PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 31 de maio de 2013

FEBRE NOSTÁLGICA

Nostalgia, entre os rios da funda hora,
fere a tempestade com os ares que rumorejam,
da espada o sol se finda, das lembranças
a dor da orgia e os sapatos rotos.

Crava na anêmona a estrela furiosa,
com o veloz do espanto e a flor mortiça,
prende meu coração aos atavios do emblema.

Faca da seda na borboleta do campo,
faz sol na penumbra do sonho,
faz céu no inferno de antanho.

Vejo o silêncio, ouço a luz.
Mar sinestésico me faz o jogral,
no teatro pernóstico de meu castiçal.

Nostalgia entre as feridas vulcânicas,
leva o corpo pelo dia nas sedes do desespero.

O riso flana em paisagem,
a morte em deserto é puro êxtase.
Com o livro estampado no coração,
veste o diamante com fúria de música
em todas as partes do corpo seviciado,
e nas horas socorridas da eternidade,
faz o poema qual adaga do tempo
pelos astros fulminados
com o raio da saudade.

31/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

LUZ DOS ANTIGOS

Na feira dos brilhos antiquíssimos,
planava o pássaro na rosa do fogo,
vento em corpo de flor e barro.

A saudade misteriosa da mística,
lânguido o silêncio do orvalho,
a febre rútila qual gema de ar.

Revive o tempo sóbrio da paz sentencial,
condenado ao paraíso sob o sol da vida,
leva em teu vento o silvo amordaçado,
ataca o frio na asa do coração de luz.

Quando chegares, na tropa semeada,
refaz o caminho parturiente
das horas fenecidas,
e nasce do meu corpo
como música nas almas
que moram na minha pena,
pelo sol que murmura,
pela lua que sussurra,
e o todo em todas as coisas
como uma única poesia,
e os mares desconhecidos
dos arcanos do infinito
como sonhos do fundo do ser,
e os loas pelo mundo vasto
dos corações que se sentiam
torturados, faz sol em mim
neste dia do meu livro,
faz luz em minha alegria!

31/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

CANTO DE GUERRA DAS FLORES

Fervia a mutilação dos odres quebrados,
na mão do capataz a lânguida ferida
que os olhos dos lírios fendiam a visão.

Veste do tempo no verso espantado,
com o fervor de uma máscara negra
o vinhateiro flanava ao sol que suava,
e os degredados da terra furibunda
cantavam litanias no ócio da praia,
recitavam suas horas de bebedice
no braço da esmeralda e no pé do topázio,
desciam do navio morto com dias remidos.

A peste lhes atacou as nádegas,
os degredados fumavam e se alegravam.

O rio da serpente exultou o carrasco,
cortava-lhe a cabeça o mar revoltado,
e o corpo boiava na plena vinha sanguinária.

Reféns da guerra dos trópicos,
as aldeias eram incendiadas
por Villon na fuga de outrora.

Mas os dançarinos, na rota de fuga,
voltaram à mata densa da vida fácil,
os notórios ladrões de ouro
sulcaram a escultura
em fé armada
e sal de vitória.

Prontos ao abate os filhos do terror.
Velho continente do mar soçobrado,
corpo de veludo na carne dos Andes.
Pranto e escárnio, morte e fúria.
Os ventos argênteos
teimavam na dor
das feras,
o ouro gritava
na prata das luas,
e o filho da guerra
entrava na luta dos corpos
em pleno ataque de sol,
com a mão vermelha
da vingança extrema.

Os degredados morrem
sob a faca das coronhas,
e o lamaçal das águas
invade o templo milenar
do olho intruso
de todos os mistérios.

Feno e cal, mar e sal.
A dor das cercanias
fundou o novo sinal,
a terra maltratada
ressuscitava
nas flores
do campo da febre,
e o perfume da vida
reverberou em poesia.

31/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

quinta-feira, 30 de maio de 2013

PASSEIO DO FLAUTISTA

Cantam a rosa e voz do frêmito.
Cantam os dias dos rubis
como odor dos castelos da torre.

Funde-se ao sol, martírio de filosofia!
Juntando tempestades no vinho azul,
ferve o verde em teu violeta de carmim!

Bebe-te, bebo-te, amo-te!
Com o sol frio da quente madrugada.
Plange, contorce, me dá o desejo.
As lutas das armas soam paz,
as lutas das feras morrem em paz.

