PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 15 de novembro de 2020

AS MESAS GIRANTES

Jeannie Martal e Béatrice Gounod estavam em Paris, em 1853, e já se divertiam e estudavam há dois anos na cidade. Vindas de Marselha, elas conheciam um dono de bar e de um salão de festas, de nome Gérard Poquelin, um tipo de fanfarrão que dizia ser descendente familiar do comediógrafo Moliére.

Gérard tinha contato com um grupo místico de nome Nova Luz, e o líder do grupo era um tipo de ocultista meio arrogante e cheio de histórias de charlatanismo e problemas com a polícia de nome Jean-Baptiste Pappin, e que tinha a sua esposa, um tipo de metida a feiticeira de nome Louise Pappin.

Dentro deste grupo ainda tinha mais três pessoas que se destacavam, Alice Dumas, que se dizia médium, e Danna Sharon, também um tipo de médium, e a última, Anne Séraut, que era intitulada Papisa, pois dizia que tinha o dom da levitação quando entrava em seus transes mediúnicos.

Béatrice conversava muito com Gérard, que era vinte anos mais velho que ela e a tinha como um tipo de filha filosófica, e este lhe ensinava muita coisa sobre espiritualismo, sobre a Alquimia de Nicolas Flamel.

Gérard, ainda, misturava isto a uma miríade de mistificações e experiências que ele dizia ter tido em suas viagens à Índia, aonde dizia que presenciara fenômenos fantásticos de faquires levitando e encantamentos diversos de magia ancestral. Béatrice ficava fascinada e conversava depois com sua amiga de infância e companheira de estudos Jeannie.

O grupo Nova Luz, que tinha uma casa aonde se realizavam as reuniões espiritualistas, como dito, também frequentava o bar de Gérard, e já estava realizando estudos sobre fenômenos mediúnicos sobre o que estava sendo chamado em Paris de fenômeno das mesas girantes, que começou a tomar os salões da Europa desde 1849, até este ano de 1853, quando a prática se disseminava também em Paris, como um divertimento frívolo de adivinhação.

A Papisa, Anne Séraut, logo na semana seguinte à visita ao bar de Gérard pelo grupo Nova Luz, decide visitar um dos salões em que se faziam as experiências com as tais mesas girantes, e saiu radiante da noite em que teve conhecimento direto do que se passava, e queria aplicar aquilo nas reuniões do Nova Luz, uma vez que poderia conversar com Gérard, que já estava a par dos métodos e teorias que envolviam as tais mesas girantes, ele que era um ocultista autodidata, viajado e conhecedor dos segredos do Oriente.

Gérard, então, consultou a Papisa, depois de mais uma estadia desta em uma sessão de mesas girantes, para fazer a primeira experiência em seu salão de festas, e para isto poderia convocar a médium do Nova Luz, Danna Sharon, que invocaria os espíritos batedores e de ruídos para começar a produzir o fenômeno. Os três fariam testes prévios antes, e convocar a primeira sessão oficial. Danna Sharon dizia que tinha uma entidade que lhe acompanhava que saberia manipular os tais espíritos batedores e de ruídos.

Alice Dumas ficou sabendo do teste e consultou seu tabuleiro de ouija, e segundo a sua leitura, as sessões que se passariam no salão de Gérard seriam pioneiras para uma nova doutrina que estaria por vir, e que a Papisa ficaria rica ao prever situações com as decifrações feitas com as mesas girantes.

Alice só seria convocada como líder de uma sessão, a primeira oficial, depois desta verificação que a Papisa pretendia fazer com os poderes mediúnicos de Danna Sharon, que era uma médium muito forte e intensa, pois, embora a Papisa dissesse que levitava, era Danna Sharon que tinha o dom de transfiguração e de transporte de objetos, fazendo psicometria como uma arqueóloga psíquica. Danna gostava, também, de mostrar a sua coleção de talismãs mágicos, que ela dizia que materializava, e que tinham origem em tribos antigas e extintas.

Neste teste, em que a Papisa orientaria os trabalhos, enquanto Danna Sharon se concentraria para conversar com a sua entidade de guarda para poder fazer a invocação dos espíritos batedores e de ruídos, Gérard leria um tipo de livro sagrado, que nunca havia sido vendido comercialmente, que ele dizia que era uma das poucas cópias que existia, de um bruxo que ele conhecera na Bretanha, um tipo de mago celta que herdara alguns conhecimentos xamânicos dos druidas, o livro estava num tipo de inglês antiquado, uma tradução fajuta feita por um charlatão, na verdade, e que Gérard gostava de mistificar para se fazer de grande mago.

