PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 23 de outubro de 2010

SOBRE A ARTE POÉTICA

I

Eu me recuso ao tédio de não escrever

eu me recuso a não pensar

e não escrever o que penso



Pois é assim que se dá o começo da ação

senão pelo pensamento que se manifesta

na recusa deste pensamento

em permanecer oculto e calado



Sim agora posso dizer

me fiz poeta pelo pensamento

e descobri na poesia

que o pensamento é música

que o pensamento é canto

que o pensamento pode ser

um sentimento



Sei que a poesia pode até se dizer

"filosófica"

e sua filosofia não é teórica

senão musical rítmica cancioneira

sentimental



Sou também o que escrevo

escrevendo eu penso

escrevendo eu canto

escrevendo eu penso e canto

o que sinto



II

Antes de tudo antes que a pena

comece o seu intento

sabemos pouco da vida

e é o espanto e a admiração

que fazem um poema



A presença do mundo

diante dos olhos fascinados

do poeta é que faz a poesia

se derramar em poemas



Se eu sinto uma emoção forte

se eu penso em algo inesperado

e daí vem um ritmo uma cadência

eu ponho a pena na mão

e a mão escreve o que eu tenho

a dizer

e aí penso-sinto

um ritmo uma cadência

e é o que costumam chamar

poema

se aqui há música escrita

ritmo escrito

cadência escrita

tens aí amigo

um poema pronto



III

Poesia é o que a vida tem de bom

é o bem onírico

o bem lírico

o bem que é benquisto

tens aí amigo

uma possível felicidade

o poema pode ser esta chave

para quem se diz poeta

para quem se quer poeta

para quem diz não ao tédio

de não escrever



O poema nasce da recusa

de uma vida vazia

que permanece calada e oculta

e deixa de ser vida

e que vira fardo



Pois se é o fardo do poeta

escrever

este não é mesmo um fardo

uma coisa que nasce do sofrimento

ao contrário

o poema nasce do amor

e é com muito amor

que nasce um poeta

mesmo que lhe caia o tema da morte

mesmo que lhe caia o tema da guerra

poesia é um ato amoroso

o amor pelo canto

o canto pelo amor
 
IV


Pois daí em diante

temos a prova de amor

concreta e abismal



O poeta vive de abismos

de passagens de curvas

e de estradas longas



A poesia então é um rio caudaloso

de infinitos poemas



O poema é a marca registrada

a cara do ser que o escreveu

é uma digital em forma de palavras

daí se tem o identificado poeta

e suas entranhas emocionais

rítmicas e filosofais



O poeta é este ser vivo

que canta em tom de agonia e prazer

harmonizando contrários

como o ódio e o amor

o poeta é este harmonizador

de sede insaciável

e fome desesperada

o poeta é sequioso e famélico

seduzido e sedutor

a quem as palavras adotaram

para saírem em forma de canto

o poeta é o abismo e o amor



V

Seguindo neste rumo

a poesia nunca vacila

quanto à sua nobreza e virtude

a poesia é a mestra

das sensações

e é dela a linguagem originária

e rapsódica

em que as musas dão a inspiração

ao poeta que faz dela trabalho e meditação



Por fim o poeta agradece

e diz que o amor é são

e que sofrer é loucura



17/01/2009 Gustavo Bastos
 

A GUERRA DO ORIENTE

Verás um filho teu se dirigindo

ao colo da mãe

verás com os olhos da terra

a semente de seu futuro



Então sentirá a fatalidade

no homem que vive dos horrores da guerra

que é testemunha da morte

televisionada no mundo globalizado



Hoje queima Gaza

agora mesmo queima Gaza

Gaza Gaza Gaza que rima com desgraça

Hamas mísseis katyucha

bombardeio sobre Gaza

não adianta Intifada

não adianta

bombardeio contínuo

tropas entram no ritmo do acontecimento

fervilha o campo e o nó cego

aqueles não são os nossos filhos

judeus contra o Islã

Maomé e sua saga

Hégira (Maomé ruma a Yatrib

para o seu refúgio)

e hoje o petróleo e as armas

são mais potentes

e tudo é trágico

no Oriente Médio

com seus ricos sultões



09/01/2009 Gustavo Bastos

SOU O QUE SOU (TEORIA DO CAOS)

Não tenho nome e nem paradeiro

sou do mundo e o mundo é meu

sou da selvagem canção de amor

sou uma esfera

não tenho nome

sou a esmeralda e a ponte

o velho e o novo

a cor do horizonte



No que meu peito tanto ferve

é a noite que sou na madrugada

e o dia que termino no arrebol



Sou a treva o inferno e o céu

a loucura absoluta e a plena razão

sou simultâneo

não tenho nome

sou o tempo e o espaço desfalecidos

pela hora derradeira

sou a conquista do pensamento

sou a pedra do pensamento

sou e não sou

não tenho razão

não tenho fronteira

não tenho verão



sou apenas o que sou

poeta poetinha poetão

verso versinho epopeia

sou o caos



09/01/2009 Gustavo Bastos

O BÁRBARO E A VISÃO DIVINA

Proclama o teu triunfo sobre o meu coração

viçosa espada do meu relevo subterrâneo

destrói a palhoça com fogo e cachaça

vira o mundo ao contrário para o alto



Desdita é a tumba do horrível suicida

ele teve o ventre e as pálpebras diluídas



Oh mármore ancestral

eu era a coluna que servia ao templo

e o seu ar orquestrado

finalizava uma obra magnífica

de guerras e conquistas



Oh fundo esplêndido da montanha

faz de minha sombra um alvo

faz de meu peito um panorama da morte



Eu fui refém das encostas periclitantes

de um nardo e um sândalo meditativos

eu contemplei o Bem

e o Bem era uma visão do sol

e o sol era o recanto

em que Deus borbulhava de tesão

eu fui refém do pranto armado

na palmatória do mundo

que um dia eu ousei ser

e que agora não passa

de um delírio juvenil

o poder da espada



09/01/2009 Gustavo Bastos

A vida do bem

(soneto decassílabo heroico)

