PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 4 de agosto de 2012

NOITE BUDISTA

Flores de chumbo
na máquina hospitalar
               das dores   e   avarias
                        quando
                       o homem
                      de mil faces
                        era um só

Flores da penumbra
cor de câncer
no ar da névoa passaredo
louco de fumaça

Alertei as autoridades
da invasão das ruas
por carros sem freio
e pedestres com asas,
avisei do infortúnio
das mil vozes
de uma só boca,
das mil luzes
de um só iluminado,
das infinitas estradas
do cérebro em convulsão,
do ás e do coringa
na manga de um idiota
desesperado,
das lutas alhures
que o poema
vingava
na morte apedeuta.

Flores de chumbo
no nióbio das
máquinas de toque
à clara tela
das alienações,
nações conectadas
participando
de um nada
sem comunicar
o ser das coisas,
mas o jogo insalubre
do aparente,
e eu num acorde vital
com rimas de espora
e cânticos de coices
pelo céu mal visto
como um cogumelo mágico
na mente-espelho
sem sinal
para o sentido da vida,
quando os cavaleiros
invadem
a cor vermelha
do meu sol
na sina industrial
de um cinza
que não existe
senão no fogo,
e a viúva lamentando
a terra devastada
de todos os sonhos
da humanidade.

Chumbo fundo
na flor partida
de pétalas
pelo infinito
              do finito do corpo
e a alma-ilusão
                   de uma dakiní
                   desafiando
                   devas
                   na cor de som
                   pelo céu
                   e o espírito infeliz
                   da negra dor
                   sem corpo
                   como um grito
                   corroído
                   de poesia
                   potente
                   como o sol.

02/08/2012 Libertação
(Gustavo Bastos)




RITMADA DE IMPROVISO

Me esquecia dos mares mortos,
plácidos e rotos.
Nuvem na hora da vida,
estrela ferida
que rutila
indolor
no convés
do sol.

Azul cintilante,
como a cor da noite
na passada dura
do retirante,
como o castelo na capela
e o corpo de Florbela.

Restos das marés
na paz do vinho,
vícios de boreste
na luz do oeste,
certezas imorridas
de naus vividas,
eu saberia da vida
num ataque
de fúria
pelos poros
de toda anarquia,
eu veria o corpo rijo
de frio na floresta
nórdica em que
minh`alma dormia.

Lembro, ainda,
da pernoite estrelada
da máquina da memória,
lembrança iconoclasta
no mar fundo
como a rosa
sem par,
como o silêncio
sem o grito,
como o meu corpo
sem a dança.

Viveria o bandolim
na cratera de um violão
que flutua,
sustentando toda sombra
no inferno da percussão.
E, de um instante sem rumo,
olharia o convés de través
no ritmo inquieto
de castanholas
conversando com a luz
de um trompete,
enquanto a clarineta
dava pulos
depois do contra-baixo
bafejar
seu fundo
atônito
de poema
escuro.

02/08/12 Libertação
(Gustavo Bastos)