Danna Sharon chegou, então, na noite marcada, já às dez da noite, ao salão de festas de Gérard, ele fez uma preparação do ambiente com defumadores e colocou a iluminação de infra-vermelho, com lampiões cobertos por celofane translúcido em vermelho escuro, para gerar esta iluminação de infra-vermelho, próprio à invocação e à comunicação espiritual, o que Danna faria primeiro com seu guia.

Foram colocadas, também, no meio do salão, três mesas de pequenas para médias, em formato redondo, circular, em formação parelha, as cadeiras estavam em volta, as paredes não tinham proteção acústica, os barulhos da rua entravam eventualmente, mas o local era grande, com as janelas ficando fechadas para evitar o barulho do vento e das vozes que haviam num bar que ficava ali perto, concorrente de Gérard, embora fosse de uma família que ele conhecia de infância, num tipo de concorrência saudável por clientes.

Papisa, então, chegou meia hora depois, ela então fez as orações, citou uns mantras xamânicos, e Gérard se empolgou e pegou sua tradução falsa de um livro druida, o tal livro do bruxo da Bretanha, e entoou uns cânticos que tinha na tal tradução fajuta.

Danna Sharon se concentrou e entrou em transe depois de dez minutos, Gérard cobriu a cabeça de Danna com um lençol branco, Papisa aumentou o volume de sua voz em nova sessão de orações e mantras, Gérard então leu para a tal entidade guia de Danna dois pequenos textos do bruxo da Bretanha, Danna disse que a entidade pedia silêncio, que as citações do livro não lhe importavam, Gérard finalmente se calou.

Danna Sharon, então, travou um diálogo com seu guia em voz baixíssima, quase sussurrada, e disse para a Papisa fazer a oração de abertura dos trabalhos, logo em seguida, no meio do transe mediúnico de Danna, ouvem-se batidas secas sobre uma das mesas, palmas batem nas paredes em meio ao infra-vermelho do enorme salão de festas.

Danna prepara, então, com o lençol na cabeça, uma infusão, ela derrama o líquido sobre a mesa em que se ouvira as batidas secas, começam os ruídos na madeira das mesas e das cadeiras, dura três minutos seguidos, depois vem mais uma oração de Papisa, e se segue um enorme silêncio naquele profundo infra-vermelho que dura mais três minutos intermináveis, até que Gérard desata novamente a sua ladainha com o tal livro pseudo-celta.

Logo após a saída de Danna Sharon, Papisa encerra as suas orações, as duas vão embora, e Gérard recolhe do salão de festas umas espécies de bobinas, fios e martelos, tinha ainda, em uma das paredes, mecanismos de fricção e no teto algumas roldanas que se ocultavam sobre o gesso espesso que cobria todo o teto do grande salão de festas, ele também tinha uma coleção de relíquias sobrenaturais forjadas que ele pegava de um charlatão que vendia aquelas mistificações para crédulos de toda espécie.

Béatrice e Jeannie, no dia seguinte, foram conversar com Gérard, que lhes disse que ali no seu salão começariam as sessões das mesas girantes, logo após a saída de Jeannie, ele diz sobre seus truques com Béatrice, e esta logo se empolga ao saber que médiuns sugestionados seriam manipulados na própria rede, ela adorou a ideia e disse que seria a assistente de Gérard naqueles espetáculos forjados de mágica para incautos.

Gérard, antes da primeira sessão oficial das mesas girantes em seu salão de festas, em que haveria cinco convidados da sociedade parisiense, incluindo um colunista frívolo que divulgaria o fenômeno nas edições de jornal em que trabalhava, vai à casa dos líderes do Nova Luz, o casal Pappin, e trava uma conversa longa com Jean-Baptiste e Louise, em que bebem muito vinho e comem croissants, e ficam de acordo que Gérard seria remunerado pelas sessões feitas pelo Nova Luz em seu salão de festas, e os Pappin atenderam o pedido de Gérard de levar Béatrice como assistente na organização destes trabalhos, pois esta era a pupila de confiança plena de Gérard.

Ficou marcado para um sábado de noite, a partir das sete, a primeira sessão de mesas girantes no salão de festas do bar de Gérard. A família do outro bar em frente, particularmente, o velho patriarca, Brennan, ficou curioso com toda aquela movimentação, perguntou a Gérard o que estava acontecendo e pediu que ele e sua esposa, Marianne, participassem como espectadores de tal sessão, Gérard então pediu a dois funcionários seus que terminassem de arrumar tudo, pois haveria mais dois convidados, além do colunista frívolo e dos membros da sociedade parisiense.