Pelo campo solstício refulge corrói o pasto.
Da esfinge a filosofia primeira,
corre velho o argonauta
no soluço da flor,
véu de ametista
em que se dá e recebe
amor,
flautista do tempo da chuva,
desce o pássaro no rio castanho,
qual mensageiro que diz:
" A poesia está salva!"

30/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

CÉU VERMELHO DE AURORA

Alegres, as febres das mulheres.
Triste é o homem que sorri
e não as vê.
Pintura de cabanas socorreu o dia,
as mulheres saíram dançando
na flor da copa de um tronco fundo.

Semeava o poeta planta de aurora
na guirlanda de uma telepata,
flor mordia, arisca queimava,
os copos de vinho espatifados
nos ombros latejados da rosa,
o frio fugindo do sol em dor pura,
o quente do trigal fazendo luz,
tempo de odres cheios,
a água do vendaval pulava
entre os cacos do sonho do vinho,
a planta da aurora nascia
com floração de crepúsculo,
as asas maquinadas mantinham
a sombra astuta do solo,
o canto de fertilidade
irisava os campos,
e o poeta ressurrecto
de frio e topázio
ganhava o corpo de nobreza
das estrelas de um céu vermelho.

30/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

BATALHA DA TERRA

Ventila o ópio na sesmaria,
um vinho de terra semeia fuligem.
Vem toda barca na ode fantasma,
vem o corpo balouçar na névoa.

Crosta terrestre do tempo inamovível.
Fulgura o sonho da balaustrada,
sete canções de terror no mar alto,
plange a Medusa sob Perseu,
vingado ardor ruge com clangor,
faceta da farsa é o tambor,
com ágeis penas soa a poesia,
leve em plano geométrico,
freme tantálica na lua de Cádiz.

Eu vejo o horizonte do oceano de bruma,
pranteia o solilóquio na marca do inferno,
retumba o soluço na dor do temporal.

Invadem a sesmaria de canção silvestre,
vinte índios da força motriz da mata,
reverbera no ataque a pajelança do sol,
com a vinha soterrada das terras do sol.

Têmporas do poeta revelam o delírio:
A água corria como sangue azul
nas frias montanhas de Mnemosyne,
cada Musa em seu rincão,
cada poeta com sua musa.

30/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)


MERGULHO DO TEAR

O corpo reluz com o brilho do manto azul,
eis que na nuvem do pecado ressoa a magia
com os mares do sul e do norte
e a fúria do sol golpeia o meu olho nu.

A semente vem com ares cinzelados,
no diamante que chega às mãos da poesia
uma flecha irisada sussurra pelo frio.

Verde no elmo bravo das campanhas militares.
Da sede esbelta em cada corpo
o deserto fundo do esquecimento,
a flor na malta desvairada
pelo campo,
os reféns das dores
com poemas atravessados
pela estrada náutica
de Netuno.

O mar plange refulge vive.
O poema concerto de mar abre.

Nas águas teu manso de mansarda,
libélula encantada no fremir do tear,
como rouxinol vetusto ao som
de naufragar,
vem de asas e mergulho
o sonho
com a fúria
do tear.

Nas danças macabras das sombras,
caçando as bruxas no sangue vil
tem em toda tempestade
a nobreza do caçador,
como se vê na batalha do leme
em edulcorado coração na chaga marcial
dos estertores de um soldo em máquina,
eu resisti ao frio purulento
que recordo nas almas de álcool,
e a peste do frêmito de dor suturada
patenteou o poema tão rijo
que a esfera embriagada
criou.

30/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

O SALTO

"O vazio dentro e fora é quando não há dentro e fora mais, o vazio existencial é um fogo sem fim, onde tudo que há nada significa, ausência de si e do mundo, fosso abissal dos sentimentos, fonte sem água do desespero." (Metafísica da Cosmococa)

