PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 9 de março de 2015

A FÁBRICA DE MONSTROS

   Bob Gil, Ricardo e Lúcio eram três amigos, todos na faixa dos dezoito e dezenove anos. Nas noites, gostavam de sair para pichar muros, todos no subúrbio, eles tinham nesta atividade lúdica seu passatempo, identidade e afirmação. Logo, depois de uma noitada em que Bob Gil, o líder dos três, subiu um paredão enorme de um prédio para deixar a sua marca, piche que era Commando em letras estilizadas, e com a sigla do grupo abaixo, T.T. (Tormenta Total), ele foi pego pela polícia, foi levado no camburão.
   Os outros dois, Ricardo e Lúcio, tentaram avisá-lo que havia chegado a viatura, mas, vendo que não daria tempo, correram embora. Ricardo e Lúcio resolveram então ir ao outro quarteirão e deixar suas marcas nos muros de uma casa: Ricardo era “Esnobe” e Lúcio tinha um nome sem sentido “Clacks”.
   Eles ficaram de ir atrás de Bob Gil mais tarde, quando amanhecesse. Foram a uma boate e pegaram a mesma mulher, a qual já conheciam, Norma, mais conhecida como Norminha, que já tinha passado na mão de todos os pichadores do bairro. E para os dois era satisfação garantida, até porque eles não tinham muito tesão por mulheres que ficam dificultando muito, pegavam as piranhas que davam para todos, pois dava menos trabalho.
   Norminha chamou os dois para a casa dela, ela tinha 32 anos e era viciadaça em cocaína. Lúcio tirou no palitinho com Ricardo quem seria o primeiro a comê-la naquela madrugada. Lúcio venceu, durou dez minutos, saiu do quarto dela todo suado, Ricardo então desistiu de comer Norminha, tinha dado um teco e ficou paranoico achando que Norminha que tinha mandado prender Bob Gil. Os dois saíram sendo estapeados por Norminha logo após, e deram no pé. Norminha era imprevisível, e como os dois não gostavam de dificuldades, viram que o preço da piranhagem tinha acabado de ficar alto para eles, que foram dormir numa sacada abandonada, para de manhã saírem atrás de Bob Gil.
   Naquela manhã, Bob Gil passou por um interrogatório surreal: “Quem é você? Um intruso do submundo? Vou mandá-lo para o inferno, conhece o inferno? Você fez pacto de sangue com o diabo? Como você achou este muro? Por que você sobe prédios? Qual é o nome do artista que disse que pichar é legal? Você gosta de comer sal? Vou enfiar um saco de sal na tua boca!”
   E, então, Bob Gil foi torturado por dois jovenzinhos aspirantes da delegacia, a tortura do sal. Ele engoliu um saco inteiro, e depois os jovenzinhos ficaram com garrafões de água na frente de Bob Gil, sem deixá-lo pegar a água. Deram um banho de gordura de porco em seu corpo, obrigaram-no a comer comida do chão, podre, depois que Bob Gil já estava com a cara preta da noite anterior por causa do piche como punição. Logo após, os dois aspirantes, já cansados da diversão, deram chutes em Bob Gil, que saiu a pontapés da delegacia, e então Bob Gil estava livre, na rua novamente.
   Bob Gil voltou à sacada em que Lúcio e Ricardo dormiam, eles tinham brigado com os pais e ficavam zanzando pelas ruas, só Bob Gil tinha uma condição abastada, morava de frente para a praia, mas sempre preferiu se aventurar no subúrbio, aonde seu pai lhe alugou um quitinete, mais para se livrar de Bob Gil do que para prestigiá-lo.
