penso logo repito
eu penso penso cem coisas mil

              Um lugar
              não-lugar
              lugarejos
              percevejos
              na montanha
              lilás
              do sonho
              em vão ...

18/04/2012 (00:31) A Lírica do Caos
(Gustavo Bastos)