Durante a tarde, antes da noite marcada para a sessão, Gérard encontra Jeannie e Béatrice, eles conversam divertidamente numa padaria em uma mesa cheia de pães, doces e sucos, e riem de tudo, é quando Jeannie também fica sabendo dos truques que seriam praticados por Gérard, com a colaboração de Béatrice, na tal sessão espiritual de mesas girantes, Jeannie pede que numa segunda sessão pudesse participar fingindo ser uma médium, Gérard adora a ideia e treinaria os trejeitos de Jeannie para montar mais uma farsa espiritual.

Chega sete da noite, e o casal Pappin é o primeiro a chegar, eles são recebidos pelos dois funcionários de Gérard, este que sai do salão de festas e vai à recepção, junto com Béatrice, e estes fazem os elogios ao grupo Nova Luz, tecendo loas às médiuns Danna e Papisa, no que Jean-Baptiste, embora fosse um charlatão, ainda tinha para si de que seu grupo tinha verdadeiras médiuns que tinham dons especiais.

Jean-Baptiste, embora tenha cometido vários crimes de falsificações, charlatanismo e estelionato, era um entusiasta das mesas girantes e acreditava que tais fenômenos eram verdadeiros, e estas sessões no bar de Gérard lhe serviriam para atestar esta realidade espiritual e para ele documentar, no que, ele informa a Gérard, seria seu livro, um misto de autobiografia e tratado espiritualista moderno.

Às oito da noite, chegam Alice Dumas, Danna Sharon e a Papisa, às nove, os convidados, incluindo o colunista frívolo que queria enfileirar uma série sobre o sobrenatural em seus trabalhos de jornalista, seu nome é Alfred Bossuet, e ele era conhecido na sociedade parisiense como um tipo de polemista e piadista, os convidados que vieram com ele o conheciam muito bem e forneciam informações para a sua coluna de futilidades sociais de uma elite preguiçosa, frívola e acomodada.

Gérard, então, coloca seus dois funcionários para servir comidas e bebidas, não haveria álcool, pois as sessões espirituais não poderiam ter consumo de bebidas alcoólicas, naquele dia, para os participantes da sessão de mesas girantes.

Nesta janta, a Papisa já começa a ter seus tiques de vidente e fazer previsões sobre o futuro de Alfred Bossuet e sobre um dos convidados da sociedade parisiense, Béatrice olha aquilo tudo e passa a ter certeza de que se divertiria horrores com aquela credulidade irrefletida da maioria dos que ali estavam, tirando Bossuet, que também parecia se divertir e estar em meio a um número de comédia involuntária.

Bossuet tira seu caderninho clássico, um estilo que todos conheciam, pois ele era um tipo de colunista e repórter, quase uma espécie de testemunha ocular que documentava tudo o que via, e fazia isto o tempo todo, era o tipo de jornalista que sempre tinha um caderninho e canetas à mão, ele tinha uma coleção infinita de anotações, que organizava em ordem cronológica, e depois selecionava o que ele iria publicar.

Alfred Bossuet, já dez da noite, conversa animadamente com um milionário empreendedor de Paris, que ali estava, e nos últimos meses participara de várias sessões de mesas girantes em Paris, e sendo um dos maiores entusiastas do fenômeno, que, para ele, apontava para um futuro em que todos conheceriam a fundo a realidade espiritual, seu nome é Carl Morreau.

A atividade deste empresário ia do comércio até construções de residências e estabelecimentos, ele também usava seu dinheiro em filantropia e agora tentava investir em pesquisa espiritualista, pensando no grupo Nova Luz como uma experimentação promissora.

Jean-Baptiste, que sempre foi um mestre em enrolar gente endinheirada, prometia para o tal Morreau uma fonte inesgotável de fenômenos fantásticos, e que aquela história no salão de festas de Gérard era só o começo de uma grande jornada pelo mundo espiritual, da prova da existência da imortalidade da alma e da eternidade divina.

Jean-Baptiste, que, quando não podia contar com as suas médiuns de estimação, preparava ambientes de adivinhação para massagear o ego dos consulentes, que saíam acreditando em suas fortunas imaginárias, depois de Jean-Baptiste embolsar com a sua esposa, que se fazia de vidente.

O trabalho de Louise era dizer o que o consulente queria ouvir, e tudo funcionava por um tipo de poder precário de sugestão baseado numa linguagem retórica de persuasão de incautos desesperados. Ao passo que o trabalho com as três médiuns era objeto de uma credulidade pia por parte de Jean-Baptiste, que tinha certeza dos poderes mediúnicos daquelas moças intuitivas.

Dez e meia da noite, chegam Brennan e Marianne, que tinham acabado de encerrar o expediente no bar da frente, e Gérard conversa rapidamente com os dois, já orientando seus dois funcionários para terminar a organização do salão de festas e fazer a preparação com os defumadores, e fazendo com que estes, ao fim, preparassem o infra-vermelho da cobertura de celofane dos lampiões, para que os espíritos não se perturbassem com a claridade ou iluminações de coloração branca.

