PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O POEMA DO CAVALO

Cavalos morrem e correm.
A pena desanca o ardor.
Cavalos são versos,
poltrões são mortos.
A vida seca, a água evapora.

Eu aniquilo a sensação
com o corpo inerte,
a meditação aprofunda
o sentido de self,
como o coração que gela,
como o sinal do mistério
na flor da matéria.

Cavalos são poetas,
grandes poetas.
Eles correm e morrem,
o trabalho lhes é dado
pela mão pesada do Homem,
o motor não lhes liberta,
as patas dos cavalos
correm no campo deserto,
e os poetas da cavalgadura
morrem de sede
no espanto
de uma crina imortal.

06/02/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos) 

VISÃO DO PORVIR

Falo, deste enunciador-enigma,
o bom fardo.
Esqueço o corpo sobre o alpendre,
voz intimorata, dormente.

Tenho a visão do poema:
ele é nuvem, escarpa,
solo de ferrugem.
O poema é água quando flui,
e pedra quando para.

Olhos são visões,
ouvidos, sensações,
o corpo tateia
o sentido
do sentir,
e o intelecto
pergunta a si mesmo
quanto de imaginação
há no porvir.

06/02/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

O QUE FERE O CORAÇÃO

Ai, que de pranto se fere a hora
e se matam os dias!
Quanto do meu poema verterei
para chegar à lua cheia?
Pontadas pontilhadas
no caminho da água,
no desdém das almas,
na vida calma, calculada.

Onde o rito de morte em meu ventre?
Onde a hora exata do poeta
no frio da dor?

Eu estou no cais com o vidro cortante
de meus instintos,
ouço o cadáver de meu sonho
como visão ouvida
de um alucinogênico
injetável.

Sempre a fuga da dor
nos leva,
sempre o poema de langor
nos enleva.

E a estrada é esta:
caminho descaminho
que de tanto andar
se afundou.

06/02/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

CÂNTARO DE CANÇÃO

Canta em teu cântaro a dor vertida,
úmido o pacato rito de odores sem fim,
cobre o sal na paz do mar,
vem como livro de pecado
em horas de tuas salgadas
vagas de memória,
urdiu o cadafalso com mão atenta
no trabalho burilado dos ventos,
a natureza cordial dos címbalos,
os ouvidos e o olhar desperto,
eu vejo a clara noite do dia nascer.

Canta em espanto o meu pranto,
com a certeza da vida mutilada,
com a vida refeita de dor escavada.

Lembro das sombras enterradas
como arqueologia da memória,
na sua geologia os fantasmas sorriem
já remotos de uma outra estrada,
de uma margem à outra
do velho rio da consciência
a ilusão de maya
nos ensina
a compaixão incerta
de corações congelados.

O poema canta como se funda
em canto lírico
ou grito de horror.
A gota de lágrima da saudade
se encanta de flor
com a febre imortal
de um jardim
no paraíso perdido
das fadas imaginárias,
o canto é doce
e o regaço calmo.

06/02/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

DESEJO DA ILUSÃO (A DOR NA SARÇA)

Da sarça em fogo a mão do poeta
queima em verso na fuligem,
odor cinza semeia
o seu rugido.

Leve o poema em teu bolso,
lua cor de mel nas pernas,
nos ombros o fardo
das estrelas,
os pés fogem
como cometas.

O corpo funde-se à dor,
o nervo exposto
debulha
o céu,
seu fardo de estrelas
se chama abóbada,
uma matilha uiva
com o sabre dos
verdes campos
cortados
pelo fogo,

sarça salgada
na vida do pássaro
com o olho do universo
rondando
os pecados
e as ilusões.

Passa rente ao desejo
a morte
Leva em meu seio
a sorte
          corre pelo palco
          o teatro burlesco
acendo ascendo no proscênio
               vulgar o meu sinal
                                          sombra
                                          sobra
                                          soçobra

morde morde a morte
                      mortal fatal
                            feto
                            fato
                            feito
                            ardil
                            arde
                            morde
                            cospe
                            goza
                            êxtase
                               do
                              meu
                          silêncio
                          incenso
                               se
                            penso

                em mim eu vivo dentro

06/02/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)  


A ETERNA ESPERANÇA

Onde as palavras da esperança
descansarão?
O regato fluido de uma paz
esquecida?
Onde aportará a vã esperança?
Nas terras longínquas
ou aqui ao lado
na vizinhança?

Onde doura ao sol o horizonte impreciso,
é lá o lugar que dorme
no sonho de uma criança,
ela dança, uma criança
sozinha na praia
vendo o vento
passar,
a criança e o mar,
a poesia a dourar.

Mais da esperança espero.
Mais da certeza a quero.
Haveria muita filosofia economizada
se soubéssemos de tudo,
do que diz o horizonte,
do que pensa o mar,
e onde a criança
já não mais pergunta,
mas brinca
no seu eterno
presente.

