PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

O LABIRINTO

Jack Samson pensava demais, ele não tinha um plano definido de vida, esperava uma grande aventura repentina, esperava algo semelhante a um gênio da lâmpada que lhe propusesse seus três desejos imperiosos e irrevogáveis, seu tempo era desperdiçado nessas divagações, então ele começou a “viajar” mentalmente na mitologia e achou o seu destino em Dédalo, queria se perder num labirinto para encontrar um centro imaginário de redenção, foi quando ele caiu dormindo certo dia e a resposta veio. Jack Samson finalmente teria encontrado uma meta para a sua pobre vida.


No sonho ele se achou numa cidade imaginária chamada Passion, que se situava no tempo remoto de uma Antiguidade contígua com os sumérios e mesopotâmicos, era um tempo de carnificina em que os rudimentos da civilização com sua leis se gestava. Era um tempo enigmático no qual só se poderia retornar através de sonho e não conhecendo a História, os livros não poderiam, portanto, nos dar as dimensões secretas de Passion, nem na realidade e nem na ficção, já que a fronteira entre o real e o imaginário em Passion não existia, tal cidade mítica era um encontro do tesouro filosófico num mundo cercado de mistérios, tal como se tivéssemos descoberto uma nova Atlântida de uma civilização que já existiu, mas que, como dito, se confunde numa fantasia improvável.

Então, Jack Samson acordou em Passion meio desorientado, uns guardas da realeza o capturaram, pois ele estava maltrapilho e fuçando o lixo atrás de comida, estava sem saber onde estava, não sabia o que lhe iria ocorrer naquele dia tão intenso. Jack Samson foi levado à prisão, já se tinha em Passion uma dura legislação pétrea que confinava bandidos e vadios, donde se tem toda uma história de captura de vadios de toda espécie na nossa civilização.

Levado à prisão, Jack Samson foi informado de que teriam que fazê-lo passar por uma prova da qual se saísse vivo seria um milagre, mas nada ganharia, senão a liberdade. Se caso não passasse vitorioso da provação é por que estaria morto, pois tal provação seria só superada pelo fato do condenado não ter morrido, Jack Samson estava ferrado, não tinha a menor ideia do que poderia acontecer com ele naquele dia. Os guardas lhe informariam o que seria em instantes, e uma ansiedade angustiante dominava sua alma que seria supliciada mais que o corpo. Os habitantes de Passion sabiam que os sofrimentos da psique eram mais eficientes que os do corpo, no corpo sofremos o suplício com desespero de dor física, na psique o desespero é do medo de enlouquecer. Cruel é a fantasia, a alma sofre mais profundamente que o corpo, suas torturas são mais sofisticadas, supliciar o corpo é óbvio, supliciar a alma requer habilidades mágicas, e a magia era um dos dogmas da cidade de Passion.

A magia daquele lugar oferecia aos seus iniciados libações que iluminavam seus caminhos ou que lhe conduziam à perdição, ali que se originou o mito de Passion que tinha em seu centro um labirinto, ali morriam os condenados e anátemas de toda espécie, súcias de ladrões eram queimadas naquelas entranhas do que chamavam de Hades antecipado na terra, a condenação espiritual era antecipada por uma condenação de suplício da alma viva no corpo, não haveria escapatória para Jack Samson, um homem contemporâneo num sonho mítico da Antiguidade, ninguém mais sabia se aquilo era um sonho ou uma reminiscência de outras encarnações ou ainda uma viagem espiritual no tempo, quem sabe que diga. Jack Samson agora sentia o que iria enfrentar, mas jamais imaginara aquilo.