   Bob Gil tinha trabalhado de office-boy uns meses, mas foi mandado embora depois de chegar chapado de maconha no trabalho e de ter cuspido na cara do chefe. Enfim, já na manhã, Lúcio e Ricardo procuravam Bob Gil que procurava Lúcio e Ricardo. Os três se trombaram na praça principal do bairro pobre em que moravam, já ao meio-dia. Bob Gil pediu aos outros dois um banho na cara para tirar o piche, Norminha passou na praça e decidiu dar mais uma chance para Ricardo e Lúcio, pois ela queria mais uma sessão de sexo com Lúcio, mais do que os dez minutos daquela correria da madrugada anterior. Norminha levou Bob Gil para sua casa e lhe deu um banho até tirar o piche, depois de um boquete e tudo resolvido. Mas, Bob Gil não achou seu trabalho bom e saiu sem agradecer, ela ficou puta.
   Depois daquele dia, Norminha sabia que Lúcio, Ricardo e Bob Gil não prestavam um níquel e arrumou um pobretão caidinho que vivia bêbado pelas ruas como seu iniciado do sexo. Enquanto isso, Bob Gil queria se vingar dos dois aspirantes que tinham lhe torturado, falou do ocorrido na delegacia com Lúcio e Ricardo. Os três conheciam um mestre de jiu-jitsu com uma suástica tatuada no braço direito, que quebrava todo mundo que se metia com ele no bairro, foram lá fazer a caveira dos aspirantes que, por acaso, eram conhecidos do mestre, o faixa preta de jiu-jitsu tinha o codinome de Brutal, o que tinha herdado de seus tempos de pichador e queimador de erva, isso antes de se dedicar à luta para ser alguém na vida e ter ficado careta só comendo vegetais, e além do jiu-jitsu, praticar ioga e meditação. A suástica no seu braço era um exibicionismo de seu tempo de muros pichados, ele agora era budista e descobrira que tal símbolo também era budista, o que amainou a sua consciência.
   Brutal, que como iogue, era teoricamente um cara pacífico, contudo com qualquer coisa errada ele partia pro pau, era um bipolar que beirava à demência quando deixava a cartilha budista e virava o lutador da suástica no braço. Tanto que, depois de dois anos morando no bairro, ninguém mais mexia com ele, pois sabia que era perda total. Já havia, então, um ano que ele não brigava mais por causa própria, só quando algum amigo tinha sido humilhado ou coisa parecida. Seu senso de justiça era torto, ele era um monge até estourar, e aí, já sabendo disso, Bob Gil já tinha pensado nele desde que estava de manhã comendo sal com os dois aspirantes metidos a valentes quando as coisas estão fáceis.
  Depois de uma conversa com um tal de “Velhinho”, cara que conhecia cada palmo e pessoa do bairro, Brutal já sabia os endereços dos dois aspirantes que, por sinal, moravam perto de sua academia. Bob Gil ficou com um sorriso perverso de canto de boca, seria sua surpresa para os dois valentes quando Brutal fizesse o serviço. Bob Gil queria a forra logo, mas Brutal disse para esperar três dias, para sacar o movimento dos caras. “Nada se faz com raiva” disse Brutal, (olha quem dizia), mas tinha sentido, Brutal sempre foi calmo mesmo estourado, o que era um paradoxo, mas ele tinha tanta força que, quando brigava, parecia que estava fazendo um movimento de sua rotina, como quem almoça ou toma banho, portanto, sua agressividade era calculada, como quem tem um bisturi e sabe o que está fazendo.
   Passaram os três dias. O primeiro da lista era o que morava na quadra seguinte da academia de Brutal, aspirante que, Brutal descobrira, tinha sido seu aluno de jiu-jitsu há poucos meses antes de virar polícia, sabia seu nome, Everaldo. O outro era o Matias, que era um valentão do bairro, também conhecido de Brutal, e que, um ano antes, tinha levado uma garrafada do tal “Velhinho”, que não brincava em serviço, o que deu a Matias uma cicatriz na testa.