Sempre uma rosa alenta o peito frio,
como ar que perto corre dentro e além
das asas que abrem fortes no que vem.
Sei disso muito certo no suspiro.

Ao correr sem olhar para o sorriso,
o sonho faz tombar e dar a alguém
a flor da minha sã razão de quem
me faz feliz e pronto ao fim querido.

Vou abri-las asas prontas para o voo,
debulhar cada verso sem desdém
que oscila na carnal visão que sou.

Tão madura canção na hora que tem
o que na vida afora faz olor
para a fraqueza vívida do bem.

20/10/2008 Sonetos da Eternidade
Gustavo Bastos

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Viagem de Ácido

Borboletas roxas,
vagalumes fluorescentes,
eu amei a uma árvore
e dancei no caos.

Por entre os detritos da existência,
pulei pedras de riachos,
viajei numa onda azul
de lírios estonteantes!

Quando acordei,
era um caramujo num sonho
de tecnicolor.

18/10/2010 Delírios
Gustavo Bastos

Farewell Song

Em lagos congelados lanço
o meu mal verbal e impreciso,
das fontes ígneas da luta mortal
estou ceifando o poema pelo meio.

Perto de morrer eu vivi,
e vivo na hora terminal
do sol que se vai com a noite.

O solo está repleto de odores,
desta terra brava escarlate
doura o fogo das minhas
entranhas.

E na sarça Deus se ilumina
do fogo pentecostal,
seus fiéis rumam para o mar,
e a guerra se anuncia
numa vinha crepuscular.

Neste frio em que o rio se perde,
tenho o calor da nascente
canção de adeus.

13/10/2010 Delírios
Gustavo Bastos

domingo, 17 de outubro de 2010

AS DISTORÇÕES DA PERCEPÇÃO

AS DISTORÇÕES DA PERCEPÇÃO




“See me like a man, not a God.”



É tão odiável ser superestimado quanto ser subestimado. Num momento você se torna o rei do pedaço por ter feito algo tão inútil quanto um domingo sonolento, depois acontecem coisas horrorosas que te jogam no limbo novamente, e nem adianta fazer uma obra extraordinária e sonora, os ouvidos dos idiotas são moucos.

É como no caso de pessoas que só são reconhecidas tardiamente, ou que muito cedo são tomadas de glória e se perdem na egolatria e no culto da personalidade precoce e destrutiva, e quando morrem estão sozinhas e apáticas.

Não é que tudo não passa de uma distorção? Ou te veem numa lente de aumento, ou te veem no nível anônimo de um micro-organismo. Deveras irritante esses extremos da fama e do esquecimento, não existe caminho alternativo? Tal como ser reconhecido pelo que fazemos sem precisar se tornar uma celebridade, apenas uma figura “cult”? Talvez seja necessário que tenhamos que apanhar, brigar, xingar, chorar e quase morrer, e depois? Sobrevivemos, sobrevivemos, sobrevivemos .... e vivemos.

Quando se é superestimado perdemos a noção do que é adequado ou de “bom-tom” e nos tornamos afetados, tal como se fossemos um ser especial, diferente dos outros, um ser que merece uma atenção específica e de um cuidado tal que não nos dá autonomia e pode deturpar nossa autoimagem ou prejudicar a inteligência e transformar um gênio num idiota egótico, ou ainda transformar um talento promissor num chato narcisista.

Do outro lado, porém, depois da festa e do “oba-oba” vem a verdade, ninguém está nem aí para você, ninguém precisa de você, e não adianta fazer nada, as pessoas só dão atenção para entes consagrados, “e o caminho está fechado para nós, que somos jovens ...”. Ou seja, depois da idolatria precoce que gera autodestruição e uma distorção do ego numa egotrip esquizofrênica, colhemos as cinzas do que ficou, e o que ficou foi a inteligência, essa (a inteligência) sobrevive à tudo, é o único bem de que podemos usufruir e cultivar eternamente, nascer inteligente é uma dádiva divina, e as pessoas burras, me perdoem, são insuportáveis.

Então eu peço e imploro por um caminho alternativo, nem culto do ego e nem cegueira para novos talentos, esqueçamos um pouco dos “consagrados” e olhemos para quem está vindo e que estão com fome de serem ouvidos, não se façam de idiotas, palhaços e hipócritas fingindo que nada aconteceu.



“Das cinzas do que me resta, sou o navegante do eterno coração pulando entre os mares do destino que se banha no sol e que se faz de sonhos.”



PENSAMENTOS LIVRES



17/10/2010 Gustavo Bastos