Desta vez, Gérard tinha mandado preparar todo um isolamento acústico, e os mecanismos ocultos para fazer os números mediúnicos, de conhecimento dos funcionários, tinha sido arrumado pelo próprio Gérard, junto com Béatrice, que estava aprendendo todas as manhas de Gérard com muita atenção, pois estava doida para fazer mistificações com médiuns sugestionados. E Gérard era um exímio conhecedor e manipulador de roldanas, pesos, mecanismos de fricção, dentre vários apetrechos de ilusionismo que aprendera com um físico mecanicista e mágico, na sua infância.

Chega a meia-noite, e as três mesas redondas estavam no meio do salão de festas, de forma parelha, com cadeiras em volta, e as médiuns tomam o centro da cena, e começam as orações da Papisa. Danna Sharon medita profundamente tentando forçar ou simular um estado de transe, Alice Dumas começa a falar em línguas estranhas, meio como se fosse uma crente também numa espécie de transe atávico e imaginário, Béatrice olha tudo com uma atenção sinistra, e no meio disso temos Gérard mandando piscadelas para a sua pupila.

Alice Dumas, finalmente, para de falar em línguas, e agora entra num tipo de transe mediúnico, em que entra em comunicação telepática com seu guia da Antiguidade, um egípcio que tivera sido um sacerdote no Templo de Karnak, e que falava com ela por imagens mentais.

Papisa diz, logo, que estava vendo o tal guia de Alice, e ele brilhava numa brancura diáfana e celeste, era um espírito muito evoluído, e que já tinha superado o ciclo das reencarnações. Papisa diz que a entidade estava ao lado de Alice fazendo a preparação para a levitação das mesas pelos espíritos batedores e de ruídos.

Gérard encosta, então, em uma das paredes do salão de festas, dali ele poderia manipular todos os seus mecanismos de fricção, roldanas para levantar pesos, e demais geringonças para usar de ilusionismo mecânico para fascinar tanto os convidados do encontro, como as próprias médiuns, que teriam a certeza de possuir poderes sobrenaturais, quando, na verdade, era uma trapaça de Gérard para um tipo de divertimento sinistro, que depois ele relataria para o colunista frívolo, este Alfred Bossuet, que adorava histórias bizarras e de vexame.

Gérard, então, observa os trejeitos das três médiuns, deixa a coisa correr solta, um show de transes e gestos estilizados, com estereotipias que se repetiam ad nauseam. Ele, então, aciona os ruídos, no que Alice Dumas logo se empolga e diz estar sentindo as vibrações pelas paredes.

Alice Dumas diz que seu guia egípcio estava colocando cinco espíritos de ruído pelas paredes, enquanto as máquinas de fricção de Gérard giravam e faziam seus barulhos bizarros, deixando Alice Dumas fascinada com seu suposto poder mediúnico, tendo uma certeza bizarra de estar manipulando entidades que faziam aqueles ruídos de forma aleatória e depois ritmada, num tipo de diversão maldosa de Gérard, que dava piscadelas para Béatrice, que tinha um tipo de sorriso sutil no rosto.

Como combinado, Béatrice segue, sutilmente, para a parede oposta em que estava Gérard, e puxa uns tipos de cordas transparentes, e uma das mesas levanta um dos pés, sobe e desce, batendo com um dos pés, Papisa diz que era um espírito de levitação. Começam umas batidas na mesa do meio. Na verdade, Gérard já tinha orientado e ensinado Béatrice a acionar as cordas transparentes por meio de ligações diretas com inúmeras roldanas que ficavam ocultas no teto, um festival newtoniano a serviço do ilusionismo espiritual.

Gérard, então, aciona uma roldana principal que suspende, de súbito, as três mesas simultaneamente, as mesas sobem muito, um metro e meio, e uma das mesas flutua pelo salão de festas, faz um tipo de passeio, Danna Sharon diz que seu guia estava comandando os tais espíritos que conduziam as mesas.

Logo, começam as tentativas de comunicação espiritual, com perguntas de sim e não, uma batida era sim, e duas era não, perguntas sobre a existência além-túmulo são feitas aos borbotões, tanto pelas médiuns, como por Jean-Baptiste e os convidados, e todas as respostas são afirmativas, e atendiam positivamente às expectativas sobrenaturais dos que estavam no salão.

Gérard se divertia com o viés de confirmação, e parecia um títere que brincava com seus fantoches embriagados. Béatrice se divertia mais ainda, ao fazer batidas com os próprios pés, também simulando ruídos com a boca num tipo de ventriloquismo, e os convidados estavam cada vez mais convictos das intervenções espirituais dentro do salão de festas.