   Brutal disse para Bob Gil, ao meio-dia, para só aparecer depois que Everaldo tivesse com a cara vermelha, para ele ficar na esquina e não “perturbar” seu trabalho. Brutal tocou a campainha da casa de Everaldo, e quem atendeu foi sua esposa. Brutal disse que tinha um recado para dar ao seu marido. Everaldo apareceu na porta, abriu e reconheceu o antigo mestre de jiu-jitsu, nem deu para ele dar o primeiro pio e levou uma cabeçada no queixo, Everaldo viu estrelas e perdeu os sentidos. Brutal, então, não fez mais nada, e chamou Bob Gil.
   Quando Everaldo voltou a si, viu a cara de Bob Gil e tomou um susto. Brutal disse para Everaldo pedir desculpas à Bob Gil, o que mexeu com o orgulho de Everaldo, mas ele não tinha saída, pediu desculpas e garantiu à Brutal que não faria mais nada com Bob Gil, que ele poderia dar os seus rolés de pichação sem ser incomodado dali para a frente. Brutal então disse para Everaldo que tinha ficado barato, mas ele tinha conseguido o que queria, ninguém mexer com ninguém, que era o lema de Brutal.    
   Logo, Bob Gil ficou atordoado, queria ir logo na casa do outro aspirante, Matias, que era o mais insano da tortura, e desta vez Brutal prometeu a Bob Gil que o trabalho seria mais ríspido do que com Everaldo. Só que ordenou para que Bob Gil se acalmasse, e disse para Everaldo não ter contato com Matias nas próximas duas horas, pois senão levaria outra cabeçada. Everaldo nem pensou, teve um ardil, disse nada para Brutal, mas ligou para o delegado e falou um monte de abobrinhas. O delegado mandou um investigador atrás de Brutal e Bob Gil.
   Na casa de Matias a coisa ficou feia, ele subiu no telhado, Brutal e Bob Gil escalaram a telha, mas Bob Gil, apesar da experiência em subir edificações, caiu dentro da casa e quebrou a perna. Brutal decidiu suspender a sua ação e desceu junto com Matias do telhado, disse que não faria nada com ele se o mesmo levasse Bob Gil para o pronto-socorro, no que Matias pegou seu carro, e foram os três, Brutal, Matias, e Bob Gil gritando de dor para o hospital.
   Lá, Bob Gil teria de ficar de molho por uns dias, e no terceiro dia recebeu um diagnóstico de louco por um médico que não gostava de vagabundos como ele, foi enviado para uma clínica psiquiátrica, e lá encontrou Lúcio e Ricardo, que foram enviados para lá depois de uma briga de que não participaram, e foram pegos como boi de piranha. Os três agora estavam juntos novamente, no meio de um bando de alienados, e o investigador enviado por Everaldo disse a ele que “os caras já tão lá”.
   Dr. Ronaldo tinha um acordo com o delegado do bairro para pegar todos os vadios das redondezas e dar injeções para acalmá-los. Ali havia uma política velada de combate à vadiagem, coisa que só se tinha há cem anos, mas a polícia já estava de saco cheio dos pichadores que brotavam como uma hidra de lerna pelo bairro todo.  
   Não era Dr. Ronaldo que iria contestar a posição do delegado, ele tinha uma política sanitária ordenada pelo prefeito de pegar os zumbis das ruas e empilhá-los em qualquer canto. Mas, lá não era uma clínica de verdade, o que se tinha neste lugar era uma seita de combate a vagabundos, era coisa orquestrada pelo estado de polícia, não tinha medicação nem nada, era algo ilegal para combater a ilegalidade, e Dr. Ronaldo era só uma fachada para dizer que ali as pessoas estavam em tratamento.
   Brutal, que não devia nada, foi capturado por uma força-tarefa orquestrada por Everaldo e Matias, que agora estavam fazendo a vingança da vingança, o olho por olho que todos sabem vira uma bola de neve e acaba sempre mal. Everaldo e Matias, com mais dez homens, tiveram dificuldades para pegar Brutal. Três saíram com hematomas, mas conseguiram botá-lo no camburão, e ele caiu naquele lugar que era uma fachada de clínica, mas que funcionava como máquina de tortura e alienação.  