02/02/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 3 de fevereiro de 2013

BLAVATSKY E A CHAVE DA TEOSOFIA

"Ler Blavatsky é entender um pouco mais das tradições espirituais que herdamos, crendo nelas ou não, pois é uma fonte de sabedoria, para além da figura controversa que foi Blavatsky."
   Helena Petrovna Blavatsky, nascida na Rússia em 1831, e falecida em Londres em 1891, também conhecida como Madame Blavatsky, foi uma das responsáveis, senão a principal responsável, pela elaboração do que ficou conhecida como a versão moderna da Teosofia, sendo co-fundadora da Sociedade Teosófica. Sua produção prolífica fundou as bases de uma espiritualidade que reuniu várias vertentes diferentes da herança espiritual do Ocidente e do Oriente, numa pretensa síntese eclética no sentido de criar com isso um sistema de pensamento.
   A leitura de uma de suas últimas obras, A Chave da Teosofia, nos dá uma visão introdutória do que se trata o pensamento dela e da Teosofia, pois em outras obras mais importantes, como em Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta, duas obras vastíssimas e com infindáveis referências, temos um panorama de tradições antigas e bibliografias desconhecidas em grande parte pelo cânone moderno, e que formam o corpus principal da Teosofia em Blavatsky, fundando então a Religião da Sabedoria, como os teósofos chamam a Teosofia.
   Lendo sua obra mais acessível ao grande público, A Chave da Teosofia, temos um texto feito por Blavatsky com 2 personagens, um entrevistador e um teósofo, onde um encadeamento de perguntas e respostas é urdido para esclarecimentos do que é a Teosofia e, por fim, qual a função da Sociedade Teosófica.
   No que se refere ao esclarecimento almejado em A Chave da Teosofia, o que parece claro é que nem sempre um pensamento ou um sistema eclético podem produzir uma grande síntese universal de toda a espiritualidade conhecida pelo Homem em sua História. Abre-se um viés perigoso ao tentar, com um novo conhecimento espiritual, realizar todos os elos de sentido entre as tradições antigas, tais como: O Hinduísmo dos Vedas e dos Upanishads, o Budismo Mahayana, elementos de Gnosticismo, Alquimia, Magia, dentre outras referências esotéricas, incluindo aí a crítica ao Espiritismo, com o qual a mesma Blavatsky havia flertado antes de se tornar teósofa.
   O ecletismo muitas vezes afirma elementos comuns entre coisas diversas, e na sua versão teosófica, que trata da espritualidade, esse elemento chave que também inclui aí símbolos e mitos, tudo nos parece interligado, e de fato está, ainda que ocultamente, mas fazer dessas conexões um pensamento universal, tem um grande caminho pela frente, e que eu julgo difícil e quase impossível, vide a confusão de nomenclaturas para elementos semelhantes quando Blavatsky tenta explicar os conceitos da Teosofia, um ecletismo que, às vezes, é irritante, e que não atinge uma síntese realmente efetiva.
   O mérito das obras de Blavatsky, porém, e no livro A Chave da Teosofia, é exatamente, não a sua utopia de síntese espiritual, mas o que podemos tirar de seu ecletismo, que são os elementos que o compõe, como uma via interessante de acesso a conhecimentos esotéricos e tradições antigas nem sempre bem compreendidas, o que resulta, por fim, como ideal ético teosófico, no altruísmo e seu objetivo de realizar a fraternidade universal, nada muito diferente de outras seitas ou sociedades secretas.
   A visão da reeencarnação em Blavatsky e na Teosofia, por exemplo, difere um tanto da que é explicada pela doutrina espírita, assim como as comunicações mediúnicas, que para os espíritas são fonte de pessoas mortas, e que, para um teósofo, não passa de um resquício de individualidade, o que na linguagem espiritual, por sua vez, se chama casca, ou seja, é um efeito magnético do médium com elementos sem uma individualidade verdadeira, o que vai contra a crença espírita de vida após a morte no sentido de preservação do ego. Em Blavatsky, e para a Teosofia, existe uma visão de um Eu superior que reeencarna várias vezes, mas sem um ego constante, o que, para mim, me fez entender que tal visão é uma influência direta do Budismo Mahayânico, que afirma que não há ego no mundo espiritual. A comunicação espiritual, para Blavatsky, portanto, e no seu caso, se dá por transmissão de pensamento de grandes mestres espirituais, os quais Blavatsky chamará de mahatmas, e que serão seus guias para as suas grandes obras teosóficas.
   A vida de Blavatsky foi muito polêmica, entre brigas com amigos teósofos como Olcott, além de várias acusações de charlatanismo, pois adorava se exibir como dotada de poderes psíquicos, algumas vezes usando de fraude, como algumas pessoas comprovaram, o que não é, necessariamente, uma negação das faculdades espirituais dela.
   Blavatsky enfrentou o ceticismo e teve vários inimigos, tais como os espíritas, e sua obra se firmou apenas no meio esotérico, pois no pensamento acadêmico ela não é muito levada a sério. Por outro lado, ler Blavatsky é entender um pouco mais das tradições espirituais que herdamos, crendo nelas ou não, pois é uma fonte de sabedoria, para além da figura controversa que foi Blavatsky. A questão da validade da Teosofia como pensamento é, portanto, mais importante que a de sua verdade, embora um dos lemas teosóficos seja: "Não há Religião superior à Verdade".

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=4783&secao=14