Não sei de nada, não sei, não sei o que eu faço. Por onde andei e vivi nada importa mais, se havia luz essa se dissipou, não sei se ainda sou jovem ou velho, não tenho idade neste desespero que estou, não me dou bem com ninguém, não tenho mais contato com nada, há seis meses estou sem emprego e tenho dívidas astronômicas. Não sei de nada, não vou chegar a lugar nenhum. Olho este vão lá fora, estou aqui no alto, vejo lá embaixo, o chão pode ser uma saída, vou pensar, vou pensar .... O que vivi até hoje? Eu vivi? Eu tenho algo em que crer? Ateu ou Deus? Existe Deus? Venha Deus me salvar agora! Não sei, Deus é mudo, se ele fala eu não ouço, assim como não ouço e nunca ouvi ninguém. Bebi uma garrafa inteira de vinho tinto, cheirei três carreiras de pó. Estou aqui. Estou aqui? Não sei, não sei o que fazer. Deixei currículos por aí, fui por aí, por ali, mas .... nada! Tenho dúvidas, não sei responder as perguntas que faço aqui agora neste divã, vou buscar mais? Mas e tudo que busquei? E todos os meus valores? Se esboroaram no espaço. Não tenho mais tempo e espaço, sou o coração que fala e que gela, sou este que mais não sou, não tenho aonde ficar, não tenho mais onde e nem mais quando. Não, sou a negação, nego, sempre neguei tudo, só fiz o que fiz por obrigação, nunca fiz nada por prazer, nunca tive prazer em nada, meu psiquiatra me deu remédios para depressão profunda, tem um mês que os joguei no lixo, preciso sentir tudo isso, o remédio não me fazia mais sentir nada, eu tinha horror daquela euforia, o álcool e a cocaína não me dão prazer e nem euforia, é só um escape para sentir este não sei de nada. Sou medíocre, sou o fantasma de mim mesmo, estou me dissociando, eu quero a queda, a queda me atrai como uma tentação de beleza, a beleza trágica dos sem nada e sem ninguém e que não sabem de absolutamente nada e por não saberem de nada e também nem quererem nada estão com este sentir tão profundo do perigo, eu abracei o perigo, eu quero me destruir, coragem, covardia, tanto faz, quero diluir, meu ego é a tortura, o fim do não-eu é esperado, o fim ateu, a natureza de fugir, a fuga é mais que natural, a fuga é o martírio, serei mártir da fuga, toca o Réquiem de Mozart, toca Creep de Radiohead, a música é a tentação mais brava de todo este sentir do nada, nada há em que se segurar, eu olho o chão, o chão me chama, eu tento olhar para cima, para o céu, mas não consigo, só olho para baixo, lá embaixo está a minha fortuna, quero fugir, quero cair, a queda é minha salvação, Deus não está aqui, não acredito no Diabo, não acredito em nada disso porque também nunca acreditei em mim, se não dou valor a mim e nem a nada não tenho motivo para crer em outras coisas, tudo é fogo no céu, o inferno não existe, não tenho compromisso, o tempo e o espaço sumiram, logo, os deuses, seus supostos criadores, também nunca existiram, eu também nunca existi, por isso venho aqui agora tentar confirmar isso, a possível existência de um não-eu, estar dentro é dor, existe o fora? Estar dentro sempre é dor, existe o fora? Se não tem mais eu e nem tempo e nem espaço não tem dentro e nem fora, não tem nada, nada sei, sou nada, quero o nada porque não quero nada! Metafísica cruel, e o que dói mais é a física, mas ela pode me salvar neste chão que olho, a saída física é a saída metafísica do fora que não é fora porque é nada. Saída búdica? A questão passa por aí, mas não, também não, sou radical, quero o não querer absoluto mais instantâneo possível. Meu psiquiatra nunca entenderia, meu psicanalista não sei, falei de tudo isso, ele disse que Tânantos era idealizado quando eu cheiro cocaína. Olho lá para fora, lá para baixo, não olho para cima, sim o fora está lá fora me esperando, quero este fora que será o nada que é o fora disso tudo para sempre, o não-eu sem mais preocupações, o lar sem lar, já que não tenho vínculos e nem valores corto radicalmente meu último vínculo, este dentro de mim que sou eu, quero não ser, não quero ser, não quero nada e quero todo este não ser mais nada. Toca creep, eu começo a chorar, olho lá fora. Não vou, vou, não vou, vou. Fico. Espero. Tenho ainda o que fazer? Tenho ainda o que pensar? Nada nunca me interessou, só fiz coisas na vida por obrigação, acreditei nas coisas por um tempo também por obrigação, mas depois desses últimos seis meses não sei mais o que é esta obrigação. Meu último vínculo será a minha última lágrima, meu corte radical é este chão que olho, o único prazer, o estar diante da saída para o nada. Choro, quero ver se vou, não vou, vou, não vou. Espero de novo. Penso de novo. Vou? Vou! Não vou! Péra! Choro