   Não havia enfermeiros, eram membros do estado de polícia que comandavam aquele lugar oculto da sociedade, o ímpeto era pegar vadios e enlouquecê-los. Só saía dali alguém, só quando este alguém estivesse em frangalhos, incapacitado de reagir. O delegado era o um dos líderes da seita que era chamada de “Purificação”. A prioridade era acabar com Brutal, que era o mais forte.
   Depois de dois meses com ardis psicológicos e físicos, o que incluiu, no caso de Brutal, sede e fome, ele finalmente saiu de lá, mas não era mais o mesmo, tinha sido doutrinado, e logo entrou para a força-tarefa para pegar vadios, foi incorporado à seita, não tinha mais livre-arbítrio, coisa que era negada pela teoria da “Purificação.”
   Brutal agora mudara de nome, seu nome era Plácido, e seu semblante abobalhado se tornou o veículo fundamental de expansão daquela limpeza social. A Purificação atuava externamente como uma igreja neopentecostal, A Igreja da Nova Luz. E os novos crentes, dentre os mais fervorosos, eram pinçados para a chamada “sala secreta”, que era a incorporação de neófitos para a força-tarefa oculta da “Purificação”.
   Dr.Ronaldo cuidava da Purificação, e seu irmão mais velho, pastor Dias, atuava exotericamente com a lavagem cerebral pseudo-bíblica de tipologias de auto-ajuda, com os crentes emocionados e caindo hipnotizados pelos passes magnéticos do novo líder da Igreja da Nova Luz. Norminha agora era uma das sacerdotisas, uma das concubinas do pastor Dias, e foi logo incorporada à força-tarefa da Purificação. Lá encontrou Lúcio e Ricardo entoando mantras sem sentido, estavam sendo doutrinados, mas não poderiam fazer parte do culto ou da força-tarefa, pois já tinham perdido o juízo completamente. Enquanto isso, Bob Gil estava num curso para virar pastor. Brutal, agora como Plácido, distribuía santinhos da Igreja da Nova Luz pelo bairro, tinha emagrecido e já não botava medo em ninguém.
   Na doutrinação, os mais alienados, como Lúcio e Ricardo, dentre outros que a Purificação chamava de “bestas”, estes ficavam entoando mantras ordenados por um guarda, o que incluía também três horas de uma sessão de cambalhotas para ficarem tontos e ouvirem a palavra “Idiota” gritada em seus ouvidos pelo mesmo guarda. A idiotia era o objetivo para com os chamados “bestas”. Lúcio e Ricardo estavam tão chapados que nem lembraram de Norminha quando a viram. Ela estava numa túnica azul e com os cabelos até os pés, como uma fanática que gritava Deus e Aleluia para os que estavam sendo encaminhados para a escola de pastores. Quanto aos “bestas”, ela gritava “Idiota” junto com o guarda às vezes. A situação clínica de Lúcio e Ricardo era indefinível, a lavagem cerebral os tinha inutilizado para a vida social, suas rotinas se resumiam a mantras, gritos de Idiota e cambalhotas, mais nada.
   A Purificação logo seria “revelada” aos crentes da Igreja da Nova Luz, como o cume da montanha, o ideal social que levava embora os bestiais, e que tinha nos chamados “bestas” a pureza dos que nunca retornarão. Os “bestas” seriam os novos anjos da Igreja, e já seriam apresentados à multidão de crentes do pastor Dias.
   A doutrinação, que havia exotericamente com a Bíblia, sobretudo o Velho Testamento, viraria uma coisa só com o esoterismo da Purificação, um plano de dominação social e psicológica idealizadas pelo Dr.Ronaldo, o delegado e o pastor Dias, que, a esta altura, depois de unidos, já começavam a olhar torto um para o outro, o que configuraria em breve numa disputa de poder insana pela liderança do capital e do nome da Igreja da Nova Luz e pela seita da Purificação.
