PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

SOBRE UM PESADELO

“nos meus oito ou nove anos de idade, eu tinha obsessão pelos diferentes nomes dados ao tinhoso”

Quando eu era criança, tinha pesadelos. Uma vez bem marcante, foi quando eu sonhei que tinha sido preso por matar o homem do cabelo branco do Jornal Nacional (depois me disseram seu nome: era o Cid Moreira).  E, no pesadelo, na cela em que eu estava preso, lá estava a figura de Freddy Krueger, com suas unhas de aço, me perseguindo naquele pesadelo. O filme se tornara realidade, eu estava no filme, igual ao filme, quando Freddy vem te pegar nos sonhos, no caso, um pesadelo.
Lembro que, na noite antes de dormir, ou nas noites anteriores, se não me engano, estava obcecado por uma figurinha que tinha o Diabo de um velho álbum do qual eu só tinha algumas figurinhas e não o álbum em si, de nome Impacto, que uma amiga minha tinha me passado. Lembro que, nos meus oito ou nove anos de idade, eu tinha obsessão pelos diferentes nomes dados ao tinhoso. Decorava todas as denominações com o signo Diabo possíveis. Cramulhão, pé-de-bode, tinhoso, capeta, diabo, satanás, demônio, lúcifer, etc.
Sei que, antes de dormir, fiquei visualizando a figurinha do Diabo e morria de medo, eu tinha gosto por filmes de terror, teve uma vez que tinha acordado com terror noturno de madrugada, pois estava sendo atacado por um lobisomem. Desta vez, na manhã seguinte, eu não me lembrava, quem me falou foi meu padrasto. Mas, voltando, me alimentei muito dos filmes do Freddy e do Jason, dentre outros, e até de umas revistas que vendiam na época, as histórias reais de lobisomem e as histórias reais de vampiro.
Então, foi que Freddy me pegou, e fiquei tão fascinado com este pesadelo, que falei para toda a minha família. Talvez, este sonho tenha sido o mais marcante da minha vida, logo um pesadelo com as marcas de todos os pesadelos, Freddy Krueger. E eu ainda era um assassino preso por ter matado o âncora do Jornal Nacional. Muito curiosa, tal trama.
Como o Freddy foi parar na cela para me perseguir? Só Deus sabe, ou todos os nomes que colecionava de diabos para me divertir. O medo é um prazer mórbido infantil, ao menos na minha infância, pois o terror tinha um papel importantíssimo nos meus exercícios de medo.
Penso que o medo, através do terror, e a simbologia do mal, tudo é fascinante na cabeça infantil, flertar com o medo nos educa para lidar com o inconsciente desde cedo. Freddy Krueger não conseguiu me pegar no sonho, só lembro da imagem dele rindo, com as unhas de fora, numa sombra lateral da cela em que eu estava enfurnado por ser um assassino. Tinha matado o Cid Moreira, meu Deus!
O medo, dizem, é um tipo de demônio. Ouvi isto, uma vez, em uma das pregações cristãs que via na TV, há uns tempos atrás. Logo, Freddy Krueger era o demônio do medo no meu pesadelo de criança. Mas, o medo nos impede de fazer coisas temerárias, o medo tanto educa para não nos machucarmos, como também é o demônio, o cramulhão, o pé-de-bode, o tinhoso, o lúcifer, o Mal metafísico da morte.
O medo é este que também nos dá a chave da sobrevivência e nos dá a morte como ameaça. A morte foi representada por Freddy Krueger naquele pesadelo, no filme ele representa a morte real de forma onírica, e talvez seja a maior das fantasias oníricas : o momento da morte de cada um.
O medo como um tipo de demônio? Boa perspectiva para pensar o medo. O pregador diz para não termos medo. Mas, como não se deliciar com o sofrimento do medo, ainda mais quando se é criança, e uma criança que amava filmes de terror? Então, o que eu fazia, quando era criança, ao colecionar todos os nomes de diabo possíveis, era nada mais que uma coleção de medos. Tentar ver a morte de perto, os medos como demônios.
Então, na minha visualização do próprio Diabo, numa reles figurinha da Impacto, antes de dormir, para ter meu encontro com Freddy Krueger, eu também me tornei outro demônio macabro, que tinha matado o Cid Moreira.  Para saber das coisas do medo, não se pode ter medo, agora entendi a pregação cristã de outro dia. O medo é um tipo de demônio.
Encarando por esta linha, não podemos cair na tentação do medo. Desafiar o medo era tentar não ter medo. Ver filmes de terror com a imaginação fértil também é tentar vencer o medo, tentar não cair na armadilha dos diabos que moram na gente. O medo é um tipo de demônio. Freddy Krueger? Jung explica. Coisas de criança.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  http://seculodiario.com.br/37740/14/sobre-um-pesadelo




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