PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 21 de junho de 2017

MADAME HEROÍNA

O cenário era a São Paulo dos anos 1980, Zack tinha 20 anos em 1985, já fumava maconha todos os dias, e andava como maloqueiro pelas ruas da cidade, principalmente no centro, na Avenida Paulista, aonde arrumava uns trampos de vendedor em lojas de rock, e vendia camisas e discos. Zack era um bom vendedor, entendia tudo de rock, sobretudo punk e hardcore, tinha uma banda de garagem chamada Anti-Pop, e nela ele atuava como vocalista, numa performance visceral e intermitente que era como uma versão do Ian Curtis mais acelerada e canastrona de propósito. A banda tinha sido montada em 1984 e Zack era o front-man do Anti-Pop, o vocalista, e que ainda tinha seu amigo de infância, Frank, na guitarra, o baixista Limão, que respondeu a um anúncio de jornal da banda quando esta estava sendo montada em 1984, e o baterista Romeu, que era primo de Frank pela parte paterna.
Zack queria que a banda fosse uma antítese do novo rock brasil que surgia, tocava em espaços como Madame Satã ou no Napalm, e era uma banda que se juntava ao cenário punk de SP que ali naqueles inferninhos se expandia, e neste momento Frank apresenta a cocaína para Zack, e o que era uma brincadeira para Frank, vira coisa séria para Zack, e sua performance é virada em toda a potência, no que o vocalista do Anti-Pop é logo chamado de o Ian Curtis de SP. As noites no Napalm e no Madame Satã são épicas, geralmente o Anti-Pop aparecia no line-up como banda de abertura para bandas maiores, os shows tinham um ar teatral, e Zack, além da performance frenética durante as músicas, tinha um temperamento tagarela acentuado pela quantidade homérica de vinho que bebia durante os shows, fazendo discursos políticos longos em forma de protesto como se fosse um Jello Biafra brasileiro.
Um dos shows marcantes de 1985 foi no Napalm, em que uma menina de 15 anos sobe ao palco e dá um grito estridente e empurra Zack para fora do palco, e canta uma música do Ramones improvisada por Frank na guitarra, depois Zack volta para o palco tonto de vinho e a menina dá um selinho no vocalista, e então Zack agradecido passa a garrafa de vinho para esta menina que some no meio do público e então Zack continua a sua performance de Ian Curtis em músicas que tinham de dois a três minutos, num passo acelerado que já era um sinal do que Frank viria a fazer futuramente na banda, já sem a influência de Zack, que logo tomaria outro caminho também.
Outro dos shows que são destes primórdios do Anti-Pop é um no Madame Satã em que Zack é hostilizado por carecas, mas estes são expulsos pelos punks e Zack convida uma massa de gente para invadir o palco, e o show vira uma sessão de covers de The Clash e Sex Pistols, com tudo se encerrando em uma grande festa ao som de Anarchy in The U.K., e neste show Zack já exibia um moicano vermelho em que parecia um galo de rinha com correntes espalhadas por todos os membros do corpo, e um Frank de cabeça raspada e pintada de azul como uma bola de sinuca, e logo Zack pensa em raspar a cabeça de zero para provocar os carecas, mas Frank tira esta ideia de gerico da cabeça de Zack, que passa a usar o moicano pintado de verde e não mais de vermelho.  
Em 1986 eles finalmente gravam uma fita-demo com 25 músicas de curta duração, com letras de Zack que exploravam temas políticos, sexuais e culturais, para depois falar de satanismo num contexto em que o crossover tomava espaço nas composições de Frank na guitarra, mas a tendência punk e de protesto destas primeiras letras são ainda a tônica dominante do que viria a ser esta primeira versão da banda Anti-Pop. Zack neste ano também lança um pequeno livro de poesia com cem páginas e lança zines com pensamentos absurdos de sua filosofia punk mal ajambrada, que pregava a paz num tom guerreiro e brigão em verve de contradição que só os mais doidos levavam como algo minimamente coerente. Tais zines eram em preto e branco com desenhos e letras soltas e notas filosóficas sobre o conceito de Anti-Pop, e das razões civilizatórias de se combater a música pop no mundo para que a cultura libertária do punk virasse um novo sistema político nunca fundamentado, pois os textos ao meio para o fim viravam um festival de protestos em slogans que só Zack compreendia seu nexo de hospício, enquanto Frank cuidava do dinheiro da banda, que ainda não era muito.