   Os três, Dr.Ronaldo, o delegado e o pastor Dias tinham um projeto, quando da união de Igreja da Nova Luz e da seita da Purificação, o nome da nova organização seria Último Dia, e todos deveriam estar em túnicas ao entrar no novo templo, tudo com temática e estética do Velho Testamento. Era a ideia de recriar o Templo de Salomão, que era a verdadeira obsessão do pastor Dias, e que ordenou uma força-tarefa para sumirem com o delegado e o Dr.Ronaldo, mas Brutal (Plácido) ficou sabendo e disse ao seu mestre e mentor Dr.Ronaldo para ele fugir.
   Só o delegado foi pego, e levado para o estado de polícia da Purificação que ele mesmo tinha tramado. Lá, Norminha começou a gritar Idiota junto com o guarda, a intenção do pastor Dias era eliminar o delegado através da alienação por mantras e hipnose, na qual ele era mestre.
   O pastor Dias era o mais ambicioso dos três líderes, Dr.Ronaldo queria se vingar do irmão, e foi direto ao ponto, deu uma ordem para Brutal (Plácido) matar o pastor Dias, lhe deu um revólver e mandou acabar logo com aquilo, o Templo de Salomão seria agora ou do pastor Dias ou do Dr.Ronaldo.
   O delegado, depois de uma sessão ininterrupta de hipnose de alienação, já estava catatônico, e não oferecia mais perigo aos planos do pastor Dias, o delegado havia recebido um passe magnético do pastor Dias e agora imaginava que era um cachorro, mijando e cagando no chão no pátio da seita da Purificação, lugar que seria demolido quando da revelação da Purificação aos crentes emocionados da Igreja da Nova Luz.   
   Pelos planos do pastor Dias, Lúcio e Ricardo seriam as primeiras “bestas” apresentadas aos crentes da igreja, como uma introdução sutil ao mundo alienado que era o mundo puro e que deveria ser o ideal dos crentes dali para a frente. Claro, com um toque de hipocrisia, na igreja não seria escutada a palavra secreta “Idiota”, mas a idiotia era o plano de dominação social, financeira e psicológica do pastor Dias. O comando magnético já tinha mudado para “Puro” quando da entrada de Lúcio e Ricardo à Igreja da Nova Luz.
   Então, chegou o dia das “bestas” ou “puros” (na linguagem exotérica) serem apresentados aos crentes emocionados da igreja. A Igreja da Nova Luz teria, só naquela semana, e já divulgado pela publicidade da igreja, 57 puros que tinham, segundo o relato fictício do pastor Dias, passado pelo batismo nas águas do Rio Jordão, como os novos anjos, ideal de pureza, “bestas” (na linguagem esotérica). “Puros” (na linguagem exotérica).
   Aquela semana foi de festa, Lúcio e Ricardo repetiam a palavra “Puro” e “Anjo” o tempo todo. As “bestas” logo foram apresentadas naquela semana turbulenta, e os crentes emocionados se jogavam no chão, falavam em línguas e gritavam “Glória Deus” e “Aleluia”, num rito hipnótico em que havia desde sessões de descarrego até pregações doutrinárias calcadas sobretudo no Pentateuco, com Levíticos e Deuteronômio sendo citados pelo pastor Dias entre gritos de “Puro” e “Anjo” dos chamados “bestas” (linguagem esotérica).
   Os 57 “bestas” ou “puros” então são banhados numa grande bacia com “águas do Rio Jordão” para então gritarem, sob novo comando magnético: “Purificação!” E os crentes emocionados caíam aos montes, numa orgia magnética em que seria anunciada a construção do novo Templo de Salomão e a mudança do nome da igreja para Último Dia.
   Os anjos, como eram chamados os bestas pelos crentes, receberam uma verdadeira procissão, o pastor Dias disse aos crentes que quem tocasse nos “anjos” ou “puros” teriam a cura e a vitória, pois ali haviam almas abençoadas pelas águas do Rio Jordão, e que eram tão puros que de suas bocas só saíam agora a palavra “Purificação”.
