PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A VIDA CONTADA EM SOBRESSALTOS


   Quando acordei, toda a vida tinha mudado, neste ódio de mutilação dorme o canto do cisne, a morte é um palco, a ressurreição é um grito. Donde se tem decrépitos que urram suas dores, ó mundo, qual a tua dor? Tenho em mim mil rugidos defronte ao meu karma, tenho nesta vida o sobressalto que corrói minhas entranhas, fumaça e gozo espiritual, carne e vida desregrada! Quantas mulheres me rechaçaram por eu ser louco? Quantos dias eu perdi em minha loucura? Não faz mal, o vinho da eternidade é inefável, saudade é uma palavra morta, não faz sentido viver incompleto.
   Desde o funeral de meus antepassados, não vi o sepulcro que nas vísceras do poema eu lutei, eu lutei por enxofre, guerra e liquidação da existência, frio e caos de fulgores. Sou intempestivo, a memória que em mim habita lembra de coisas que não posso narrar, sou joguete de tais imagens, sons pululam como música celestial, a paz invade o meu recinto, eu sinto a paisagem delirar dentro de minha alma, minha alma é o caos, as estrelas são contadas, o inferno é lembrado e citado à exaustão, o devir me chama às responsabilidades da vida, e eu sei que eu poderia ter sido morto antes de sair da juventude, mas aqui estou com o sentimento expandido do embate, todas as tentativas de enxovalho foram inócuas, eu tenho a minha paisagem, eu tenho o meu refúgio, as palavras se insinuam, neste hora não há relógio, o tempo fica suspenso, o tempo impassível da vida se perde neste mar que é a poesia, é o dia dos viventes, é o cerne da questão, decifrar a correnteza que te leva além é o trabalho a fazer, trocar de roupa e ir em frente, o corpo, matéria densa, é o brio, é a paixão, todo o fogo do desejo acorda em mim!
   Não sou deste reles mundo de hipocrisia, a vida não se limita à sua dureza, a vida não é um martírio para quem sabe dela tirar a seiva, tal fonte eterna é o trágico, o teatro do sangue é a visão do futuro, todas suas canções são canções do futuro, para quem bebe o absinto isto é a vida, o veneno que circunda meus atos não me tomaram ainda a cara embriagada, a razão do estupor é o sinal da tempestade, o sinal que todos ouvem na hora da partida, a viagem astral se faz indócil, uma nuvem de prazer brilha no sol da mente, a alma poética se afunda neste grande oceano de mistérios, o amor canta na madrugada encantada, o dia amanhece de novo e já estamos refeitos das chagas da morte, o imortal está perto de Deus, o universo se espalha pela filosofia, a cosmologia da poesia é uma estrela dadivosa, a noite é amiga dos sonhos, e os dias se vão como pequenos episódios de uma saga ao infinito.
   A peste segrega sonhos, mas os poetas, sim, os poetas, os verdadeiros poetas, não meros versificadores, morrem de paixão e embriaguez, tudo pelo sonho, tudo pela vida vivida no máximo da expressão, a estética que lhes domina vem do sangue e da paixão, a cura da poesia é o seu pathos de ritmo, orgia e possessão, a guerra travada a cada dia os fazem fortes, os delírios e sofrimentos alimentam mais ainda o sonho que navega, o poeta navegante conhece todos os mares e ventos de que se faz a poesia, o rumo que se lhes dá na veneta é vencer a miséria de ser sempre o mesmo, metamorfoses são a fonte de que se faz a viagem da canção, os poetas são grandes sonhos numa noite de verão, a ilusão é a poção extasiante que lhes ferem o dorso e lhes fazem mais apaixonados, tudo o que lhes toca é o céu e o inferno na terra vivida em carne e espírito, uma vez vivos, não desistem de vencer.

16/09/2011 Delírios
(Gustavo Bastos)


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