de novo. Tem mais uma carreira de pó na minha frente, cheiro. Vou! Ops! Penso e penso e penso. Acaba a música. Silêncio. Está tudo escuro. São três da manhã. Passa uma moto barulhenta na rua. Olho para baixo. Penso. Como tudo é ridículo, como sou tão errado? Erro de tudo, vergonha de tudo. Queria ser outro, ser o que sou não quero ser mais, não sou mais eu aqui, lembra, não tem mais tempo e nem mais espaço, estou só aqui e não sou mais nada, o não-eu vai tomando forma, é este não este que nada é. Nunca fui nada e agora quero não quero ser nada. Vou! Não vou! Penso. Putz! Odeio tudo, como tudo é ridículo, a fé me dá tédio, eu acho todas as histórias de superação absolutamente ridículas, provas de vida sob tortura, quando é bom ser assim? Todos felizes, eu tenho horror de tudo, não sou nada feliz, caçar felicidade, o mundo é absurdo, tudo agora pra mim é um flash do absurdo, estou no fio de desligamento de todo absurdo com o pensamento mais absurdo de todo o universo, uma vez que não há mais nada e nem universo, não tem nada, olho lá embaixo, quero ir lá agora. Penso. Reflito um pouco. Não fazia isso mais. Repenso. Olho de novo lá fora, só olho para baixo, me imagino lá, vou estar lá, e aí não estarei mais em lugar nenhum. Olho e penso. A reflexão não serviu para nada. O efeito da coca passa, fico deprimido de novo. Vou! Não vou! Penso e penso e penso. Essa história de Tânatos idealizado me perturbou, não entendi, quero o nada, só isso. Olho para trás, um vulto preto atravessa as paredes, tomo um susto. Penso. Imagino. Estou vendo vários vultos em volta de mim agora. Não penso mais. Vou! Péra!!!! Penso de novo. Esses vultos são minha imaginação, deve ser a coca. Penso mais e mais e mais. Olho para baixo, agora meu foco está todo lá, vira uma visão absorta, parece que eu me aproximo do chão, estou vendo, é o nada, só a minha visão agora, não penso mais em nada, totalmente búdico, olho para o vasto chão me convidando para a vastidão extrema de não ter mais nada com nada. Vácuo. Agora eu sou o vácuo. Vácuo. Vácuo. Vácuo. Penso, volto a mim, estou neste dentro de si de novo, inferno! Volto. Um vulto pula por cima de mim, eu tomo uma trombada, fico tonto, deve ser a coca. A depressão vem com tudo, joguei os meus remédios fora, nem o psiquiatra e nem o psicanalista sabem, eu dissimulei tudo muito bem. Me dá abstinência de coca, são agora quatro da manhã, não tenho mais dinheiro, o traficante só não me matou ainda porque prometi pagar na próxima semana, abstinência, não tenho mais coca, são quatro da manhã, meu telefone foi cortado, meu celular eu arrebentei ele ontem na parede depois de cinco carreiras de coca. Meus contatos fugiram de mim, eu estou sob ameaça, o único contato que tenho agora só me vende depois que eu pagar a última compra, ele quer me matar. Não tenho mais saída. Estou no meu limite, meu pai morreu tem um mês, era a única pessoa que eu tinha contato na família, também pela velha e desconfortável obrigação, mais da parte dele que da minha, ele me deu três salários mínimos uma semana antes de morrer, não tinha mais nada, não deixou herança, este meu apartamento é alugado, eu estou para ser despejado a qualquer momento, minha vida está um caos! Os três salários de meu pai eu cheirei tudo! Vou! Não vou! Putz! Merda! Olho para baixo, volto ao transe do vácuo. Nada mais. Nada. Nada. Nada! Toda a metafísica está lá no chão, me esperando, onde terei o fim de minha física. Eu li algumas coisas, não sou um completo ignorante, mas meu cérebro já virou sabão por causa da coca. Coca! Por quê? Meu culto ao nada. Tânatos idealizado, como diz o meu psicanalista. Não concordo, não é ideia, é a falta de qualquer ideia. Eu sou nada. Nada! A metafísica do nada me chama, me convida. Minha vida está um caos. Outro vulto me empurra, quase bato a cara no vidro. Putz! Deve ser a coca, é delírio isso. Cocaína! Vou! Não vou! Péra! Tenho que terminar logo com isso, são quatro e meia. Merda! São quatro e meia! Quatro e meia de segunda para terça. Estou desempregado. Minha vida está um caos. Penso. Tenho que terminar com isso antes de o sol nascer, não quero ver o sol, odeio o sol. Meus valores eu nunca tive, só fiz coisas na vida por obrigação. Penso. Tenho outro transe do vácuo olhando pra baixo, pro chão. Outro vulto me empurra e grita nos meus ouvidos. Deve ser a coca. Estou com abstinência, estou deprimido, choro mais uma vez. Vou! Não vou! Vou! Ouço uma risada, penso e faço isso, o chão, deve ser a coca, a dívida, a depressão, o caos, a metafísica do nada, o transe do vácuo, acho que vou ou .... Putz! Crash! Vou! Não ...