Em 1987 eles lançam um disco independente só com o nome da banda, numa prensagem de cem discos, que eles vendem nos shows, e que tinha quinze músicas de curta duração em 31 minutos de petardos com influência de Stooges, Pistols e um pouco de Ramones. A banda começa a ficar mais conhecida no underground, e Frank começa a trazer mais influência de metal para a banda, que vai se distanciando do cenário punk original, e os conflitos começam a aparecer, pois Zack queria brilhar como o front-man e estrela ascendente da banda, mas Frank era o operário e compositor da banda, também tomando espaço nas letras, empurrando Zack apenas para suas performances ao vivo. Mas este disco independente ainda é das composições punks que eram mais as influências de Zack do que as de Frank. Mas o caminho de Frank para a banda seria mais forte, uma vez que Zack era um ótimo showman, mas não tinha disciplina para gerir ou ser o líder criativo da banda, uma vez que Zack estava cada vez mais louco com seus zines nonsense e poemas punk sem pé nem cabeça num voo neoconcreto que ia para um caminho de incoerência que logo se revelaria um projeto imaturo e desorientado, pois Zack era um sonhador sem pés no mundo real, o qual pertencia a Frank, este que tomaria então a frente da banda com mãos de ferro.
Então, em 1988 a banda se muda para Belo Horizonte em Minas Gerais depois de assinarem um contrato com a Cogumelo Records, no que sai o disco de thrash metal do Anti-Pop, de título “Bang Your Soul”, que já nada tinha mais a ver com o início punk e das letras de Zack que agora tinham saído para dar lugar para as letras filosóficas de Frank, o que vai minando a relação de Zack com os membros da banda, e seu vício em cocaína aumenta cada vez mais, seu alcoolismo fica descontrolado, até que depois de uma briga em que ele tenta furar Frank com um canivete é então expulso da banda, no que em 1989, já completamente perdido e revoltado, aparece em São Paulo com uma nova banda, esta de hardcore, com o nome de Savior, que só dura aquele ano, eles gravam um disco que é um fracasso e a banda logo se desintegra junto com a alma de Zack, que agora descobria uma brincadeira perigosa que tinha aparecido esporadicamente ali em São Paulo, a heroína, que ele usa quando consegue, mas que logo vira uma dependência química.
E o Anti-Pop se livra naquele momento de um problema para dar saltos no cenário metal nacional e internacional, já deixando suas origens punk para trás, junto com seu lendário front-man Zack, que agora daria um mergulho num sub-mundo não tão legal quanto só se se tratasse de música e atitude e não uma desculpa canhestra para uma fuga do mundo. “Bang Your Soul” ainda tinha Zack nos vocais, mas este já estava com um pé fora da banda, pois ficava entre São Paulo e Belo Horizonte, enquanto o resto da banda se radicava no terreno novo da Cogumelo Records. O disco é bem-sucedido e rende uma turnê da banda pela Europa, agora com Frank na guitarra e vocais, enquanto Zack cai da sua última aventura hardcore para um tombo visceral de sombras. E Zack só não tinha problemas maiores, pois seu pai era um empresário rico que já tinha herdado uma fortuna da família, e talvez este temperamento errante tenha advindo do fato de Zack nunca ter passado por preocupações de ordem financeira na vida, o que lhe tornara um adulto com vida de adolescente, sem ter mínimas noções de responsabilidade.
