PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 6 de março de 2016

DEGREDADOS

Já pressenti o cosmos
nas mãos do carrasco,
já senti o fulgor mesmerizante
das mãos na taça
de um vinho obscuro,

o rio corrente límpido
vai ao estuário
com carne em flor,
de suas pétalas afluentes
o corpanzil inteiro
da navegação,

o poema estulto cai na sombra
destes vis sonhos,
no balneário perdido
de um delírio
no deserto
desassombrado
de um poeta
em degredo.

06/03/2016 Gustavo Bastos

ODES DE SATURNAIS

Os corpóreos santos de viga de aço,
em teus ossos todo o sal
da terra imberbe,
possuídos dos sóis vermelhos
da borrasca.

Os dias, impassíveis,
cantavam com os olhares vagos
das marítimas odes
de saturnais,

ao lupanar os convivas ébrios
esperavam a magia,
e os bruxos em suas sílfides
apareciam como fantasmas
no espanto da noite,

deambula o rei dos ébrios,
flanando pelo corpo
das barregãs,
no ócio santo dos santarrões
e anhangueras
de socos e cadeiras
voadoras,
com as mãos em sangue
na febre da batalha.

06/03/2016 Gustavo Bastos

NERUDA EM ISLA NEGRA

Rasgo celeste no céu, como um topázio
brilhaste, infante domador,
janela para o mar
de tua carta náutica,
em uma ilha, Neruda.

Fui ao teu contraforte,
ao teu arsenal,
ao teu astrolábio,
entender de tua bússola
e tuas carrancas.

Entro no recinto:
a História não tem temor
dos versos de amor,
dos versos de verão,
de teu canto geral
ao fervilhar do sangue
que tu possuíste.

Neruda em Isla Negra
era a fortaleza inabalável
diante do vasto Pacífico,
e eu te vi nas portas e janelas,
nos pátios de alento
de tua bandeira chilena,
no meio de meu ébrio vinho
que voltava de Valparaíso
e Viña Del Mar.

Neruda em Isla Negra
em um dia de sol,
eu te vi, te sorvi,
de frente ao enigma
do Oceano Pacífico
que rebatia indômito
em tuas pedras vulcânicas,
com o cheiro de pássaro
e de barco
de tua morada
de marujo.

06/03/2016 Gustavo Bastos

OLHOS DO DESAMPARO

Veja:
não há nada no horizonte,
não há mais nada
pela frente.

O idílio com que um dia
se sonhou, evanesceu
na febre do tempo perdido,
veja.

Não há esperança
nas garras destes
usurpadores,

não há utopia
neste mundo cão,
pernóstico e brutal.

Veja:
compraram o silêncio todo
como a cavidade de sepultura
ocultada em seus corações.

06/03/2016 Gustavo Bastos

SINAL DO RITO CORPORAL

Me poupe das insígnias,
minha marca,
meu signo,
eu mesmo faço.

O ás da manga saboreia
o estertor da chama,
bruxulear de capa e espada
como num vinho
polifônico
que cai em si,
soberbo.

Me tire de suas manchetes,
meu idílio,
meu sinal,
eu mesmo faço.

Por saber o que faço
do onde e quando
e porquês ...
me poupe e me tire
de suas cartas tiranas,
de seu comércio vaidoso,
de seus desejos de orgia,
de suas memórias
carcomidas
de pretensão.

06/03/2016 Gustavo Bastos

A HORA DA MORTE

Não há inteligência
nos costumes,
veja:
repete-se o ritual,
põe-se o cosmos
num intervalo
de hipocrisia,
com ânsia
de absoluto.

Não há salvação
nos costumes,
como um arranhão
nas nádegas
a implorar
ao cinismo
um naco
de verdade.

Não temas, o canto indolor
já se enfureceu
no poço profundo
dos dias idos e vindos,
pois não temas,
há que saber que a
hora da morte
é o tempo da liberdade
abrindo a sua porta.

06/03/2016 Gustavo Bastos