PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

LIRA DOS VINTE ANOS, ÁLVARES DE AZEVEDO – PARTE V

O ROMANTISMO E SEUS GÊNEROS

“há uma confrontação e questionamento das formas bem acabadas da escrita clássica”

Na divisão ou binomia da obra azevediana, não se desconsidera aqui a sua coerência interna, os polos opostos então correspondem bem a uma cosmovisão definida, a um plano bem urdido, fato que fica bem evidente na própria face dupla da sua obra poética condensada na Lira dos Vinte Anos, e tudo isso com princípios formais que dão o caráter inteiro da produção poética em questão, a qual está aderente aos conceitos definidores do Romantismo, desde sua matriz alemã em Iena. O que se refere, por conseguinte, na análise decorrente da obra azevediana, a uma abordagem que está, à primeira vista, entre uma expressividade romântica ou a sua outra face mais reflexiva.
Numa busca da face do Romantismo, em sua origem no grupo de Iena, temos que neste grupo se encontra as bases em que se fará a crítica literária romantizada propriamente dita, o que vai ao encontro de nossa análise da predominância do Eu na poética azevediana. E no que se refere ao grupo romântico de Iena, como matriz de toda a produção que foi denominada de romântica, temos que nesta, em seu aspecto de crítica literária, há uma confrontação e questionamento das formas bem acabadas da escrita clássica, num movimento que vai em direção a uma autorreflexão subjetiva que já apontava para os rumos do que viria a se constituir como uma poética moderna, mais para a frente.
Num primeiro momento, o passo adiante da escrita de matriz romântica vai operar pelo fragmento, sendo este fragmento romantizado para dar vazão à reflexão de natureza romântica, um gênero muitas vezes ambíguo, incompleto, com lacunas intencionais, o que dá a própria forma de acionamento do fragmento em literatura, tendo então este fragmento um caráter essencialmente aberto, de livre interpretação, funcionando dinamicamente tanto como uma série definida ou apenas um trecho isolado, lançando-se à carga da autorreflexão com modos de ação regidos pela espirituosidade, pelo chiste, portanto, um modo aberto e flexível de escrita que não se fecha em um dogma. O lugar do fragmento é aquele, portanto, em que se dá a livre circulação de ideias.
Já no que se refere ao romance, temos a forma variada que acolhe gêneros diversos como a canção, os diálogos dramáticos, inflexões filosóficas, e uma subjetividade de livre pensamento, romance que neste contexto, portanto, não se fecha com uma norma ou roteiro pré-concebido, não é um gênero estanque, ou como nos dizia Friedrich Schlegel, sobre a forma romanesca : “Os romances são os diálogos socráticos de nosso tempo”.
No drama romântico, por sua vez, tem uma dimensão fundante que se dá no conflito ou embate entre a visão romântica e o mundo clássico, principal tensão que vai governar todo o Romantismo, seja este alemão ou outros, como o brasileiro que terá em Álvares de Azevedo seu nome mais emblemático. Embate este que é o que dá o próprio caráter e sentido histórico do Romantismo de Iena e suas derivações, como uma escola literária revolucionária e de ruptura, de criatividade renovada que abre uma crítica também renovada.
O drama romântico, como gênero, por conseguinte, coloca a reflexão de que se nutre dentro do próprio processo de criação literária, com uma mescla de tragédia e comédia, no início, quando este drama romântico, então, dá uma forma nova em que tais gêneros se diluem neste novo gênero no qual há uma iconoclastia renovadora, em que o próprio texto teatral é implodido dando como resultado um gênero não-teatral, nos chamados dramas românticos em que a performance da cena dá lugar a uma manifestação de ironia e de uma autonomia autorreflexiva.
No Romantismo, temos um Álvares de Azevedo que vai experimentar no texto a comédia e o drama, passando ao largo da forma acabada e clássica da tragédia, face teatral do autor que o próprio vai caracterizar com um nome novo que ele vai chamar de dialogismo, novo nome semelhante à binomia que ele dividiu sua Lira dos Vinte Anos. E aqui se levanta o questionamento de Antonio Cândido que nos fornece a sua visão da mescla e junção entre Macário e Noite na Taverna, o que vem para confirmar a experimentação azevediana na forma literária, poética e, por fim, teatral.
Cândido identifica uma continuidade temática entre Macário e Noite na Taverna, revelando um verdadeiro e bem pensado projeto formal do autor Álvares de Azevedo, com o drama e o texto narrativo aqui apontando para um mesmo lugar de expressão e reflexão, isso se fundando, ao fim, numa unidade temática que irá compor as duas obras, no que se refere à presença satânica e sua intencionalidade em ambas as obras.

