PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 7 de novembro de 2010

SOBRE A ILUSÃO DE SER COERENTE

Ser coerente é uma ilusão, as pessoas mudam o tempo todo, as opiniões são mutáveis e eu acho isso ótimo.” (Gustavo Bastos)



A ilusão de ser coerente se baseia numa premissa falsa de que isso é um tipo de dever cívico ou ético ou até teórico, isto é, no sentido teórico ou intelectual ela é demandada como uma forma de respeito à lógica, e isso nasce com o famigerado princípio da não-contradição, mas uma coisa são as teorias, conceitos e explicações do mundo racional e lógico do conhecimento e do intelecto, e outra coisa completamente diferente é a vida concreta que, quando se é analisada na sua crueza, tem um bocado de contradições, ou seja, a vida concreta é incoerente, sem lógica e perigosa.

A vida tomada concretamente, ou seja, para além da ideia que se faça dela, é uma fonte de opiniões conflitantes entre o que é certo ou errado, bom ou ruim, a moral cobra coerência na vida, mas isto é o grande engano e abismo da moral, a coerência como cumprimento do dever ou obrigações morais é uma coisa bem kantiana, por sinal, a moral liberal, de um lado, e a moral cristã, de outro, ambas pecam pela demanda de coerência, pois a coerência, no sentido estrito da moral ou no sentido lato da vida como um todo, cobra de nós uma constância no humor que é inexistente, se não formos coerentes somos confundidos logo como hipócritas, mas o problema é real, o ser humano vive da incoerência, e isso nasce da característica sumamente mutável das opiniões.

A grande vantagem da opinião em relação ao conhecimento, ou da doxa com a episteme, se preferir, é que a opinião é muito mais maleável, enquanto que o conhecimento, com sua lógica e razão, é rígido e feito para não ser questionado. Quando isso ocorre de modo contundente, poderemos estar presenciando uma revolução no sentido dado de conflito de paradigmas na ciência de que fala Thomas Kuhn, mas isto é que é crucial, isto é, a opinião muda o tempo todo e o conhecimento precisa de um questionamento revolucionário de base para mudar, portanto, nem sempre o conhecimento é melhor do que a simples opinião, exatamente pelo fato da opinião encarar a coerência de outro modo do que o modo lógico do intelecto que cobra exatidão para não ser contraditório.

A opinião muda, portanto, tem uma relação com a coerência apenas no sentido de ser uma dada opinião coerente consigo mesma até que ela mude. Quando muda, isto não pode ser tomado como fraqueza de pensamento ou como hipocrisia, mas como a virtude da mudança de opinião, que pode, muitas vezes, ser absolutamente radical, e parecer, para quem a vê de fora, como pura incoerência ou como sinal de hipocrisia, isto é, dizer que uma coisa é certa e no outro dia dizer que esta coisa está errada e ser confundido nesta hora com um hipócrita.

Deste modo, quando se cobra coerência de alguém, isto se deve à crença numa opinião, e isto não impede de tal opinião poder mudar a qualquer instante, o juízo individual é uma dádiva que devemos encarar como uma virtude humana, e tal virtude está de mãos dadas com a mudança e não com a coerência rígida que se espanta com qualquer revolução de pensamento, e isto vale tanto para a mudança de opinião como para uma revolução de paradigmas no conhecimento como um todo. Ser incoerente é sinal de vida, e só mudamos de verdade se for para melhor.



07/11/2010 Gustavo Bastos

Um comentário:

  1. Excelente texto. Aliás, hoje estou primando mais pelo Razoável do que pelo Racional. O Racional se pauta pela Verdade Fundamental, enquanto o Razoável se pauta pela Verdade que se apresenta acessível para nosso nível de compreensão. Por isto gosto mais de Chaïm Perelman do que de Habermas e/ou outros kantianos. Abraços
    Eugênio Christi
    http://eugeniochristi.blogspot.com/

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