30/05/2013 Contos Urbanos
(Gustavo Bastos)

terça-feira, 28 de maio de 2013

O ROSA QUE SOBROU

O sol, da dor a flecha de luz,
refulge nos ombros do dia,
como a flor de girassol
na paz da tarde,
em nuvem o filho vaticina
a carne da fumaça,
com o ar da teia mortiça
que rumina seus atos de farsa,
se une ao ocre a água barrenta
dos berros de outrora.

Na chuva caiu um grito seco
como um tiro no meio da madrugada.
Mataram um cão ao meio-dia,
na madrugada o corpo
de um mendigo agonizou,
a festa era do outro lado,
o estampido só foi ouvido
com os olhos já no sol da aurora,
um sentimento de crepúsculo
tomou os corações de gelo
dos notívagos,
e o fel corria nas bocas úmidas
das ruas com o ferro abissal
de todas as armas,
um revólver sangrava
no peito aturdido
das almas que
se perderam,
e o rosa ficou nas mãos
de um poeta desamparado.

28/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

SOMBRAS DO TEMPO

Emerge de meu tempo absorto
a tela plangente na dor viciada.
Com os ritos azuis da flor,
encara o vermelho sumo
que desce à minha mão.

Encontro na saudade que passa
o olho seco de meu coração de vidro,
como um sinuoso poema de fogo
eu vejo o sol dançar em todas as nuvens.

Mas, de todo instante que fulgura,
da dança do sol o céu posto,
frio temo nas horas pausadas
dos meus ossos
o crânio fatigado
com o vinho da bebedice
de um vulcão,
e o tempo absorto
emerge
como o tempo
profundo
da canção,
o tempo inglório
dos poemas nas sombras
da memória.

28/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

QUANDO ERA JOVEM

Tenho a visagem pelo ouro calado
do ocre amarelo,
refulge na escada
a madeira,
cada taco é um milagre ótico,
era como na alucinação jovem
que tivera,
resisti ao tempo de um espelho
como mandala
de um não-eu
que ali se olhava,
os dias eram projeções
sobre os olhares bêbados
de uma tarde solar,
o vermelho se montava
de prazer em cada marca
das pinceladas
de um prumo sólido
que contornava
os segredos
da porta,
meu quarto
era o refúgio
pelo sol
da varanda
do pensamento.

28/05/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 26 de maio de 2013

O TEATRO DE ARTAUD

"O teatro só será devolvido a ele mesmo no dia em que toda a representação dramática se desenvolver diretamente a partir do palco".