POEMAS :

É ELA! É ELA! É ELA! É ELA! É ELA! : O poema romântico por excelência canta a sua musa, e é de uma inocência comovente, no que temos : “É ela! É ela! – murmurei tremendo,/E o eco ao longe murmurou – é ela!” (...) “Eu a vejo estendendo no telhado/Os vestidos de chita, as saias brancas;/Eu a vejo e suspiro enamorado!/Esta noite eu ousei mais atrevido/Nas telhas que estalavam nos meus passos/Ir espiar seu venturoso sono,/Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!/Como dormia! que profundo sono! ...”. Aqui a imagem recorrente do romantismo azevediano, a sua musa dormindo, no que se segue, a trama do desejo nunca saciado, ideal, no detalhe dos versos, que são citados aqui também sobre os versos desta que dorme : “Fui beijá-la ... roubei do seio dela/Um bilhete que estava ali metido ...” (...) “São versos dela ... que amanhã decerto/Ela me enviará cheios de flores ...” (...) “É ela! é ela! – repeti tremendo;” (...) “É ela! é ela! meu amor, minh`alma,” (...) “É ela! é ela! – murmurei tremendo,/E o eco ao longe suspirou – é ela!”. A afirmação recorrente, o estribilho do poema, é sua obsessão predileta, um poeta obcecado é um poeta apaixonado, e o estro é aqui grandiloquente e exclamativo, um poema de paixão.

NAMORO A CAVALO : O poema cotidiano, já antecipando o que viria a ser o poema moderno, se nutre aqui da rua e do bairro do poeta, e um passeio à cavalo, que coloca o poema romântico numa perspectiva toda nova, sem afetações do que se esperaria de um temperamento profundo regido por paixões, no que temos, no entanto, com fúria moderna, o que segue : “Eu moro em Catumbi, mas a desgraça,/Que rege minha vida malfadada,/Pôs lá no fim da rua do Catete/A minha Dulcineia namorada./Alugo (três mil réis) por uma tarde/Um cavalo de trote (que esparrela!)/Só para erguer meus olhos suspirando/À minha namorada na janela .../Todo o meu ordenado vai-se em flores/E em lindas folhas de papel bordado/Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,/Algum verso bonito ... mas furtado.”. Certo humor emana deste estro inaudito, no que segue : “Ontem tinha chovido ... que desgraça!/Eu ia a trote inglês ardendo em chama,” (...) “Eu não desanimei. Se Dom Quixote/No Rocinante erguendo a larga espada/Nunca voltou de medo, eu, mais valente,/Fui mesmo sujo ver a namorada ...” (...) “Bateu-me sobre as ventas a janela .../O cavalo ignorante de namoros/Entre dentes tomou a bofetada,” (...) “Circunstância agravante. A calça inglesa/Rasgou-se no cair de meio a meio,/O sangue pelas ventas me corria/Em paga do amoroso devaneio! ...”. Temos aqui um dos momentos mais originais e inovadores da poética azevediana, sem dúvida. 

LÁGRIMAS DA VIDA : O poema tem um estro doído, o romantismo aqui cede aos apelos melancólicos, um certo spleen que amolece e dói como uma lira que enverga, no que temos : “Se tu souberas que lembrança amarga,/Que pensamento desflorou meus dias,/Oh! tu não creras meu sorrir leviano/Nem minhas insensatas alegrias!/Quando junto de ti eu sinto às vezes/Em doce enleio desvairar-me o siso,/Nos meus olhos incertos sinto lágrimas .../Mas da lágrima em troco eu temo um riso!/O meu peito era um templo – ergui nas aras/Tua imagem que a sombra perfumava .../Mas ah! emurcheceste as minhas flores,/Apagaste a ilusão que aviventava!/E por te amar, por teu desdém – perdi-me .../Tresnoitei-me nas orgias macilento,/Brindei blasfemo ao vício e da minh`alma/Tentei me suicidar no esquecimento!”. O lamento aqui se inunda de tristeza e cita o suicídio e o esquecimento, no que o poema segue : “Como o perfume de uma flor aberta/Da manhã entre as nuvens se mistura,/A minh`alma podia em teus amores/Como um anjo de Deus sonhar ventura!/Não peço o teu amor ... eu quero apenas/A flor que beijas para a ter no seio,/E teus cabelos respirar medroso/E a teus joelhos suspirar d`enleio!/E quando eu durmo, e o coração ainda/Procura na ilusão a tua lembrança,/Anjo da vida passa nos meus sonhos/E meus lábios orvalha de esperança!”. A memória e a esperança, contudo, fundam o fim do poema, que começa em spleen, mas que vislumbra um facho de luz na coda.

