PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

terça-feira, 30 de junho de 2020

MAGMA

Em países distantes estava o lume lisérgico e sua taenia saginata que esculpia o verme na pintura. Eu revisei meus tédios na pátria amada que ardia. Logo, entre os ventos da vinha, num terror azul escuro da noite, sofri sob a espada que cortava meu sabre e minha adaga, um partido peito nas braçadas do mar. Nadei por várias paragens, entre as nereidas fui rei, depois de uma embriaguez em que acendi meu cigarro na véspera do caos, olhei em volta, imaginei Londres sob um pub de uísque escocês, fumaça de charuto, brotos de salada, carne no fogo, eu vi o Vesúvio, na semana seguinte, regurgitando poetas de Pompeia, alucinações de Creta, guerra dos hilotas, dos espartanos, uma derrota em Maratona, um assassinato no Senado romano, duas facadas no presidente que foi deposto com notas frias de holocausto.
Rimei minhas pedrarias, diamante e ametista, o rubi cantava suas notas doces como harpa angelical, eu prendia minhas dores numa teia de resistência, a fortaleza urdia seu calor pétreo e decidido, um azougue me tomava o peito, eu corria rumo à minha própria vitória, independente, vigoroso, com a certeza de ser um bom e belo poeta, com todas as histórias e fraturas de um bom e belo poeta, com todas as misérias dos vícios e as glórias da virtude em meu dorso biográfico, um ser moldado, feito na fervura e ganhando seu soldo depois da guerra total contra os abismos da hipocrisia, eu era o guerreiro, e tinha em meu escudo a primeira ponte para o ataque de minha adaga contra o coração da derrota.
O Vesúvio, este Deus caudaloso de lava, regurgitava os poetas de Pompeia, poetas de fogo banhados em lava, fruto do magma, o mistério do fogo em sua fervura, do manto da Terra para a camada atmosférica em fumaça negra petrificando sonhos no mármore, invocando os espíritos infernais que despertavam sob a febre do oráculo e das danças ditirâmbicas antes do primeiro ato de Téspis. Eu fundei, estudando Aristófanes, as nuvens, Eurípides, Ésquilo e Sófocles, a unidade de tempo de um dia para consumar o ato, as parcas cegas do destino, tecendo contra os muros a Moira, e na loucura do suicídio as Eumênides que atacavam os ouvidos do guerreiro em seu delírio de queda.
O magma descia entre as ruas e as casas de Pompeia, os poetas dançavam seus últimos dias na Terra, iriam ao rio sombrio, navegar com Caronte, guiando seu barco rumo a Cérbero, os poetas na lava seriam devorados pelo fogo, o magma em Pompeia daria o destino final a estes ditirambos que nasciam da lira de uma pantomima, de um gesto vulcânico mesmerizado, de um tear fulvo que semeava em seu fogo a grande vida deste magma que preenche o manto da Terra, a doce Terra Gaia, que junto com Cronos regurgitava, e seu magma era o poema final desta astúcia de poeta, deste mimo de artista que nos dá seus amuletos e talismãs, seus poemas feitos do fogo da paixão e da firmeza da vontade, os poetas de Pompeia morriam tocando a lira, se afogando na lava do magma do Vesúvio que entrava em erupção.
Marca desta terra em seu vulcão, o magma deste poema todo que é fogo e que é a loucura da Terra em sua essência, eu me vesti com meu manto diante da grandiosidade do Vesúvio, meu sonho de Pompeia em que ouvia Echoes de Pink Floyd na viagem de meu ácido poético, o magma tocando música, e os poetas de Pompeia, que agora eram estátuas de cinzas paralisadas por uma Medusa de lava, o magma e seu poder sobre o tempo destes corpos, um instante, o momento em que o Vesúvio tomou Pompeia e seus poetas e deu ao fogo seu poder e sua razão.

Gustavo Bastos – 30/06/2020

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