   Antonin Artaud, artista francês, que era principalmente dramaturgo e diretor teatral, começou as suas atividades dentro do contexto do Surrealismo, mas pouco tempo depois rompeu com os surrealistas por discordar da decisão do grupo de se associar ao Partido Comunista. Depois de tal ruptura, a relação de Artaud com os surrealistas se tornou extremamente conflituosa, pois durante as tentativas de Artaud para erguer e divulgar seu novo Teatro Alfred Jarry, onde montou algumas de suas peças e também versões próprias de clássicos do teatro, recebeu um combate vigoroso de seus agora inimigos.
   As concepções sobre o teatro de Artaud eram uma tentativa revolucionária de mudança de rumos do que ele via no teatro moderno. A partir de uma nova visão, que se desenvolveu e que, com o tempo, recebeu pelo próprio Artaud, o nome de Teatro da Crueldade, se construiu uma concepção teatral de ruptura com o chamado teatro ocidental, que representava, para Artaud, um teatro autoral, e compromissado com a prevalência do texto sobre a cena. Artaud queria inverter esta relação, numa tentativa de fazer a encenação falar por si mesma, reduzindo o papel da palavra escrita nas suas montagens.
   Artaud, em sua busca de um novo teatro, fazia uma crítica ao domínio ordinário das palavras no teatro. Ele pretendia chegar no extremo da linguagem, e a chave estaria na encenação, e não no texto. O objetivo de Artaud era resgatar uma linguagem própria do teatro, fazendo então uma crítica ao papel do diálogo como fundamento e ponto conectivo de toda a representação cênica. Ele diz, em uma de suas cartas: "O teatro só será devolvido a ele mesmo no dia em que toda a representação dramática se desenvolver diretamente a partir do palco". Artaud queria retomar um sentido originário do Teatro por duas vias fundamentais, que seriam o Humor e a Poesia, que farão o papel de guias metafísicos de seu novo teatro, numa reaproximação da palavra do texto em função da encenação, e não o contrário, num caminho que ele vai chamar de metafísica orgânica, tentando, com isso, retomar ao teatro a própria vida.
   Nas suas cartas, ele evidencia sua concepção ritualística do teatro: "O teatro é antes de tudo ritual e mágico, isto é, ligado a forças, baseado em uma religião, crenças efetivas, e cuja eficácia se traduz em gestos, está ligada diretamente aos ritos do teatro que são o próprio exercício e a expressão de uma necessidade mágica espiritual". Artaud vê como o sintoma de decadência do teatro moderno a sua falta de eficácia mágica real, que pode ser definida como a dissolução de uma poesia em seu estado puro. A intenção de Artaud, com esta crítica, era deixar evidente a necessidade de resgate de um estado de vida poética para o teatro. Mais uma vez, a tentativa de religar o teatro à vida orgânica, que, para ele, é uma metafísica, negando ao teatro moderno, um pretenso valor, que, na verdade, não passa de uma vida psicológica simples, que se traduz na seguinte afirmação dele, em uma de suas cartas: " Nós estamos, agora, no estádio da vida aplicada, onde tudo desapareceu, natureza, magia, imagens, forças."
   Artaud queria criar um teatro da comunicação com o universal, que teria um sentido físico de atingir os nervos e a sensibilidade, como numa nova tragédia, mas agora sobre as vestes metafísicas do humor e da poesia, em seus significados essencialmente teatrais. Esta física primeira, é reflexo de uma importância dada por Artaud ao sentido primordial da cena no espetáculo teatral, e a sua consequente redução da função da palavra em seu teatro, traduzindo-se como uma nova expressão dentro do espaço cênico, onde a ação gestual ganha o valor das palavras. Tudo isso culmina, então, numa expressividade física, que se torna metafísica orgânica de poesia pura e humor transcendente, que será, a ideia alquímica de Artaud sobre o teatro, onde o espetáculo toma um aspecto de transmutação, tornando-se o teatro a realização de um sentido simbólico profundo, que é uma captura em estado de hieróglifos.
   Na sua relação com os atores, por sua vez, Artaud assumia uma característica centralizadora, pois via o trabalho do ator em função da encenação e não como expressão da personalidade do mesmo. Artaud, portanto, condenava o tipo de ator que tentasse se impor no ritmo da peça, pois, para ele: "A própria orientação dos nossos espetáculos exige atores fortes, que serão escolhidos não em função de seu talento, mas em função de uma espécie de sinceridade vital, mais forte do que suas convicções."
   Enfim, o sentido dado por Artaud, para definir o seu Teatro da Crueldade, era um sentido cósmico, sem o qual não haveria vida, nem realidade. A crueldade poderia ser traduzida como um turbilhão de vida, núcleo de criação, é o teatro no sentido de criação contínua. Artaud chega a realizar algumas peças por sua vida, como dito acima. Mas, a partir de 1937, passa a ser internado em vários manicômios franceses, sendo que, depois de 6 anos passando por tratamentos duvidosos, é transferido para o hospital psiquiátrico de Rodez, onde permanece 3 anos, escrevendo cartas para não perder a lucidez, mas, neste mesmo lugar, recebe eletrochoques que lhe prejudicam a memória e o corpo.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=8527&secao=14