PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

CANÇÃO CONTINENTAL

Torna a resina ao cachimbo,

sonha onírico o trovador,

como um animal bojudo

que contempla o verde.


Destarte, o hino da rima

cai ardente na folhagem,

uma latifoliada canção

de bruma borboleta

besouro cricrilar na noite

zunidos coaxares etc.


Vamos lá, dizia seu amigo

prensando na cabeça oca

um chapéu coco e trazia

em seu saco um cavalete

em que pintava pássaros

e toda sorte de sol e lua

e estrelas embaçadas

de chuva, pontilhado,

seja aquarela ou tinta 

a óleo refeita e aguada.


Se juntavam a uma malta

indígena para tomar banho

de rio e ao fim da tarde

tomar picadas na cabeça

de muriçoca. 


Desta malta a tribo ainda

ficava distante, eles nem 

tinham tomado mingau,

nem papa, nem bebida

na cuia.


Eles pintavam

o sete na caça da capivara

com escopeta e garrucha,

feito piolhos na floresta

em que se transbordava

a poesia perdida

dos trópicos, dos

corpos bronzeados

pelo fogo do meio-dia.


22/09/2023 Gustavo Bastos 


OFERENDAS GREGAS

E fazendo este hino à Baco

que os ídolos do teatro

façam a esbórnia, a bacanal,

com a magia dos ocres cheios

e os vinhos correndo como rios

nos peitos embriagados dos estetas.


No palco se realiza o rito báquico

em que os cantos dos bodes

vão da tragédia original

aos cantores em festa

das comédias, dos bufos,

dos pândegos de chiste,

e o canto do galo

na aurora tomada

de alvorada.


Mente-se muito na farsa,

ao teatro científico, no entanto,

o personagem é buscado

pelo ator e pela atriz

em sua verdade,

sem meneios pré-fabricados.


Aos mais teatrais,

a impostação e o gestual

são mais estilizados,

e assim la nave va,

entre o grito e a sutileza,

em vários metros

racinianos e anti-clássicos,

ao mais absurdo cambalacho,

e o mais experimental

vazio de godot.


Toda a taberna canta e bebe,

fuma e exulta, todos os cantores

da noite e a boêmia vivente

dos cabarés e infernos de 

carnavais, todo o culto

e hino à Baco e suas

saturnais.


22/09/2023 Gustavo Bastos 


O POETA DEGREDADO

A esquadra desce o malho,

pois a calha mata o otário,

fuzila o espantalho,

e afugenta o donatário.


Logo se veem terras devolutas em 

que se fincam bandeiras,

as espingardas e as escopetas 

para fazer a segurança das invasões.

Uma turbamulta de degredados,

de traficantes de armas,

de vultos nada nobres

da patuleia e seu mundo 

desgraçado e fodido.


Perante o capitão da bravata,

uma fragata foi à pique,

diante de sua falência,

de sua inépcia,

o capitão foi afogado

pela belonave corsária,

pelos pândegos da noite,

pelos flagelados da podridão.


O poeta, com suas manhas,

rezava diante das igrejas de madeira

e dos mercadinhos de secos 

e molhados, sondava diante das quitandas

e das bebidas caseiras e unguentos

para fazer magias debulhadas

no mistério sexual das feiticeiras.


Tanto fez o poeta que foi ferino

para morrer na praia embriagado.

O poeta que bebeu a astúcia

para sufocar com toda a areia

seu pranto final ao alvorecer.


22/09/2023 Gustavo Bastos 


MANUAL DO VIVO

Fazer de conta o poema faz,

tanto mais que nem se desencanta,

pois com seu pendor o espanto

tanto acomete o poeta, que dele

a rosa nasce do brilho fugidio e raro.


Fazer de conta, às vezes,

regateia com o mundo

sua ingrata incúria,

seu frio medonho,

como se fosse

um antídoto

ao abismo 

em época

de tempestade.


E mais além,

com a face já 

corada, de uma vida

remida e resgatada,

possa mais a poesia

fazer tudo sem 

mais a fantasia 

de outrora, diante

de seu mundo

que agora estará

salvo.


22/09/2023 Gustavo Bastos 


quarta-feira, 20 de setembro de 2023

MEIO AMBIENTE - PARTE I

“de 2016 a 2020, o garimpo no território yanomami cresceu 3.350%”

O território yanomami tem uma área que equivale ao estado de Santa Catarina, abrigando mais de 28 mil indígenas e possuindo 371 comunidades, localizada entre o noroeste de Roraima e o norte do Amazonas. O território é chamado de cinturão de rochas verdes, segundo expressão da geologia, e por ser uma fonte potencial de minérios valiosos para a indústria, se tornou objeto de cobiça para o garimpo. 

O que se diz é que as terras yanomamis podem abrigar metais como o ouro, a platina, cobre, níquel e outros que servem à indústria eletroeletrônica e da transição energética. Na prática, contudo, ainda faltam estudos conclusivos sobre este potencial, o que fica no terreno do provável, de que há diversos minerais preciosos na região, o que basta para colocar esta na mira do garimpo e de invasores.  

Embora a pesquisa mineral ainda precise avançar, a valorização do ouro fez com que surgisse uma aposta no escuro que valia a pena, pois quando se achava ouro todo o investimento compensava as outras operações minerais que, porventura, tivessem falhado. O garimpeiro, nas terras yanomamis, encontrou no ouro um retorno financeiro imediato, o que só aumentou a sanha pela exploração mineral na região.

Outro mineral que chama a atenção na região é a cassiterita, de onde se extrai o estanho, usado na fabricação de folhas de flandres, que servem na produção industrial de latas e acabamentos de carros. Contudo, a cassiterita possui valor agregado inferior ao ouro, pois a concorrência é ampla, ou seja, existem locais legalizados e de mais fácil acesso que vendem este mineral do que um esquema complexo de garimpo no território yanomami.