Alfred Bossuet anota coisas freneticamente em um bloquinho verde, Carl Morreau, por seu turno, está fascinado com as mesas que flutuavam e diz para si mesmo que a realidade espiritual era incontestável.

Danna Sharon faz orações, e a Papisa simula mais um transe, diz coisas para as mesas girantes, e se dirige ao guia de Alice Dumas, este responde telepaticamente algo, ela fala sobre isso, mas não diz para os convidados o que é, pois envolveria uma tragédia com uma das pessoas que se encontrava dentro daquele salão de festas.

Béatrice, meio maldosamente, faz a mesa responder afirmativamente a todas as especulações desvairadas de Alice Dumas, que testava obsessivamente a mesa do meio com perguntas de metafísica mais elevada que um neoplatônico que atingiu o satori e saiu voando.

Gérard observa tudo em silêncio, tinha uma experiência bizarra com roldanas e mecânica, olhava tudo com calma e ironia. Carl Morreau estava celebrando o mundo espiritual, e disse que seria o benfeitor do Nova Luz. Alfred Bossuet percebe os olhares cifrados entre Gérard e Béatrice, e parece já estar entendendo tudo.

Mais movimentos estereotipados de Danna Sharon e Papisa, Alice Dumas conversa novamente telepaticamente com o seu guia, Gérard aciona as roldanas, os convidados da sociedade parisiense estavam eufóricos, Carl Morreau se volta para Jean-Baptiste radiante de felicidade, pois agora Morreau havia confirmado a existência da eternidade e da imortalidade.

Gérard faz as batidas, aciona a fricção, batidas e ruídos se alternam, as três mesas giram e flutuam pelo salão de festas, Béatrice olha para Alfred Bossuet e vê que ele faz um esgar irônico, sabia que aquele colunista frívolo não era bobo, e já maquinava sortilégios em seu bloquinho verde.

Finalmente, já às três da manhã, se encerra a sessão das mesas girantes, Gérard tira então a cobertura de celofane vermelho dos lampiões, e o salão de festas se ilumina, todas as roldanas e cordas transparentes já estavam devidamente ocultadas, Béatrice vai ao centro do salão e confere as mesas e as cadeiras, e afirma que ali tudo estava intacto, apesar da influência que tinha acontecido de espíritos batedores, levitadores e de ruídos.

As três médiuns saem da sessão mais vaidosas de seus poderes sobrenaturais, Jean-Baptiste estava satisfeito, pois agora tinha Morreau como seu benfeitor, enquanto Alfred Bossuet se coloca num canto e espera todos irem embora para conversar com Gérard e Béatrice.

Já quatro da manhã, estavam apenas Gérard, Béatrice e Alfred Bossuet no bar de Gérard, eles abrem um vinho, e Gérard decide mostrar os mecanismos que utilizara, com a ajuda de Béatrice, para Bossuet, que anota tudo em seu caderninho, e eles combinam de que sairia uma coluna revelando os segredos e colocando o grupo Nova Luz para cair no ridículo.

Gérard disse que seria feita mais uma reunião de mesas girantes, que ele marcaria com o Nova Luz, desta vez com uma outra pupila sua, Jeannie, que iria como uma médium fajuta para iludir as três patetas do grupo Nova Luz.

Gérard combina, então, que Alfred Bossuet registrasse tudo em seu caderninho, para quando saísse a matéria, colocasse estes mistificadores numa situação constrangedora. Após esta segunda sessão, Gérard combina com Alfred Bossuet que a matéria sairia, na semana seguinte à sessão, dizendo as estultícias de que o colunista frívolo fora testemunha, com a revelação do segredo por Gérard, o ilusionista.

Gérard passa uma das publicações fajutas que colecionava para Jeannie ler tudo antes da próxima sessão, um grimório misturado a teorias ocultistas que mistura tudo numa miscelânea de ecletismo filosófico que não resulta em nada, mas que estava recheado de teses estapafúrdias sobre sexto sentido, e tinha explicações para tudo o tempo todo. Jeannie lê tudo em três dias, e assimila alguns truques que aplicaria na tal segunda sessão das mesas girantes no salão de festas do bar de Gérard.

Jeannie se junta a Béatrice para fazer uma visita ao Nova Luz, que na verdade era uma incerta de Jeannie para analisar a personalidade de Danna, Alice e a Papisa, era um modo de Jeannie sugestionar as médiuns durante a próxima sessão das mesas girantes.

Jeannie, que já tinha conversado longamente com Gérard sobre tudo aquilo, como dito, já sabia dos esquemas dele e de Béatrice para se divertirem com os patetas do Nova Luz. Para Gérard, sua ideia era esperar a primeira parcela de Morreau para Jean-Baptiste, ele que considerava a inteligência de Morreau para os negócios inversamente proporcional à sua falta de astúcia em assuntos espirituais.

