PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 8 de setembro de 2013

A ADOLESCÊNCIA E O MAL

   Não é fácil ser adolescente, a fase mais vulnerável da vida, psicologicamente falando, em que a personalidade está em formação e tem alterações e saltos radicais, numa busca de se encontrar de algum modo, e onde a alienação do mal se torna uma sedução praticamente irresistível para alguns.
   Crianças doces podem se tornar verdadeiros celerados na adolescência. Os valores entram em crise, a inversão destes se torna meio e fim de uma libertação que pode vir pelo aprisionamento das drogas, dos pequenos ou grandes delitos, e ainda, da cultura pop-rock-etc, que, se levada a sério, será um combustível perigoso para estas almas em combustão.
   O apelo do mal se torna uma nova virtude, a esperteza é a cultura predominante. Tudo na rua é uma aventura, se conhece de tudo, é uma vida muito rica e pulsante, se formam grupos, mútuas influências, desanda tudo pela droga, pelo furto, muitos ficam desorientados, muitos se perdem neste período da vida. Pequenas gangues que ficam na rua o dia todo, pra lá e pra cá. É a vida de flaneur, uma coisa Holden Caulfield que, aditivada por drogas, pode logo se tornar um ensaio de Alex do Laranja Mecânica.
   Alguns, mesmo que inteligentes, caem nas graças do mal. Estes se tornam agentes eficientes de uma vida de tirar vantagem, de tirar onda, de formar, em grupos diversos, comunicações e códigos, tal como em seitas secretas. Se vai à boca de fumo, se enfrenta o perigo, trombamos com pessoas perigosas, o medo sempre existe, mas é camuflado pela aventura, pela transgressão, pelo prazer, tanto das drogas, como do furto, as amizades de "parcerias fortes" ganham força, e geralmente, são efêmeras. Da onda de Racionais MCs, com rock, de ídolos que morreram de overdose, de experimentação ... alguns vão longe demais, outros entram menos fundo, mas também flertam com a morte o tempo todo.
   Já vi muitos que foram doidões no passado, e hoje são impressionantemente serenos. Deve ter algum aprendizado nisso tudo, um autoconhecimento que só quem esteve flanando e correndo perigo, sabe. Uma sabedoria conquistada após aventuras de anarquia e da experiência com o mal.
   O rock and roll e o demônio. Tive este amparo na música pesada, a liga mestra com o satanismo e o black metal, os inalantes, pequenos delitos, nada muito grave. Mas, o mais interessante de tudo é a cultura de rua, é um bom enfrentamento, conhecemos todos os loucos na rua, acontece de tudo, se ouve e se vê muita coisa, aprendemos, e nos perdemos.
   Holden Caulfield. A adolescência flaneur é o autoconhecimento pela pilantragem. Temos medo, muitas vezes. Entra-se em muita roubada. Duras de polícia, nem se fala. Mas, a flanagem é uma riqueza de imagens e experiências guardadas no nosso arquivo íntimo e pessoal.
   Talvez, de modo torto, se sobrevivemos, e, depois, olhamos para trás, valeu a pena, fomos aprendizes de feiticeiro. E sorte dos que saíram regenerados, estes tiveram sorte. Já vi gente que morreu, e tem outros que ainda insistem.
   Mas, a vida adulta é outra onda. O mal é bem compreendido, depois de porradas, o caráter se fortalece, voltamos a entender os valores dos valores, e até voltamos a ser doces, como quando se era criança.
   A onda amaina, a virtude da esperteza dá lugar até a uma nova atitude mais comediógrafa, mas nada boba. Ali dentro, todos os códigos estão bem guardados, o que é útil é percebido, o uso das habilidades é mais modulado, nos tornamos falsos bobos, mas a antena tá ligada, o novo engano e a nova malícia é serenar, não se impressionar, dar uma de idiota para testar quem ainda vende ilusão.
   Relaxei, onde há serenidade, o caos tá governado, bem  governado. Todos os apelos já estão bem trabalhados. Já sei e já soube, não preciso saber mais. Outro caminho se abre, quem fica pra trás, fica neste lugar morto. Pois, pra quem já tá em outra, um novo lugar se coloca, o intelecto se abre, a espiritualidade aflora. Já não somos mais os mesmos. Se conhece o mal, se respeita o mal, sabemos que as virtudes da adolescência são bom caldo de vivência, a educação pela pedra, coisa pra quem pulou no buraco e saiu mais forte, ouro puro, vibrante.
   Agora, a vida se torna mais clara e farta, repleta de toda satisfação, e a experiência é pessoal e intransferível, muitas vezes mais rica do que de quem sempre andou na linha, o que não é uma regra. Mas, não é justificar, é saber que o arquivo foi enriquecido, muito prazer foi experimentado, muita dor foi enfrentada, parecia que muitas vezes não se poderia aguentar.
   Muitos tiveram que ver todas estas tentações, ter todas as oportunidades de sucumbir, de implodir e nunca mais se levantar. Que nada, a alma está livre, e tudo aquilo que passou, também foi liberdade. Mas, troca-se a pele, a liberdade caminha sempre livre, e agora, por novas paragens, mais serenas, mais estudadas, menos impetuosas. Tudo isso sempre foi liberdade, mas agora, sem armadilha.
   Os que ficaram na rua, podem ainda crescer, e vão, se quiserem.  A ideia de liberdade, de agora em diante, se torna autêntico e potente autoconhecimento. A loucura é bem conhecida, bem explorada, e bem respeitada. Tudo passa pelo crivo desta experiência intransferível de cada um, e sobrevive quem é esperto, pois, bobo mesmo, é quem se perde na rua, e não volta pra casa.
   A rua agora é apenas um brinde, a flanagem é mais intelectual. Os garotos ficaram lá, ainda estão lá, em algum lugar da nossa memória. É engraçado tudo isso, tudo valeu, mesmo. O conhecimento do mal, cada coisa que se vê e se aprende, foi necessário, foi rico. Muita coisa não serve mais, agora, como conduta, mas serve como reflexão.
   O caminho que se trilhou teve muita armadilha, quase se morre. Mas, as experiências radicais, são também, sinal de uma liberdade radical. E, quando esta liberdade se encontra com a serenidade, tudo fica iluminado, e a rua ganha uma nova cor e um novo som, que nunca tínhamos imaginado.

08/09/2013 Crônica
(Gustavo Bastos)

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