A banda Anti-Pop, em 1990, grava um segundo disco pela Cogumelo Records, “Heart Attack”, que vai bem e leva a banda a fazer uma outra turnê pela Europa, e que consagra a banda principalmente no cenário alemão, com Frank como guitarrista e vocalista, e agora mais um guitarrista de nome Bruno, como solista, que já participa das gravações deste novo disco com contribuições pontuais. Enquanto isso, Zack também pensa em ir para a Europa, na esperança de se libertar das drogas, o que seria desastroso, pois em 1991 ele se muda para Berlim, e ao invés de se tratar, se afunda de vez na heroína, fazendo viagens intermináveis de trem, e finalmente vai parar na praça de Zurique, aonde termina seu périplo e decide ficar por lá, pois sabia que ali sempre teria acesso ao seu vício sem grandes manobras atrás de um traficante. Lá conhece Elvira, uma brasileira junk, ex-punk, também de São Paulo, que estava ali no mesmo contexto de Zack, e os dois se enamoram. Elvira estava largada pela sua família paulista de elite, então este encontro eram de dois egressos da elite paulistana no mundo da heroína na praça de Zurique.
Zack passa a sustentar seu vício e o de Elvira com uma mesada que o pai de Zack enviava para ele em Zurique, e seu pai sabia de sua situação, mas viu que não tinha saída e não queria que Zack virasse um mendigo ou fosse assassinado por dívida com o tráfico, então Zack também tinha um conjugado em Zurique no qual morava ele e Elvira, esta que já não tinha mais qualquer contato com a sua família e só tinha agora Zack e mais ninguém no mundo. Zack comprava quantidades industriais de heroína para o consumo dele e de Elvira e só não morre nesse período por milagre ou por que era um cavalo químico que não sucumbia mesmo no apocalipse zumbi, e era exatamente neste mundo surreal que Zack se perdia, a Platzspitz era o cenário em que seu sonho opiáceo ganhava voos que só com uma luz abscôndita ele poderia sair dali, ou talvez um choque de realidade, que são geralmente mais eficientes do que qualquer milagre religioso ou revelação mística, e que viria neste cenário como a cavalgada da morte numa carruagem chamada overdose.
Em 1992, então, acontece o tal choque de realidade, pois Elvira morre de overdose na sua frente em seu conjugado que vivia imundo àquela altura numa rotina de desleixo absoluto, e Zack cai em depressão, fica cada vez mais afundado no vício, e tem uma overdose quase fatal no fim daquele mesmo ano, véspera de Natal, e se interna por vontade própria ali mesmo em Zurique, num tratamento de redução de danos, no que consegue diminuir seu consumo, e ele fica até 1993 para se livrar da dependência, quase morre na abstinência, mas se segura com metadona, e decide em 1994, enfim, ir para Londres, e com o dinheiro do pai, já livre da heroína, monta um pub que também era uma loja de discos, e ali vira um festeiro, ainda bebia muito, mas já não usava nem heroína e nem cocaína, o speed para ele então naquele momento era tão proibido quanto blasfemar contra Deus, e sua diversão agora era beber e trabalhar bebendo.
Em 1995, no início do ano, Zack faz uma ligação telefônica para Frank, que estava ainda com o Anti-Pop, e por sinal, a todo vapor, agora como uma banda de thrash metal consolidada no underground com contrato longo com a Roadrunner, banda respeitadíssima e que tinha um público especial na Alemanha e no leste europeu. Zack liga para Frank com a intenção de fazer as pazes e zerar o passado, dá razão para Frank ter seguido em frente com o Anti-Pop, e que realmente a filosofia da banda tinha tomado um rumo diferente do que ele, Zack, esperava, e que na época ele estava muito chapado para perceber isso. Frank diz então que pensou várias vezes em também ligar e pedir desculpas, mas que tinha receio de que ele, Zack, o recebesse com cem pedradas, ou que Zack, seu velho amigo, ainda estivesse num transe onírico em Zurique, sem contato com a realidade, pois esta foi a última notícia que Frank recebeu sobre seu antigo front-man.