MEU SONHO : O poema do cavaleiro marca bem o poema azevediano, aqui o poeta está especialmente inspirado, no que o poema segue : “Cavaleiro das armas escuras,/Onde vais pelas trevas impuras/Com a espada sanguenta na mão?” (...) “Cavaleiro, quem és? o remorso?/Do corcel te debruças no dorso .../E galopas do vale através .../Oh! da estrada acordando as poeiras/Não escutas gritar as caveiras/E morder-te o fantasma nos pés?”. Belíssima estrofe, o poema é um emblema de toda a poética de que se nutria Álvares de Azevedo, o cavaleiro que aqui imortaliza a sua obra, a sua poesia, no que segue : “Tu escutas ... Na longa montanha/Um tropel teu galope acompanha?/E um clamor de vingança retumba?/Cavaleiro, quem és? – que mistério,/Quem te força da morte no império/Pela noite assombrada a vagar?” (...) “O FANTASMA : Sou o sonho de tua esperança,/Tua febre que nunca descansa,/O delírio que te há de matar! ...”. Este poema é uma das formas condensadas do estro azevediano, leia e releia sempre.

MINHA AMANTE : O poema é uma mescla de lamento e de súplica, o poeta se vê aqui enlanguescido, exangue, tem um coração doído, no que temos : “Ah! volta inda uma vez! foi só contigo/Que à noite, de ventura eu desmaiava,/E só nos lábios teus eu me embebia/De volúpias divinas!” (...) “Oh! volta inda uma vez! ergue-se a lua/Formosa como dantes, é bem noite,/Na minha solidão brilha de novo,/Estrela de minh`alma!/Desmaio-me de amor, descoro e tremo,/Morno suor me banha o peito langue,/Meu olhar se escurece e eu te procuro/Com os lábios sedentos!”. O desmaio na súplica nos dá a imagem de um poeta completamente entregue, no que o poema segue, em profundo spleen poético, no que temos : “És a coroa de meus breves anos,/És a corda de amor de íntima lira,/O canto ignoto, que me enleva em sonhos/De saudosas ternuras!” (...) “Oh! minha lira, ó viração noturna,/Flores, sombras do vale, à minha amante/Dizei-lhe que esta noite de desejo/E de ternuras morro!”. Amor que aqui se encontra com a face da morte, um estro romântico em todo seu esplendor, rasgos de emoção e dor o compõem.

MINHA MUSA : O poema vai cantando a sua musa, no que temos : “Minha musa é a lembrança/Dos sonhos em que eu vivi,/É de uns lábios a esperança/E a saudade que eu nutri!” (...) “Os meus cantos de saudade/São amores que chorei :/São lírios da mocidade/Que murcham porque te amei!”. A descrição da musa e o lamento aqui se fundem num poeta emocional, exaurido e inspirado, no entanto, no que o poema segue : “A languidez de teus olhos/Inspiram minha canção./Sou poeta porque és bela,/Tenho em teus olhos, donzela,/A Musa do coração!” (...) “Descansa-me no teu seio./Ouvirás no devaneio/A minha lira cantar!”. O poeta aqui tem a sua identidade de versos com a graça de sua musa, o seu coração faz poesia somente por esta existir, nada mais romântico, em sentido estrito.