Jack Samson é levado ao centro de Passion, lá avista o soberano Leviatã, ele era o Deus de Passion, tudo que Hobbes escrevera como alegoria era verdade, todos que ainda estavam no estado de natureza eram condenados pelo grande Leviatã, e os ladrões e vadios eram as vítimas preferidas do Labirinto da Perdição, lugar que era uma introdução ao Hades mítico daquele tempo. Nunca um humano sobrevivera no labirinto, e se tal o fizesse, seria considerado semideus e reverenciado com a liberdade, deixando Passion para encontrar abrigo nos vizinhos sumérios ou mesopotâmicos. A lei, como eu disse, era dureza, Passion e seu Leviatã não conheciam doutrinas de salvação, redenção ou perdão, isto ainda estava muito longe no tempo, tudo que se conhecia era o espetáculo do suplício da alma no terror espectral do Labirinto da Perdição.

Jack Samson, que deixara a prisão, é conduzido à boca da labirinto, seu medo era flagrante, o grande Leviatã se via satisfeito em ver mais um vadio caminhar para a morte e se perder espiritualmente, já que toda a concepção daquele labirinto era repleta de alegorias terrificantes de imagens perturbadoras, ali era o lugar próprio da magia negra, a qual era muito praticada em Passion e que foi o motivo principal da queda de Lemúria e Atlântida em tempos ainda mais longínquos.

Portanto, a magia branca dos iniciados perdia para a magia negra dos transviados, muitos dos ladrões e vadios que eram condenados ao labirinto eram acusados de bruxaria e maquinações contra o grande Leviatã, esse que era o grande Deus, sacerdote e grão-mestre de toda magia praticada em Passion, a lenda de Leviatã tem origem nesse inconsciente hobbesiano da origem da sociedade e da justificação do absolutismo milênios depois de Passion, o tempo antigo é o tempo da magia, depois do monoteísmo tudo muda, e a Palavra toma o lugar das fórmulas secretas de linguagem cifrada dos lugares “repletos de deuses e gênios maus”.

Muitos diziam que o Labirinto da Perdição era povoado por gênios maus que enlouqueciam suas vítimas até que elas cometessem suicídio, mas nunca nada fora provado, mas a crendice era generalizada em Passion, e o grande Leviatã era considerado por todos de Passion como da linhagem dos deuses e que era o único que tinha controle sobre os gênios maus, já que nem os bruxos tinham tal poder, a magia negra poderia fazer tudo de mau, mas até os bruxos respeitavam o grande Leviatã, o medo de seu poder sobrenatural era a crendice mor daquela cidade.

Então, finalmente, Jack Samson é jogado no Labirinto da Perdição, ele entra num lugar quente como uma fornalha e lá vê um anão que lhe propõe um jogo: acertar sete flechas em seu coração ou beber de uma bebida mágica e misteriosa que tinha efeitos alucinógenos, se não aceitasse o desafio, o anão chamaria um lobo assassino para devorá-lo por covardia. Portanto, Jack Samson tinha duas opções de desafio ou uma terceira de morrer devorado por um lobo feroz. Jack Samson escolhe, então, a opção que ele julga mais fácil, bebe a poção alucinógena, mesmo com medo que aquilo fosse um ardil do anão para envenená-lo. Logo Jack Samson descobre que aquilo que ele tomou era um chá de Trombeta, tal poção tinha um efeito alucinógeno que durava pelo menos três dias, ele realmente estava em apuros. Jack Samson já teve experiências com drogas na vida real, mas sabia que a Trombeta era perigosíssima e que ele poderia enlouquecer de vez.

O anão então começa a praticar o seu ardil e pega Jack Samson alucinado de Trombeta e o leva a um buraco cheio de víboras com cabeças de Fúrias, realmente tal viagem psicodélica se misturava com mitologia assassina e insana. Jack Samson teria que matar as víboras com cabeças de Fúrias no espaço de um dia senão o lobo iria devorá-lo, este era já o seu segundo desafio imposto pelo anão. Então Jack Samson lembra de vendar os olhos, já que as Fúrias, como se sabe, não poderiam ser avistadas sob pena da vítima que a olhasse se tornasse uma estátua de pedra. Então Jack Samson lembra de suas habilidades de esgrimista, já que o anão lhe dera uma espada para enfrentar as víboras com cabeças de Fúrias, o anão sabia que seu ardil poderia dar errado, mas a maioria dos anátemas que passaram por ali sucumbiram nesta etapa dos desafios. Mas logo Jack Samson traspassou todas as víboras com cabeças de Fúrias a fio de espada e o anão teve que acalmar o lobo faminto que adorava carne humana. O lobo se encontrava no centro do labirinto e era o único que sabia de seus caminhos e saídas, ele seria o desafio final.

