PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

GURUS E CURANDEIROS – PARTE XV


“a sabedoria universal rechaça qualquer plano fechado de futuro”

A vidência sempre veio como um fenômeno controverso, que atravessou milênios, e sem generalizar, temos o seu aspecto negativo, de charlatanismo, no qual aparecem um cabedal de truques, geralmente, no plano da linguagem, podemos inferir tais truques, sempre lidando com a generalidade da linguagem, a fonte predileta para os videntes mal intencionados jogarem a sua isca, como se diz no ditado popular “jogar um verde para colher maduro”.
O vidente charlatão consegue “descobrir” toda a sua vida de modo surpreendente, mas a vítima não sabe estar sendo engambelada por um farsante, caindo em truques baratos que qualquer pessoa com o mínimo de manejo da linguagem já percebe de antemão a cascata. Os poderes sobrenaturais do charlatão têm uma característica comum, alimenta clichês e obviedades e as carrega de sentido, para que sua presa fique realmente impressionada.
Umas das técnicas utilizadas é a sondagem visual, muito do olhar e da linguagem corporal do consulente, que muitas vezes entrega o ouro pela respiração, por um certo jogo de olhar ou por hesitações que o charlatão já “pesca” instantaneamente. Isso vale para a aparência do consulente também, seu modo de se vestir, que diz muito de seu gosto e origem social ou estamento específico. E seu estilo ao falar, seu comportamento, também são chaves de sinalização para o charlatão.
E temos também um truque aparentemente sofisticado, mas que, no terreno da linguagem, é de um acinte que seria hilário se não se tratasse de um golpe, que é o chamado Efeito Forer. Características psicológicas e de personalidade, todas estas genéricas, óbvio, são enumeradas ao consulente, normalmente mexendo com seu ego e vaidade, ou ainda com sua credulidade já com uma escuta predisposta que, a cada esgar do suposto vidente, os olhos do consulente brilham de uma certeza absoluta própria dos alucinados que se arrebentam na próxima esquina.
A intimidade de tais generalidades é que elas são continuidades previsíveis para descrever personalidades das mais diversas, mas sempre numa zona segura em que muito do que é dito pesca uma especificidade que esteja mergulhada nesta lista universal feita para enganar otários. Este é o Efeito Forer. É o que vemos muitas vezes no horóscopo, e também em consultas com médiuns, e adoramos.
Outra coisa típica de videntes charlatães é fazer uma investigação com o consulente, mas sempre com um viés de confirmação, são perguntas genéricas, mas já induzindo o consulente a “entregar o ouro”, mais uma vez do ditado popular “jogando um verde para colher maduro”, no qual o gancho discursivo leva o consulente a dizer, sem perceber, o que logo em seguida o charlatão “descobre”.
E falando de ego e vaidade, muitas vezes o charlatão usa o truque da excepcionalidade, colocando o consulente num lugar privilegiado, e por se tratar de alguém que veio se consultar para buscar algo, o vidente joga com o clichê do talento “não reconhecido”, o consulente se sente um eleito, mas que não tem o seu valor reconhecido, mas claro que o vidente sabe que ali na sua frente ele tem uma pessoa, digamos, “avant-garde”.
E nos truques de “visões” o vidente vai por tentativa e erro, até que o próprio consulente dá a deixa e o vidente nada de braçada. Ali é o momento supremo da “adivinhação”, dali para a frente o vidente toca de ouvido e o consulente se emociona. Outro truque próprio para pegar otários é a apropriação do que está sendo dito pelo consulente, a “mágica” é simples, o consulente faz uma afirmação, e o vidente termina esta afirmação já abrindo uma resposta na qual o consulente cai que nem um pato, aqui mais uma vez o viés de confirmação ganha ares de perversidade psicológica. Aqui a técnica do charlatão é bem conhecida em Filosofia, a dedução lógica.
E o truque principal, para evitar denúncias de consulentes desiludidos, é que as mensagens recebidas do “astral” têm um valor diferente para cada pessoa, então a exegese final das mensagens deve ser feita pelo próprio consulente, no decorrer dos acontecimentos, e caso se decepcione, não é culpa do vidente que, a esta altura, já consumiu a sua cervejinha de sexta-feira sossegado, com o dinheiro do consulente incauto.
E temos um truque sofisticado, mas de fácil desmascaramento, que é o registro de previsões feitas por videntes em cartório. Quando temos uma tragédia, sempre aparece um vidente de plantão afirmando que fez tal “previsão”, e que tem o documento comprobatório. Uma carta registrada em cartório se torna a prova material da previsão do vidente, mas é um truque.
O primeiro aspecto hilário da situação é que o tal “vidente” só divulga a sua “profecia” após a tragédia, nunca antes. Mas, peraí, ele não tem a prova em cartório? Como assim? Simples, sempre que o vidente registra as suas previsões em cartório, nos documentos que ele forja sempre têm espaços em branco para preenchimento posterior, que são (jura?) as informações principais.
Para um esclarecimento sério, sobre a cultura oracular, que tem muitas pessoas responsáveis e gabaritadas, e que não podem ser confundidas com a banda podre, temos que a vidência não tem o papel de prever o futuro, pois isto seria uma interferência no livre-arbítrio, portanto, o que temos são direções, indicações, orientações, o vidente sério deve estar consciente de seu verdadeiro propósito, que é de preparar o consulente para seus eventos futuros, mas não de prevê-los.
Preparar, portanto, significa dar a melhor direção possível para que o consulente tenha êxito, e não olhar para uma bola de cristal e dizer tudo que irá ocorrer em sua vida, os eventos aqui são vislumbrados de modo simbólico, nunca como uma certeza cega própria daqueles que acham que são visionários, mas que na verdade estão participando de uma alucinação própria da convicção divinatória dos farsantes. O saber oracular verdadeiro aqui tem mais caráter operacional do que de desvelar exatamente o que vai acontecer.
O vidente cônscio de sua missão verdadeira, nunca é um profeta, no sentido pejorativo do termo, ele preserva a livre determinação do consulente intacta para que ele faça as suas escolhas, pois a sabedoria universal rechaça qualquer plano fechado de futuro.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.