LÉLIA : O poema aqui descreve uma imagem feminina impiedosa, irônica, com coração gélido, no que temos : “Passou talvez ao alvejar da lua,/Como incerta visão na praia fria;/Mas o vento do mar não escutou-lhe/Uma voz a seu Deus! ... ela não cria!” (...) “Parecia de amor tremer-lhe a vida/Revelando nos lábios um mistério!/Porém, quando expirou a voz nos lábios/Ergueu sem pranto a fronte descorada,” (...) “Passou talvez do cemitério à sombra,/Mas nunca numa cruz deixou seu ramo;/Ninguém se lembra de lhe ter ouvido/Numa febre de amor dizer : “eu amo!”/Não chora por ninguém ... e quando à noite/Lhe beija o sono as pálpebras sombrias,/Não procura seu anjo à cabeceira/E não tem orações, mas ironias!”. Aqui temos uma estranha espécie de musa impassível, na qual o poeta canta em vão, como um ser de paixonite sofredora por vocação, como é o poeta romântico genérico, este que se dá sem ter nunca nada, ou ter tido por memória mesclas de amor e de maldade infernal, no que temos : “As notas puras da paixão ignora,/Não teve nunca n`alma adormecida/O fogo que inebria e que devora!” (...) “É formosa contudo.” (...) “Há nesse ardente olhar que gela e vibra,/Na voz que faz tremer e que apaixona/O gênio de Satã que transverbera,/E o langor pensativo da Madona!/É formosa, meu Deus! Desde que a vi/Na minha alma suspira a sombra dela,/E sinto que podia nessa vida/Num seu lânguido olhar morrer por ela.”. Mais uma vez amor e morte aqui se encontram, estro do spleen e da paixão dorida, estro romântico consumado, Álvares de Azevedo e seu canto breve dos vinte anos, sua lira fundamental.

POEMAS :

É ELA! É ELA! É ELA! É ELA! É ELA!

É ela! É ela! – murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou – é ela!
Eu a vi – minha fada aérea e pura –
A minha lavadeira na janela!

Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono! ...
Tinha na mão o ferro do engomado ...
Como roncava maviosa e pura! ...
Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe o seio adormecido ...
Fui beijá-la ... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido ...

Oh! decerto ... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela ... que amanhã decerto
Ela me enviará cheios de flores ...

Tremi de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio ...

É ela! é ela! – repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja ...
Abri cioso a página secreta ...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim mais bela, - eu mais te adoro
Sonhando-te a lavar as camisinhas!

É ela! é ela! meu amor, minh`alma,
A Laura, a Beatriz que o céu revela ...
É ela! é ela! – murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou – é ela! –

NAMORO A CAVALO

Eu moro em Catumbi, mas a desgraça,
Que rege minha vida malfadada,
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcineia namorada.

Alugo (três mil réis) por uma tarde
Um cavalo de trote (que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
À minha namorada na janela ...

Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,
Algum verso bonito ... mas furtado.

Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento ...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a Comédia – em casamento.

Ontem tinha chovido ... que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando uma carroça
Minhas roupas tafuis encheu de lama ...

Eu não desanimei. Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente,
Fui mesmo sujo ver a namorada ...

Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela ...

O cavalo ignorante de namoros
Entre dentes tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
Com pernas para o ar, sobre a calçada ...

Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.

Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio! ...

LÁGRIMAS DA VIDA

Se tu souberas que lembrança amarga,
Que pensamento desflorou meus dias,
Oh! tu não creras meu sorrir leviano
Nem minhas insensatas alegrias!

Quando junto de ti eu sinto às vezes
Em doce enleio desvairar-me o siso,
Nos meus olhos incertos sinto lágrimas ...
Mas da lágrima em troco eu temo um riso!

O meu peito era um templo – ergui nas aras
Tua imagem que a sombra perfumava ...
Mas ah! emurcheceste as minhas flores,
Apagaste a ilusão que aviventava!

E por te amar, por teu desdém – perdi-me ...
Tresnoitei-me nas orgias macilento,
Brindei blasfemo ao vício e da minh`alma
Tentei me suicidar no esquecimento!

Como um corcel abate-se na sombra,
A minha crença agoniza e desespera ...
O peito e lira se estalaram juntos,
E morro sem ter tido primavera!

Como o perfume de uma flor aberta
Da manhã entre as nuvens se mistura,
A minh`alma podia em teus amores
Como um anjo de Deus sonhar ventura!

Não peço o teu amor ... eu quero apenas
A flor que beijas para a ter no seio,
E teus cabelos respirar medroso
E a teus joelhos suspirar d`enleio!

E quando eu durmo, e o coração ainda
Procura na ilusão a tua lembrança,
Anjo da vida passa nos meus sonhos
E meus lábios orvalha de esperança!

MEU SONHO

Eu

Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?
Do corcel te debruças no dorso ...
E galopas do vale através ...
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba? ...
Tu escutas ... Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? – que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA

Sou o sonho de tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar! ...

MINHA AMANTE

Ah! volta inda uma vez! foi só contigo
Que à noite, de ventura eu desmaiava,
E só nos lábios teus eu me embebia
De volúpias divinas!