Então o anão, depois de Jack Samson superar o último desafio, se revela como um gênio mau e se transforma numa serpente naja que rasteja velozmente em sua direção, então a serpente avisa que se Jack Samson dali passasse, ele estaria apto para enfrentar o lobo no centro do Labirinto da Perdição e que se matasse o lobo estaria livre para sempre, mas que jamais poderia colocar os pés novamente em Passion. Logo Jack Samson pega de sua espada que o anão lhe dera e fatia a naja que soltava fogo pelas ventas, depois que ele mata a serpente, ela volta à forma de anão e logo em seguida vira cinzas, era a hora de enfrentar o chefe dos gênios maus, o espírito do lobo devorador de ladrões e vadios.

Jack Samson tinha sua espada, o anão acabara de lhe ter feito um grande serviço, pois seria a espada que poderia lhe salvar. Logo o lobo lhe chama ao centro do Labirinto da Perdição e diz à Jack Samson que apenas cinco entre cem mil ladrões e vadios chegara ao desafio final, já que o anão da entrada do labirinto era bem conhecido por sua astúcia e ardis. Eram poucos que escapavam dos desafios daquele anão, que morreu cinco vezes, agora era a sexta, mas ele ressuscitava toda vez que o lobo devorava seus algozes, então a ressurreição do anão dependia pela sexta vez das artimanhas do lobo devorador no centro da fornalha do Labirinto da Perdição. A batalha final seria enfrentada por Jack Samson.

O lobo teria que enfrentar pela sexta vez um sobrevivente do anão, e era exatamente o lobo o detentor de todos os segredos da magia negra praticada em Passion, além dele o único que tinha acesso a tais mistérios era, evidentemente, o grande Leviatã. O lobo então avista Jack Samson e lhe recebe com uma bola de fogo vermelho de enxofre e veneno de naja, Jack Samson pega da sua espada e vai em direção ao lobo, com a espada desvia as bolas de fogo vermelhas, logo escapa de uma arapuca na relva que cobria o centro do labirinto e começa a gritar, o lobo se afasta e não tem mais veneno de naja, só sobra o enxofre que dominava o ar do centro do labrinto, então Jack Samson continua gritando, o que incomoda o lobo, o lobo fica perturbado, então Jack Samson vê uma muda de Trombeta e consegue enfiar na boca do lobo, o lobo começa a ter alucinações e então Jack Samson lhe decepa a cabeça com a espada que o anão lhe dera. Era a vitória de Jack Samson, o primeiro homem que escapara do Labirinto da Perdição. O grande Leviatã teria que arrumar outro lobo carrasco e outro anão para tomar conta daquele lugar maldito.

Jack Samson então pega um mapa que era guardado pelo lobo e só quem o vencesse teria acesso a tal mapa e sai do Labirinto da Perdição ovacionado pela população de Passion, é recebido pelo grande Leviatã que não lhe dá qualquer condecoração, apenas afirma: __ Estás livre! Agora não regresse nunca mais à nossa Passion! Então Jack Samson recebe um cavalo e deixa Passion, então o sonho acaba e ele finalmente acorda no mundo real e descobre o sentido da vida, que é encarar qualquer desafio, sem temer a morte, e sem temer, muito menos, a vida.



29/04/2011 Contos Psicodélicos

(Gustavo Bastos)

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