Duas semanas após a primeira sessão das mesas girantes, Morreau fornece um cheque absurdamente polpudo para a casa Nova Luz. Jean-Baptiste, sorrateiramente, coloca tudo em sua conta bancária pessoal, e no fim-de-semana seguinte, viaja com Louise para temporadas na Itália, bebendo vinho e comendo massas.

Morreau continuava achando tudo incrível, um tipo de entusiasta do futuro da humanidade, de um planeta de regeneração, ele acreditava que surgiria uma nova era espiritual, e que Jean-Baptiste era um tipo de guru daquelas médiuns poderosas, capazes de manipular espíritos para levitarem mesas, uma nova física estava para ser desbravada, oculta ainda ao conhecimento natural científico conquistado até ali.

Jeannie se encontra novamente com Gérard, e lhe diz que já poderia ser marcada a próxima sessão das mesas girantes. Jeannie tinha feito intimidade com Danna, e já sabia de todos os tiques de pensamento de Alice Dumas e da Papisa, esta última, para ela, a mais previsível.

Gérard diz que sabia bem como trabalhar com a vaidade das três médiuns, e que isto tinha funcionado maravilhosamente na primeira sessão das mesas girantes no salão de festas de seu bar. Contudo, na segunda sessão isto seria testado, mas no sentido oposto, ferindo esta vaidade das médiuns em seu âmago.

Béatrice tinha lido alguns volumes sobre mágica, e estava com um sarcasmo perverso cada vez mais desenvolvido, para o deleite de Gérard, que sabia ter encontrado duas moças com inteligência acima da média, Jeannie e Béatrice, para fazer truques de prestidigitação com incautos e vaidosos de toda espécie.

Depois do retorno de Jean-Baptiste e Louise da Itália, Gérard entra em contato com Jean-Baptiste, e diz que o Nova Luz já poderia marcar a segunda sessão das mesas girantes no salão de festas de seu bar, e pede a gentileza de trazer a médium Sacerdotisa.

Gérard diz a Jean-Baptiste que a médium Sacerdotisa era muito poderosa, e que faria um trabalho primoroso de levitação de mesas, do qual afiançou ter sido testemunha há poucos dias, em que conhecera a jovem moça de dons especiais e inteligência sutil. Jean-Baptiste aquiesceu, e tudo foi combinado. Dali a cinco dias, no sábado de noite, seria realizada a segunda sessão das mesas girantes sob o comando de Gérard, o anfitrião.

Gérard tem um encontro com Alfred Bossuet na quinta-feira, antevéspera da sessão, e também chama Jeannie e Béatrice, lá eles bebem e combinam o que cada um iria fazer na nova sessão de mesas girantes com os patetas do Nova Luz.

Gérard falaria com Morreau no dia seguinte, sexta, para iludir mais ainda o ensandecido empresário, que já pagara uma viagem para Jean-Baptiste sem saber, pois Louise se esbaldou em Milão e Florença.

Gérard sabia que faria o feitiço virar contra o feiticeiro, pois toda a cena de roldanas seria revelada ridiculamente pelo colunista frívolo Alfred Bossuet em uma matéria sensacionalista e humorística, e a imagem de Jean-Baptiste ficaria marcada por sua associação com malucas que pensam flutuar mesas.

Chega o sábado, e Jeannie já estava vestida com a personagem afetada Sacerdotisa, que seria a médium mais poderosa da sessão, para ferir a vaidade e causar inveja nas três malucas do Nova Luz.

Jeannie era tão perversa quanto Béatrice, e o mestre Gérard sabia estar com duas pepitas para montar a cena perfeita para fazer as incursões do Nova Luz pelo mundo espiritual cair no ridículo, e o metido a esperto do Jean-Baptiste provar do próprio veneno, ser feito de trouxa.

Gérard queria fazer isto para também ver a ira de Morreau, um tipo de ingênuo que só trabalhou a sua inteligência para fazer empreendimentos, mas esqueceu a astúcia em outras áreas num lugar desconhecido.

Chega sábado, tudo arrumado pelos dois funcionários de Gérard, este já tinha revisto toda a mecânica e as roldanas e máquinas de fricção, ele montara um sistema de roldanas mais potente para o espetáculo da Sacerdotisa, dera uma envergada e também uma lustrada em vários dispositivos, estava tudo pronto para subverter falsamente as leis de Newton usando estas próprias leis.

Gérard era um físico mecanicista perverso, queria se divertir às custas do Nova Luz, e fazer Jean-Baptiste sentir o que é ser feito de trouxa. Ele sabia que a mais inteligente daquele salão seria, infalivelmente, Béatrice, e esta tinha um tipo de irmã de vida, Jeannie, que era mais teatral, e ficara a cargo da personagem estrambótica da médium Sacerdotisa.

