PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

POEMA CRU

As noites se vão
nos olhos da escuridão.
Acharei o tesouro
no fim do caminho?

Caminho.

Dura lida com a faca,
morta vida em dor lassa.
Faz o enterro
de meu mistério,
faz a nuvem
apagar
o que resta,
e em vão toda dor
que passa,
e num clarão todo ser
que basta.

As noites se vão
no frio da chuva,
água plena em todo coração
que chora as lamentações
de um sol que se foi,

corpo seviciado
e nu
do poema
cru.

03/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

NAU VIVA

Os dias póstumos,
estes não servirão
à pena
nos dias
de auspícios.

A vida,
fina flor
da letra,
cresce
e se expande
qual
nau
tempestuosa
do cais
em morte
sem nada
que morrer,
em vida
para tudo
se viver.

03/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

FLOR DA MANHÃ

Levitados, como os campos
violáceos de saudade,
faz na urdidura, tempo e poesia
em feitura lapidada.

Qual canção, foge da tempestade
a mais alta luta de feras,
canção estupefata
no ócio da paixão,
mordedura de raiva
no coração de vidro
em visão alucinada,
serpente dual
que conserva
o veneno
em todas as mazelas
de um louco passional.

Refém do mistério,
o sol saberá do tempo ido
o nascente de amanhã,
pois do retorno do tempo
saberá qual será
a certa flor da manhã.

03/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

PASSANTE

Desta inquirição pelo tempo
nasce a dor do inaudito
pela falta de saber,
fruto de que somos,
na condição ignara
de toda filosofia.

Tenha-se o dom prolífico:
Das asas urdidas
como sutil sentido
em flora infinitesimal,
cai do girassol
a flor da idade,
qual nada
a canção se tece
em muda faca.

E os olhos, estes que nada veem,
podem registrar o indolor passar
da primavera, como onda
que flui ao tórrido verão
das praias escaldantes
do sol que foge
pelo dia que
recebe a noite.

03/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

domingo, 31 de março de 2013

TEORIA DAS CORES

Imenso azul do sentido,
a carta morta sob a janela,
o sol entrando
na sala opaca,
translúcido poema
avistado,
em noite fatigada
hora,
em luz certa de poeta
que vê
o indizível
na sua vida.

Imenso verde da visão,
com seu vinho de relva,
com seu verde verde verde.

Azul compõe,
vermelho limpa,
amarelo ilumina,
preta a sombra,
cinza o tempo,
rosa o amor.

Branca a pergunta,
universal o laranja
do arrebol
enquanto
dormita
prisma
dos sete céus
de dourado
em ouro puro.

31/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

ILUSÃO DA VIDA

A pobre e miserável vida,
a odiável vida,
tão rica e amada!

Como sou tolo! Eu que busquei
no campo verde de mistério
o meu perfeito pecado!

Eu, que de tão torto na noite,
dancei histérico e extático
como um grande deus nu,

estalei meu corpo
no bestiário
das almas totemizadas,

Tânatos pedia o meu sangue
e um duende em meus pés
regurgitava uma flor de espada,

o mel saía de minha boca
e os olhos não viam nada
senão a totalidade
do ímpeto,

a náusea de todo ímpeto
jogado no vento veloz
de todos os sentimentos
possíveis,

o vento embriagado
de todos os sonhos
que nunca foram
pensados,

um grito no escuro
da clara ilusão.

31/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

HORA PRECISA

A hora se salva assim,
nas mãos dos velhos
contadores de estórias,
o caminho inútil se abre,
como a rosa na primavera,
como o sorriso na janela.

Em um passo adiante:
Notícias no jornal da luta,
segredos devassados
em noites de luxúria,
o vinho derramado
sobre o assoalho
e o ritual corpóreo
sob a lua monumental.

Lágrimas e solidão.

Veste-se o corpo, de onde vem?

Alegria e multidão.

Cada caminho anula outro,
os gestos se misturam,
no entanto.

Cada caminho invade um outro,
os gestos brigam entre si,
portanto.

Do amor à cavalgadura,
encontro o meu rio
que deságua em ti,
meu amor sublime!

Notícias vêm e vão
na sede da manhã.
Eu vejo o vazio
da tarde.
Eu sinto a sedução
da noite.
E fico pensando gravemente
durante a madrugada.

E o dia sorri novamente,
uma aurora para cada
coração,
uma flor sentida
no peito,
um verso dito
de antemão.

É o oráculo a morte pressentida,
como morta a ilusão,
e vivo o tempo de viver.

Em vão a saudade,
e a vontade
de te ver.