   Entrementes, Plácido (Brutal) já estava à paisana para cumprir a ordem do Dr. Ronaldo para matar seu irmão, o pastor Dias. Só que o tiro saiu pela culatra, Norminha tinha ouvido a história de Plácido e avisou o pastor Dias da trama de Dr.Ronaldo. O pastor Dias avisou ao guarda da Purificação para prender o Dr.Ronaldo, e que, mesmo sendo subalterno do mesmo, quem mandava de verdade na Purificação era o pastor, e ele, o pastor Dias, seria o ungido do Templo de Salomão da nova igreja Último Dia.
   O guarda capturou o Dr.Ronaldo, enquanto Plácido era hipnotizado e imobilizado pelo pastor Dias. No dia seguinte o pastor Dias, junto com o guarda e Norminha, fizeram os passes de alienação em Plácido e Dr. Ronaldo e os transformaram em novas “bestas”. Logo apresentados à igreja como mais dois “puros”.
   E agora todos os crentes emocionados queriam também ser puros, e o agora pastor Bob Gil, de tão doutrinado na escola de pastores, já era considerado o sucessor natural do pastor Dias. Bob Gil era agora um dos que passaram a trabalhar na inauguração do Templo de Salomão, enquanto o pastor Dias lançava outro pastor candidato a prefeito da cidade.
   Só que havia um delator, um dos funcionários da Purificação, que agora seria demolida, e tinha perdido o emprego, denunciou as barbaridades cometidas naquele lugar à Justiça. E a Polícia Federal foi acionada e chegou a tempo de ver cerca de 150 bestas dentro da Purificação, antes da demolição.
   Um jornalista ficou sabendo e publicou uma denúncia de que o pastor Dias tinha esquemas de lavagem de dinheiro e lavagem cerebral. Logo, o nome do pastor estava envolvido num escândalo de proporções gigantes, mas, mesmo assim, com a denúncia vindo à luz do dia, os crentes saíram em passeatas em volta do novo Templo de Salomão contra a prisão do pastor Dias.
   O pastor, então, vem com uma plêiade de advogados, e deixa o Templo de Salomão ao cargo de Bob Gil, neste ínterim. Norminha vai junto com o pastor Dias para protegê-lo dos fotógrafos. Bob Gil agora já vislumbrava o pastor Dias fora de seu caminho, ele não tinha escrúpulos, e sua pose de sucessor era para fascinar o pastor Dias até que a casa caísse para o mesmo.
   Com o escândalo público, as chamadas bestas foram encaminhadas por assistentes sociais para uma escola de ressocialização, o que foi um trabalho brutal, e que duraria uns cinco anos, sem resultados efetivos. Lúcio e Ricardo, por exemplo, deixaram de falar “Puro” e “Anjo” para “Eu sou idiota”, como uma ressonância dos gritos dentro da Purificação.
   E, enfim, a demolição da Purificação foi feita, mas pelo Corpo de Bombeiros, engenheiros, e com a vigilância da Polícia Federal, para que nenhum crente emocionado entrasse lá. Os bens do pastor Dias foram confiscados, e o Templo de Salomão, agora com o julgamento do pastor Dias, que levaria a uma condenação de oito anos de reclusão, estava nas mãos de Bob Gil que, apesar de pastor, parecia que tinha recobrado a consciência, e resolveu acabar com aquilo tudo, queria vender o Templo de Salomão, faturou uma grana com isso, e então, ao encontrar velhos amigos da pichação, viram que estes agora estavam envolvidos no grafite, e então tornou o Templo num centro cultural, o local foi então chamado de Povo da Rua, e ele largou a Bíblia para virar grafiteiro.

09/03/2015 Contos Psicodélicos
(Gustavo Bastos)    


    

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