A banda Anti-Pop, em julho de 1995, passa então por Londres numa pequena turnê e os caras da banda se reencontram com Zack, é uma festa, e tudo de ruim então evapora num Zack que vinha de traumas em Zurique, mas que não tinha perdido o seu brilho de front-man que um dia fora, pois a sombra da heroína não parecia ser mais uma ameaça. Ele ainda pensava em voltar para a música, mas estava um tanto enferrujado, e guardava algumas fotos do período punk em que cantara no Napalm e no Madame Satã com o Anti-Pop.
No meio desta festa de amigos, Zack fica cerca de cinco horas conversando com Frank em particular, numa verdadeira catarse, e se trata de um acerto de contas bem leve, pois os dois sentiam saudades, e a briga era de dois jovens, e agora eles estavam mais velhos, e a banda Anti-Pop como uma força underground caminhando com independência criativa no cenário thrash metal, e Zack emancipado do pai e livre da heroína que quase o matara, se divertindo num pub londrino do qual era o proprietário e que ainda vendia discos e camisas de banda, no que a banda Anti-Pop decide fazer um show surpresa dentro do pub, e a mulher de Frank grava tudo e prepara um mini-documentário, com o brinde de duas músicas punk da banda tocadas também na ocasião com a performance frenética do Ian Curtis brasileiro, o velho e bom Zack, que não tinha esquecido sua origens de showman, mas agora sossegado numa bancada de bar, bebendo e trabalhando no mesmo lugar.
O reencontro de Zack e de Frank rende um tanto, e Zack canta uma música da época punk no show do Anti-Pop em Londres, e o público não sabia quem era aquele cara frenético no palco que canta uma música curta como um petardo em português e desaparece, no que Frank explica o passado glorioso da versão punk do Anti-Pop, no que o material antigo meses depois é lançado pela Roadrunner num pacote especial de natal junto com material novo e inédito numa salada geral promocional da banda para os fãs mais fervorosos, no que Zack passa a ser reconhecido como o ilustre integrante do Anti-Pop que tinha um pub e vendia discos de rock em Londres.
1996, por sua vez, é um ano consagrador para o Anti-Pop, pois Frank nos vocais e guitarra base, Bruno na guitarra solo, Limão no baixo e Romeu na bateria, com a liderança das composições por Frank, lançam seu melhor trabalho musicalmente falando e também de público, o álbum duplo em CD, “New Age of Metal”, tal trabalho é um divisor de águas para uma banda que já era bem conceituada, e os músicos da banda param de adiar a sua mudança de Belo Horizonte para Berlim na Alemanha, e se mudam de vez para a cidade, aonde agora eles figuravam ao lado das bandas locais como os meninos selvagens do Brasil, os renovadores do thrash metal com um álbum de amplitudes que não devia nada mais a ninguém, um trabalho original e poderoso e que coloca Frank como um dos grandes compositores e letristas do metal da década de 90. A banda sai em turnê pela Europa e depois pelos Estados Unidos, aonde ainda eram ilustres desconhecidos, mas a banda fica a maior parte do tempo na Alemanha e nos países do leste europeu, lugares em que o Anti-Pop era uma entidade, e passam por São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre nas últimas datas de 1996, que é o melhor ano da História da banda até ali.
Frank, mesmo diante dos vários compromissos com o Anti-Pop, ainda pensa em ter um novo projeto com seu velho amigo Zack, mas ele sabia que Zack estava bem com seu pub, mas ele sentia falta das performances de Zack nos tempos punk de São Paulo. Algo dizia que o sucesso do Anti-Pop também poderia ser repetido com um projeto paralelo para que Frank fizesse seu tributo ao ilustre desconhecido do pub londrino, conhecido no underground paulistano como o Ian Curtis brasileiro, um front-man lendário que estava registrado em fotos e vídeos da década de 1980. Frank liga então para Zack e diz que vai passar um mês em Londres, mas ainda não fala sobre a sua nova ideia. Zack tinha uma certa nostalgia de seu período punk no Anti-Pop, mas vivia seu período mais feliz no pub londrino, coisa que não sentiu nem em seus tempos de punk paulista e maloqueiro. Frank decide então comer pelas beiradas, mas alimentava este seu novo sonho, tocar novamente ao lado de Zack, coisa que experimentara brevemente no reencontro na mesma Londres que agora fascinava a alma bêbada de Zack, agora um punk de pub, que sabia mesmo ou gostava era de vender discos e camisas de rock, o pub era a parte divertida, sua cachaça eram os discos e camisas pretas. Zack fez isso antes de ser vocalista do Anti-Pop, e sua origem profissional era de vendedor, ao seu estilo rocker e punk.  