31/03/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)


LARANJA MECÂNICA

"Alex vira ícone, Laranja Mecânica é cult."
   O livro Laranja Mecânica foi escrito por Anthony Burgess em 1961 e publicado pela primeira vez em 1962, tendo uma edição comemorativa de seus 50 anos no ano passado. O livro foi fruto de um frenesi literário do autor, depois de um diagnóstico errado de uma doença fatal, que o fez escrever febrilmente, na certeza de que iria morrer logo e, portanto, para garantir o sustento de sua esposa quando ele falecesse, o que não aconteceu. Burgess, escritor britânico, viveu até 1993.
   O livro de Burgess foi o mais bem-sucedido de toda a sua obra, ganhando a versão mais que clássica no cinema pelas mãos do gênio Stanley Kubrick, sendo o personagem principal  do livro, Alex, representado pelo incrível ator Malcolm McDowell. O filme se tornou cult e foi censurado no Brasil por um tempo, também sendo retirado de cartaz por Kubrick na Grã-Bretanha, devido às muitas críticas, e só voltando a ser exibido no país depois da morte de Kubrick em 1999.
   Alex, o personagem principal da estória, é o narrador onisciente, pois esta estória se tratava de um relato da vida deste jovem Alex, narrado pelo próprio. Este é o meio em que se dá a ação, ou seja, com a narração de certos acontecimentos por Alex, tanto no romance de Burgess, como no filme de Kubrick.
   Alex fazia parte de uma gangue, ele e mais três druguis, Georgie, Tosko e Pete. A palavra "Drugui" faz parte do dialeto nadsat (adolescente) que quer dizer "amigo". Tal dialeto nadsat é a linguagem utilizada pelas gangues de jovens da estória, que é uma mistura de anglo-russo que resulta numa linguagem pseudoelizabetana, e que se conduz pelo chamado "Rhyming Slang", que é nada mais que um jogo de palavras infantil via repetição silábica, o que refletia gírias da época em Burgess escreveu o livro, lembrando que os personagens que formavam a gangue de Alex eram extremamente jovens, na faixa dos quinze anos, mesmo que um Malcolm Mc Dowell, na época em que se filmou a estória, já tivesse 28 anos, quando representou Alex.
   Laranja Mecânica é a narração de Alex sobre a sua delinquência juvenil, seus atos bárbaros durante um trecho da estória, com a chamada ultraviolência, que será punida, logo após, com a traição de seus "druguis". Alex viverá um inferno pessoal, sendo condenado à prisão. Alex passa de uma liberdade total através da sua ultraviolência e estará em breve sob a tutela da violência do Estado sobre os indivíduos desviantes como ele.
   A tese do livre-arbítrio é levantada como a bandeira desta obra Laranja Mecânica, pelo próprio Burgess, em textos seus sobre a mesma. O conflito filosófico se instaura quando Alex entra como cobaia, voluntariamente, para o teste de um novo meio de combater a criminalidade, a técnica Ludovico, que será uma crítica de Burgess ao poder do Estado e ao behaviorismo, que, coincidentemente, à época da publicação do livro Laranja Mecânica, tinha em Skinner um novo representante, lançando seu livro "Além da liberdade e da dignidade", em que o condicionamento dos comportamentos eram mais importantes que valores como a liberdade de escolha, em que o mal era sanado por um bem imposto e artificial, nada diferente do mundo anestesiado de Huxley em seu Admirável Mundo Novo, o que, para Burgess, era um modo de pensar perigoso. Para Burgess, no combate ao mal se anularia a capacidade de escolha pelo próprio mal, sendo melhor um mundo de pessoas livres para fazer o bem ou o mal (conceitos nem sempre bem definidos), do que autômatos condicionados em uma nova distopia, a qual se vê em Huxley, no livro citado, e em George Orwell, em seu livro 1984, e que culmina em Burgess com seu Laranja Mecânica.
   Alex passa pelo teste da nova técnica Ludovico, e se torna incapaz de praticar a ultraviolência ou atos libidinosos. Seu comportamento, agora, era condicionado pela náusea ao imaginar qualquer ato violento ou despudorado, seu drama é que ele não tinha mais escolha, sua tragédia é que sua liberdade extrema pela ultraviolência se tornara agora apenas náusea, e seu destino era crescer, não podia mais ser o rebelde criminoso que tivera sido. Tal capítulo sobre seu futuro está no romance original, o qual foi suprimido da versão americana, a mesma da versão do cinema por Kubrick.
   Alex vira ícone, Laranja Mecânica é cult. Esta obra, seja pelo romance de Burgess, ou, sobretudo, pelo filme de Kubrick, se tornou referência para bandas de rock e diversas outras áreas do entretenimento. A figura de Alex, controvertida, que deveria ser reprovada, é revestida de um carisma. Então, um livro que nasce de um desespero de morte em Burgess, revela a sua faceta de símbolo dos jovens desviantes, que são, do ato criminoso ao xilindró, novos seres condicionados ao bem, não por escolha, mas por medo, medo que em Alex é físico, a náusea diante do horrorshow de seu passado de estupros e ultraviolência.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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