Volta, minha ventura! eu tenho sede
Desses beijos ardentes que os suspiros
Ofegando interrompem! Quantas noites
Fui ditoso contigo!

E quantas vezes te embalei tremendo
Sobre os joelhos meus! Quanto amorosa
Unindo à minha tua face pálida
De amor e febre ardias!

Oh! volta inda uma vez! ergue-se a lua
Formosa como dantes, é bem noite,
Na minha solidão brilha de novo,
Estrela de minh`alma!

Desmaio-me de amor, descoro e tremo,
Morno suor me banha o peito langue,
Meu olhar se escurece e eu te procuro
Com os lábios sedentos!

Oh! quem pudera sempre em teus amores
Sobre teu seio perfumar seus dias,
Beijar a tua fronte, e em teus cabelos
Respirar ebrioso!

És a coroa de meus breves anos,
És a corda de amor de íntima lira,
O canto ignoto, que me enleva em sonhos
De saudosas ternuras!

E tu és como a lua : inda és mais bela
Quando a sombra nos vales se derrama,
Astro misterioso à meia-noite
Te revela a minh`alma.

Oh! minha lira, ó viração noturna,
Flores, sombras do vale, à minha amante
Dizei-lhe que esta noite de desejo
E de ternuras morro!

MINHA MUSA

Minha musa é a lembrança
Dos sonhos em que eu vivi,
É de uns lábios a esperança
E a saudade que eu nutri!
É a crença que alentei,
As luas belas que amei,
E os olhos por quem morri!

Os meus cantos de saudade
São amores que chorei :
São lírios da mocidade
Que murcham porque te amei!
As minhas notas ardentes
São as lágrimas dementes
Que em teu seio derramei!

Do meu outono os desfolhos,
Os astros do teu verão,
A languidez de teus olhos
Inspiram minha canção.
Sou poeta porque és bela,
Tenho em teus olhos, donzela,
A Musa do coração!

Se na lira voluptuosa
Entre as fibras que estalei
Um dia atei uma rosa
Cujo aroma respirei,
Foi nas noites de ventura
Quando em tua formosura
Meus lábios embriaguei!

E se tu queres, donzela,
Sentir minh`alma vibrar,
Solta essa trança tão bela,
Quero nela suspirar!
Descansa-me no teu seio.
Ouvirás no devaneio
A minha lira cantar!

LÉLIA

Passou talvez ao alvejar da lua,
Como incerta visão na praia fria;
Mas o vento do mar não escutou-lhe
Uma voz a seu Deus! ... ela não cria!

Uma noite aos murmúrios do piano
Pálida misturou um canto aéreo ...
Parecia de amor tremer-lhe a vida
Revelando nos lábios um mistério!

Porém, quando expirou a voz nos lábios
Ergueu sem pranto a fronte descorada,
Pousou a fria mão no seio imóvel,
Sentou-se no divã ... sempre gelada!

Passou talvez do cemitério à sombra,
Mas nunca numa cruz deixou seu ramo;
Ninguém se lembra de lhe ter ouvido
Numa febre de amor dizer : “eu amo!”

Não chora por ninguém ... e quando à noite
Lhe beija o sono as pálpebras sombrias,
Não procura seu anjo à cabeceira
E não tem orações, mas ironias!

Nunca na terra uma alma de poeta
Chorosa, palpitante a gemebunda
Achou nessa mulher um hino d ´alma
E uma flor para a fronte moribunda.

Lira sem cordas não vibrou d `enlevo :
As notas puras da paixão ignora,
Não teve nunca n`alma adormecida
O fogo que inebria e que devora!

Descrê. Derrama fel em cada riso –
Alma estéril não sonha uma utopia ...
Anjo maldito salpicou veneno
Nos lábios que tressuam de ironia.

É formosa contudo. Há nessa imagem
No silêncio da estátua alabastrina
Como um anjo perdido que ressumbra
Nos olhos negros da mulher divina.

Há nesse ardente olhar que gela e vibra,
Na voz que faz tremer e que apaixona
O gênio de Satã que transverbera,
E o langor pensativo da Madona!

É formosa, meu Deus! Desde que a vi
Na minha alma suspira a sombra dela,
E sinto que podia nessa vida
Num seu lânguido olhar morrer por ela.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  http://seculodiario.com.br/36161/17/o-romantismo-e-seus-generos



  

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