Em 1997, em janeiro, o Anti-Pop lança o mini-documentário do pub de Zack, que vende bem, e a ideia de Frank de ter uma nova banda com Zack passa a ser um projeto que também ganha o apoio dos outros caras do Anti-Pop, a Roadrunner compra a ideia e fica só faltando a decisão de Zack por voltar aos palcos, no que ele pede um mês para pensar, em como faria para alguém cuidar do pub se ele fosse cantar de novo. Em março sai a decisão: Zack entraria em estúdios com toda a banda Anti-Pop para compor, e Frank fica esfuziante, ele ali sentiu que tinha seu amigo de volta, mais vivo do que nunca. E o estilo certamente seria o punk original de influências de Stooges e Pistols que eles estancaram na década de 1980, agora com novas composições, mais maduras do que a fase juvenil dos meninos de SP. Pois agora Frank era um músico que podia transitar do erudito para o popular sem afetação nos dois modos de abordar a música e o rock em geral, pois estava no seu auge como instrumentista e compositor, e poderia conduzir Zack de volta ao seu posto de performer rocker frenético e visceral. E o próprio nome do Anti-Pop entra em cogitação, e nasce um dilema entre um nome para um projeto paralelo ou se aquilo também era o próprio Anti-Pop criando dois caminhos simultâneos, e a cabeça de Frank agora ferve para nomear a sua ideia maluca de ter Zack de volta.
Ao fim, em maio, depois dos ensaios e composições rápidas como demanda uma banda punk de garagem, já se tinha 15 novas músicas, todas de 2 e 3 minutos, e Frank então dá uma de doido e diz que o projeto era mesmo o próprio Anti-Pop voltando às origens, e claro que ele sabia que o outro caminho, o thrash metal profissionalíssimo que culminara na obra prima “New Age of Metal” continuaria dando novos frutos, mas era um intermezzo para uma grande festa punk com o filho ou irmão pródigo Zack para ele fazer seu número que sairia de vídeos antigos e caseiros de uma SP punk da década de 1980 para uma Europa que ainda não tinha visto os dotes de front-man de Zack, e que Frank sabia que valia a pena patrocinar aquela ideia maluca e arriscada que até a própria Roadrunner comprara sem grandes problemas.
Frank àquela altura tinha pleno domínio de todos os processos que envolviam o Anti-Pop, incluindo fazer o que quisesse como e quando bem entendesse, mas mesmo assim ele conversou com os donos da gravadora quando teve a ideia de trazer Zack de volta para uma aventura com o Anti-Pop, no que a Roadrunner não contestou, Frank era o líder criativo e dono da banda, mesmo que ele fizesse com que todos participassem com sugestões o tempo todo, mas que os próprios músicos tinham confiança nas ideias de Frank, assim como a Roadrunner, e neste caso inusitado de um disco punk com um velho integrante que não tinha banda há anos, o próprio Frank achou que estava maluco, mas todo mundo ficou maluco junto com ele, e de súbito Zack estava na banda e eles tinham um disco de punk à moda Stooges e Pistols.
Em setembro sai então o disco do Anti-Pop de punk rock, com o título de “Cidade Louca”, com músicas punk em português, como na época em que Zack cantava na banda na década de 1980 antes do ingresso da banda na Cogumelo Records e na guinada para o thrash metal que a banda teve naquele momento. Era um retorno às raízes mais originais da banda que surgira no cenário punk da SP da década de 1980 e foi fazer fama como banda de thrash metal na fria Alemanha e no leste europeu na década de 1990. E era uma apresentação destas origens da banda para o público europeu, que desconhecia completamente quem era aquele novo maluco cantando numa banda que havia feito em 1996 um disco de thrash metal histórico e agora cantava em português com um estilo punk e de garagem.