Sete da noite, e chega primeiro Morreau, empolgado com mais uma observação que faria da alma imortal, de sua fé cada vez mais irrefletida numa realidade que poderia ser desvendada com facilidade pelos dons mediúnicos, pois Morreau realmente achava que a natureza oferecia esta possibilidade com a faculdade mediúnica, e que o grupo Nova Luz era um belo investimento, pois produziria um novo conhecimento e uma nova filosofia.

Morreau só não sabia do histórico de charlatanices de Jean-Baptiste, seu novo ídolo espiritual. E Gérard, primeiro, alimentou as ilusões de Morreau sobre Jean-Baptiste, para que maior fosse a sua ira, assim que saísse a matéria de Alfred Bossuet sobre o teatro de marionetes montado por Gérard, pois já estava combinado de que a matéria também revelaria os podres do casal Louise e Jean-Baptiste, que Gérard já sabia e já tinha provas materiais, incluindo a viagem à Itália às custas da benfeitoria de Morreau.

Na entrada do bar, oito da noite, estão Gérard, Alfred Bossuet, Béatrice e a paramentada Sacerdotisa, que era Jeannie, fazendo seus movimentos estereotipados de vidente e dona de dons sobrenaturais, um espetáculo que deixou Morreau fascinado e curioso para ver o que esta médium era capaz de fazer em estado de transe.

Morreau também se empolgara ao saber que o jornalista Alfred Bossuet faria uma matéria sobre o fenômeno das mesas girantes, sem saber que a tal matéria seria de escárnio e ironia, e que Alfred Bossuet era um tipo de colunista frívolo, que vivia atrás de polêmica e confusão. Gérard sabia que daria uma lição em Jean-Baptiste e daria um ensinamento importante para Morreau.

Os convidados chegam às dez da noite, meia hora depois, Jean-Baptiste, Louise e as três médiuns, Danna Sharon, de branco com um tipo de túnica, e as outras duas, Papisa, como um tipo de vestal, e Alice Dumas, num traje que lembrava uma grega de Atenas, todas com a afetação típica de quem pensava saber mais do que sabe, além de considerar suposições como um conteúdo do próprio saber.

Gérard apresenta a Sacerdotisa para as três médiuns, e diz que esta que comandaria a sessão das mesas girantes, no que estas médiuns, presumidas e gabolas, logo ficaram assustadas, pois perderiam o estrelismo daquela noite. Gérard fala com Béatrice ao pede ouvido, e esta se dirige ao salão de festas, arruma uns mecanismos, dá uma revisada em tudo, pois já sabia de tudo o que Gérard sabia acerca daquilo tudo, ela aprendera muito rápido as manhas e as técnicas de seu mestre existencial.

Onze da noite chegam todos os convidados, desta vez Alfred Bossuet vira uma espécie de guia da sociedade parisiense ali presente, e faz o número do repórter espiritualista empolgado com mais uma sessão de mesas levantadas por espíritos, ele era o responsável por divulgar aquele fenômeno na imprensa, e Gérard se coloca como um tipo de anfitrião que faz também o mesmo número de espiritualista empolgado, juntando-se a este teatro a presença maldosa e inteligente de Béatrice.

Quando começa a meia-noite, a Sacerdotisa, que era Jeannie disfarçada, começa a fazer um número de concentração e meditação, logo Béatrice aciona o novo mecanismo de roldanas e as mesas levitam de maneira fantástica, provocando a inveja das três médiuns do Nova Luz, e deixando Jean-Baptiste ávido por ter aquela médium poderosa em seu grupo espiritualista, enquanto Gérard e Béatrice trocam piscadelas manhosas.

A Sacerdotisa então chama as três médiuns para demonstrarem seus poderes, então Beátrice, de propósito, faz com que Danna Sharon se concentre para levitar uma das mesas e nisso a mesa apenas se arrasta sem flutuar, a Papisa interfere e a mesa levanta um dos pés sem levitar, ao fim, Alice Dumas simula um transe mediúnico e desta vez a mesa levita, mas logo volta ao chão, ao passo que a Sacerdotisa entra novamente em cena, e Béatrice aciona as roldanas de modo violento, fazendo com que as tais mesas levitem quase até o teto, fazendo inveja novamente nas tolas médiuns do Nova Luz, pois as patetas acharam que a Sacerdotisa tinha poderes incríveis.

Alfred Bossuet fez inúmeras anotações em seu caderninho verde, Gérard sai de uma das paredes e fala ao pé do ouvido do colunista frívolo, a Sacerdotisa, neste momento, simula um transe mediúnico em que as mesas flutuam e andam pelo salão de festas, num ensaio que Jeannie e Béatrice tinham feito para humilhar as médiuns do Nova Luz.