Na ANM (Agência Nacional de Mineração) existem 503 requerimentos de mineração na terra yanomami. Embora a mineração nessas áreas protegidas seja proibida por lei, estes processos foram abertos com a expectativa de mudanças na legislação. Tais processos variam entre os de lavra para garimpo e os de pesquisa. Estes requerimentos podem envolver tanto o ouro, como outros minerais como a citada cassiterita, além da columbita, topázio e tantalita. 

Outra técnica do garimpo é fazer lavras regulares próximas a regiões de exploração ilegal, pois favorece a atividade de esquentar o ouro extraído irregularmente nestas lavras legais. Este ouro ilegal sai com seu registro como extraído de local permitido e vai para a venda. E aqui, com o avanço do garimpo território yanomami, as consequências têm sido nefastas. Recentemente, tivemos a divulgação de imagens chocantes de uma etnia fisicamente frágil, com mortes por desnutrição, doenças e também em conflito com os garimpeiros.

As denúncias e, com elas, as diversas imagens, desencadearam uma reação enorme por parte de políticos e de organizações da sociedade civil, chegando à denúncia de crime étnico, portanto, de genocídio. O que acontece em Roraima, no território yanomami, não tem precedentes na Justiça do Brasil, a questão é complexa e a tipificação intensamente debatida.

A gestão do então presidente Jair Bolsonaro é investigada pelo Ministério Público Federal (MPF). Depois do caso do massacre de Haximu, de repercussão internacional, também na região, já existe este marco no julgamento de genocídios no Brasil, e no mundo, cabe ao TPI (Tribunal Penal Internacional) este julgamento para este tipo de crime. 

O Estatuto de Roma estabeleceu, em 1998, a Corte Penal Internacional (CPI), também conhecida como Tribunal Penal Internacional (TPI), a primeira criada em caráter permanente. O objetivo do TPI é julgar indivíduos, ao passo que o julgamento dos Estados fica sob jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ), ou Corte de Haia, pois é sediada na cidade holandesa.

O STF (Supremo Tribunal Federal) tem uma jurisprudência consonante à visão do Estatuto de Roma, que entende que “comete genocídio quem, com intenção de destruir total ou parcialmente um grupo, causar mortes no grupo; causar grave lesão à integridade física ou mental; ou submeter o grupo a condições capazes de ocasionar a destruição física total ou parcial”. 

Com uma jurisprudência consonante a estes princípios do Estatuto de Roma, o STF (Supremo Tribunal Federal) tenta estabelecer um parâmetro para condenar o ex-presidente pelo descaso com os indígenas na pandemia do Covid-19. Para isto, o STF determinou a abertura de uma investigação de autoridades de seu governo em relação às acusações de genocídio de indígenas yanomami. O pedido foi enviado pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso e as investigações estão sendo conduzidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), Polícia Federal (PF), Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério Público Militar. 

Este pedido de Barroso serviu para ampliar as apurações iniciadas pela Polícia Federal. Portanto, o trabalho da Procuradoria-Geral da República (PGR) demandava eficiência, devido à gravidade das acusações, o que não ocorreu, pois já em fevereiro deste ano a PGR foi questionada pelo ministro Barroso pela morosidade dos trabalhos e a falta de resultados, por exemplo, nada sobre o drama dos indígenas, que já tinha sido ricamente detalhado pelo Ministério Público Federal (MPF). 

Uma das desculpas esfarrapadas do procurador-geral Augusto Aras foi a de que a natureza “nômade” do povo yanomami dificulta a sua proteção pelo Estado brasileiro. E as autoridades bolsonaristas da gestão do ex-presidente também, até então, não tinham sido interrogadas ou pressionadas. Faltou pulso firme da procuradoria para transformar a investigação sobre o genocídio yanomami numa agenda nacional.

Embora o problema do garimpo ilegal no território yanomami não seja uma novidade, tal exploração aumentou em escala e intensidade nos últimos cinco anos. Dados do MapBiomas, por exemplo, demonstram uma curva ascendente na atuação do garimpo na região a partir de 2016. A plataforma calcula exatamente que, de 2016 a 2020, o garimpo no território yanomami cresceu 3.350%, uma trajetória de destruição que se multiplicou rapidamente.

Além da questão do garimpo, o Ministério Público Federal (MPF) apurou desvio de medicamentos em território yanomami, incluindo vermífugos. E o mais grave foram denúncias sobre a interrupção no fornecimento de alimentos, segundo afirmação de Alisson Marugal, procurador da República em Roraima, em que o Ministério da Saúde teria cortado fornecimento de alimentação aos indígenas nos postos de saúde do Estado em 2020, sem qualquer explicação. 

A consequência foi um cenário devastador de mortes por desnutrição e malária, fazendo com que o Ministério da Saúde decretasse emergência sanitária no território yanomami em 21 de janeiro deste ano, com o envio de profissionais de saúde e a criação de hospitais de campanha. 

Nos últimos anos diversas instituições nacionais e internacionais já vinham dando alertas sobre os problemas na região, sendo que o garimpo ilegal foi denunciado ao menos 21 vezes à justiça e aos órgãos do governo durante a gestão de Bolsonaro. 

Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu no dia 1 ° de julho de 2022  uma decisão cobrando respostas do Brasil para a proteção dos povos indígenas yanomami, ye`kwana e munduruku. A comissão concluiu que a situação destes três povos era de “extrema gravidade e urgência”.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  https://www.seculodiario.com.br/colunas/meio-ambiente-parte-i