A aposta dá certo, Frank viu que não tinha ficado maluco, o estranhamento do público logo vira festa, e une as tribos do punk e do thrash, só os mais radicais é que não entendem que aquilo era um momento paralelo da banda mesmo que o nome fosse o do próprio Anti-Pop, ou seja, se tratava de um projeto paralelo sem nome novo, usando a marca Anti-Pop, pois, no fim das contas, se tratava mesmo da própria banda, mas na sua versão crua dos tempos paulistas do punk da década de 1980, portanto, era mais um revival do que uma maluquice sem sentido. E Frank usou este argumento para apresentar o disco “Cidade Louca” para os alemães e nativos do leste europeu, no que dá certo, tirando os radicais que nunca entendem nada ou só entendem o que querem entender.
Zack vira um personagem curioso no cenário metal, um punk numa banda de thrash metal que estava tocando punk em português, com Frank feliz da vida como um músico do Stooges ou dos Sex Pistols, como se não houvesse amanhã, e havia, e ele sabia que era o thrash metal que chegara aos píncaros da glória com o “New Age of Metal”, e que Zack era mesmo o projeto paralelo punk e que a encruzilhada era bem legal e um desafio, ao invés de um problema. Frank estava se divertindo e fazendo Zack se divertir, pois Frank sabia que Zack vivera nas sombras no seu período em Zurique, e Frank estava vivendo a alegria mútua entre ele, os músicos da banda, e um Zack sempre louco e frenético como um punk perdido numa banda de thrash metal.
No fundo todos estavam se divertindo, o caso todo era como isso seria resolvido depois, e logo Zack dá a deixa, pois diz que ele queria curtir a turnê daquele disco e depois voltar ao sossego de seu pub londrino, entre discos e camisas, depois de mais um sonho numa noite de verão, e que ele, Zack, seria grato ao Anti-Pop, tanto pela década de 1980, como com esta nova aventura ácida e doida do disco “Cidade Louca’”, mas que ele, Zack, sabia que Frank tinha uma puta banda de thrash metal que tinha realizado uma obra prima em 1996 com o “New Age of Metal” e que, sim, a diversão é importante, mas o processo histórico da banda era evidente e que isso seria o mais importante a fazer depois da festinha punk improvisada, e que sim isto foi importante para que o Anti-Pop fosse conhecido por inteiro pelo público europeu, que até então praticamente ignorava que um maluco frenético como Zack fizera parte da história daquela banda que era conhecida como uma banda de metal e não de punk, e Zack entendeu que este era o sentido de sua nova passagem pela banda, e Frank também, ao fim, entendeu a mesma coisa, fazia sentido, ou todo o sentido. E Frank também sabia que o mais importante daquilo tudo é que Zack tinha sobrevivido à Zurique, e era mais um motivo para a festa punk com o Anti-Pop antes do retorno ao sério trabalho de um thrash metal consolidado que Frank agora dominava sem afetação ou presepadas.
A turnê dura cinco meses, vai de outubro de 1997 até fevereiro de 1998, quando Zack anuncia que a banda seguiria sem ele, dando prosseguimento ao trabalho que foi realizado em “New Age of Metal”, e que ele, Zack, ficaria feliz observando o caminho de sucesso do Anti-Pop em seu pub londrino, e que já valera a pena aquele disco novo com o Anti-Pop, e que “Cidade Louca” era um ponto fora da curva da banda e que, ao mesmo tempo, revelava a linha da estrada do Anti-Pop, seu sentido total, a versão punk paulista, e o caminho pavimentado no thrash metal de domínio técnico e inspiração rocker plena. Zack sentia que tinha cumprido uma missão especial na banda, e as rusgas entre punk e metal agora estavam numa harmonia inaudita descoberta pelo tempo, senhor de todos os caminhos e percepções. Zack era um coringa que consolidou a banda na sua História, principalmente para o público europeu, mas o processo histórico era continuar o caminho do thrash metal e que agora era uma avenida aberta pelo trabalho em “New Age of Metal”.