Neste ínterim, temos Danna Sharon olhando para a Sacerdotisa com raiva, entra no meio do espetáculo mediúnico dela, mas Beátrice, de propósito, coloca as mesas no chão, por meio das roldanas, e todos os esforços mediúnicos de Danna Sharon são em vão, as mesas não saem do lugar, então, para piorar, a Sacerdotisa volta à cena e todas as mesas dançam pelo salão de festas, no que Danna Sharon olha para a Papisa desacreditada e desiste da competição de poderes mediúnicos.

Termina a segunda sessão de mesas girantes, que fora, na verdade, um predomínio da Sacerdotisa sobre a cena, com Jean-Baptiste indo até ela para convidá-la para o Nova Luz, no que ela declina e diz já fazer parte de um grupo filantrópico muito sério que ela não poderia abandonar, e então Morreau, impressionado, tenta convencer a Sacerdotisa a continuar a frequentar as próximas sessões de mesas girantes, ela pergunta a Gérard sobre mais sessões, e ele diz, ironicamente, que seria depois das publicações da coluna de Alfred Bossuet.

Todos saem da sessão às três da manhã, e na manhã seguinte, Gérard, Jeannie, Béatrice e o colunista frívolo Alfred Boussuet se reúnem numa padaria e comem pães, doces e bebem suco, se divertem, riem desbragadamente, tudo estava nos bloquinhos de Alfred Bossuet, o espetáculo de roldanas, que seria o título de sua matéria.

Depois desta manhã animada na padaria, portanto, pelo resto da semana, Alfred Bossuet organiza suas anotações e prepara a matéria, que é publicada na semana seguinte e é uma bomba humorística fazendo o grupo Nova Luz cair no ridículo.

Alfred Bossuet também revela os podres de Jean-Baptiste, provocando a ira de Morreau, que tenta invadir a casa de Jean-Baptiste, com dois guardas de sua confiança, para espancá-lo, Jean-Baptiste foge pelo lado de trás de sua casa, encontra depois Louise, e eles fogem com o que restava do dinheiro amealhado em seus golpes e também do que tinham do próprio Morreau e se mandam novamente para a Itália, desta vez por tempo indefinido.

O grupo Nova Luz, diante do escândalo e do ridículo, acaba sendo extinto, e as três médiuns passam a ser vistas pelos leitores de colunas frívolas com escárnio e personagens de peça cômica. Alfred Bossuet consegue obter sucesso com esta desconstrução de um espiritualismo irrefletido e poroso, e Morreau deixa de acreditar nas mesas girantes, revoltado com aquele espetáculo doentio de roldanas de Gérard que ele tinha descoberto no jornal.

Depois do escândalo e do escárnio com as matérias de Alfred Bossuet, um mês depois, Gérard está cuidando de seu bar, seu salão de festas agora teria espetáculos de ilusionismo mecânico, e ele contrata Béatrice para trabalhar com ele nestes espetáculos de ilusionismo para uma plateia parisiense que já sabia das farsas das mesas girantes, mesmo que muitos ainda acreditassem e praticassem estas sessões mediúnicas pela Europa.

Numa tarde, no entanto, Gérard estava em seu bar, na recepção, Béatrice estava perto das adegas, cuidando de alguns afazeres, é quando começam movimentos estranhos por todo o bar, inclusive no salão de festas, vários objetos começam a flutuar, mesas se arrastam, tudo começa a virar um caos, era um tipo de poltergeist, Béatrice está perto das adegas, e uma prateleira cheia de objetos de vidro e cortantes desaba sobre a sua cabeça, ela se corta seriamente na cabeça e no pescoço, Gérard tenta salvá-la, ela acaba morrendo em seus braços, depois de uns vinte minutos, ele fica desesperado, o poltergeist intenso enfim cessa, ele sai desesperado pelas ruas.

O trabalho de perícia conclui que Béatrice tinha sido agredida e assassinada, e todas as suspeitas recaem sobre Gérard, que acaba pegando uma pena de reclusão de três anos, seu bar é confiscado e fechado, Jeannie chora a morte de sua irmã de fé, e acaba acreditando na tese do assassinato de Béatrice.

Gérard diz a Jeannie, na cadeia, que tinha havido algo como um poltergeist em seu bar e que tinha sido tudo um acidente, Jeannie tanto não acredita, como se revolta com aquilo tudo, e decide voltar para Marselha, os shows de Gérard que estavam marcados são cancelados. Contudo, ainda teriam muitas sessões de mesas girantes por Paris naqueles anos.

Contos Psicodélicos – Volume II

Conto pronto em 15/11/2020

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

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