Zack volta ao pub em março de 1998, o Anti-Pop entra em estúdio, agora com a formação de Frank nos vocais e guitarra base, Bruno na guitarra solo, Limão no baixo e Romeu na bateria, eles convidam Zack para assistir as gravações e mixagens, e os músicos não pretendiam realizar um trabalho ambicioso como fora o “New Age of Metal”, pois já tinham seu lugar no mercado, queriam um trabalho correto e bem realizado, o que resulta num álbum de cinquenta minutos com onze músicas, sem as ambições do New Age, mas com a pegada thrash suficientemente potente e até mais pesada que o New Age para fazer seus fãs delirarem com a porrada que ganha o título de “Broken Bones”, certamente o álbum mais pesado do Anti-Pop até ali, com um groove que ecoava até um pouco do Pantera do Vulgar Display of Power e do Far Beyond Driven.
Zack então, já em seu pub, bebendo vinho e cerveja, está bem, mas tem três visões que servem para resumir a sua vida até ali. Numa manhã, com o pub ainda fechado, ele vê uma silhueta, naquele tempo ele estava casado com uma carioca de nome Margô, e a silhueta fala o nome de Margô, e ele reconhece a voz de Elvira, uma coisa estranha, mas que ele entende ser uma mensagem, ela repete mais uma vez o nome Margô, e depois sussurra “Anti-Pop, missão cumprida”. Zack não tinha bebido nada e nem estava com sono, mas percebe que aquela silhueta era de Elvira, e depois desencana, entendendo que de fato o Anti-Pop tinha fechado um circuito inteiro na sua cabeça e que Elvira viera ali só para confirmar aquilo e que Margô ficaria ali com ele, depois de sua turnê “Cidade Louca”.
A segunda visão é em pleno expediente, já no início da noite, com o movimento do pub frenético, um homem com um chapéu do qual não se via o rosto, se aproxima do balcão em que Zack estava bebendo uma cerveja, e este homem dá uma respirada funda diante de Zack, se aproxima mais, se debruça sobre o balcão, e Zack percebe a forma do rosto do homem de chapéu, e não parecia ser um rosto humano, mas sim o de um felino da savana africana, e com um bigodinho também de felino diz que a silhueta era Elvira, que ela tinha sido tratada no umbral com várias injeções, e que Elvira agora vivia a buscar a verdade que perdera na noite de Zurique, e que tanto ele como Elvira estavam no pub para proteger Zack de uma recaída, e Zack se assusta, acha o felino estranho, mas mais uma vez relaxa e aquele homem de chapéu com cara de felino nunca mais aparece no pub.
A terceira e última visão é a que define a história de Zack até ali, e que dali para a frente ele viveria na paz do pub, sem razões para temer o que quer que fosse, pois aparece enfim uma mulher de preto, de noite, com o pub já fechando, esta mulher era o último cliente da noite, e Margô já dormia naquela hora, esta mulher de preto veste uma capa na qual esconde o rosto, em volta de sua cabeça Zack vê uma aura azulada e escura, como uma nuvem de cobalto, em volta do vestido preto desta mulher brilhos áuricos como pequenas luzes solares que emanavam daquela mulher que Zack percebera não ser humana, mas sim uma entidade, e que ele também percebe que era benfazeja, e ela então diz: “Sou a Madame Heroína, meu brilho de cobalto seduz e mata, mas quem passa pela minha porta e sai vivo é meu campeão, sou a senhora das vestes negras e do sonho de ópio, estive contigo nas noites frias de Zurique, faço bem a quem é mais forte do que eu, faço mal aos fracos que se afogam nas minhas vestes, no meu brilho áurico e na minha aura de cobalto, sou a Madame Heroína, me despeço, Zack, levei Elvira para o meu rio do esquecimento, Morfeu é meu chefe, sou a Madame Heroína a seu dispor, e sua aventura continua, para sempre, louco.”

Contos Psicodélicos/Gustavo Bastos
Pronto em 21/06/2017.





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