PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 6 de junho de 2024

ALLAN`S PSYCHEDELIC BREAKFAST

   Ferve na panela a sopa de letrinhas, ela está socada no meio do fogão seis bocas. O menino Paul imagina um povoado em sua cabeça. O barulho do ovo fritando etc. O Capitão Ovo, ele é o herói da história do menino Paul, seu parquinho está logo ali. Tem torradas. Tudo é muito gostoso e fresquinho. Ele já teve a festa dele. Agora, o Capitão Ovo quer um exército de torradas, passa manteiga na torrada Bela, uma torradinha maluca, bem tostada. Vem o guardanapo, o suco de laranja Tommy, um grande doido, ele era uma laranja sacana, foi espremido e ficou todo saidinho, num copão grandão. Olha em volta o menino Paul, seu apetite cresce. Allan é o dono do café da manhã, seu irmão mais velho. Ele mostra o muque e diz que aquele era o café da manhã dos campeões. A mãe Lucy, riponga antiga, está em seu céu de diamantes, os meninos são da pá virada, felizes e gostam do sol e do jardim da casa, também arejada e ensolarada. Toca na sala um som, Surrealistic Pillow, estamos em São Francisco, na Bay Area, tudo flui, tudo vira realidade. Paul imagina uma batalha em que o Capitão Ovo ganha das formigas do pátio, dos insetos do jardim etc. 

   As torradas gostam de manteiga e de geleia de morango, tem briga por geleia de morango e por manteiga. Allan dá ordens para as torradas, psiu! É o que Paul ouve-vê. Lucy também viu-ouviu, e as torradas obedeceram. O cheiro da geleia de morango era doce, o sabor era muito bom, Paul provou e Allan mandou uma torrada com geleia de morango para dentro, era a melhor marca de geleia, muito cara, e a manteiga também era boa, uma das melhores, e foram duas torradas que o Allan comeu com muita manteiga. Tinha um ovo frito, e claro que não era o Capitão Ovo, e as torradas que eles, os meninos tinham comido, eram torradas normais. A batalha contra os insetos era travada, e no meio do jardim tinha bonecos novos do Paul e aqueles que ele tinha herdado do Allan, que agora só queria saber de basquete, jogar basquete, falar de basquete, tudo de basquete, basquete, o tempo inteiro, ah, você viu o Jordan, o Pippen etc. 

   Acabou Surrealistic Pillow, e tomou a sala, como uma coberta sonora, a Day In The Life, zoeira, Lucy dançava no meio da sala, em cima do tapete, Paul imaginava flores, imaginava borboletas. Allan estava na cozinha, e botou sua camisa do Chicago Bulls, e ligou para um amigo, ia jogar basquete, basquete, e falar de basquete, de cesta, de garrafão, de bolas Spalding, de tudo, da NBA, de quem era o fodão, e ele achava que ia ser o Jordan e o tri, os play-offs eram nada, ia dar Bulls no final. A Day In The Life faz seu fade out, Lucy liga a televisão e passa o jornal. O Capitão Ovo, segundo Paul, também jogava, e tinha a casca dura, jogou com um garfo contra uma sardinha, um atum que tinha saído da lata, e ganhou, e ainda tinha muita torrada guardada, do café da manhã dos campeões, tinha na cozinha até um brasão do Bulls na parede, para lembrar que ali morava só campeão, que nem o Bulls, que nem o Michael Jordan. 

   A história que Paul escrevia em seu caderno se chamava “Allan`s Psychedelic Breakfast”, e o menino já imaginava tudo e também desenhava, ilustrava a história. Paul desenhava uma mesa posta, tinha fruta, suco, pães, ovo, leite, café, guardanapo, toalha de mesa, tinha Allan mostrando o muque e dizendo : “Este é o café da manhã dos campeões!”. Depois tem o desenho de uma tabela com cesta e de uma bola de basquete em que estava escrito Spalding. Começa a escrita, muito infantil : “O Allan era um cara muito legal, ele gostava de joga basquete porque ele acha que era um jogo que ele jogava bem. Ele gosta de mostrar seu muque, ele faz muque e faz queda de braço também. Ele gosta de comer ovo frito de manhã, com pão, torrada com geleia de morango. E ele joga basquete de manhã com seus amigos etc.” 

   Paul também imagina, no parque de sua cabeça, o que Capitão Ovo estava aprontando, e as torradas estavam serelepes, dando urras, e eram torradas com manteiga e muitas com geleia de morango, cheirosas, e que batiam nos insetos do jardim, um açucareiro servia de armadilha para as formigas, e Paul, quando queria dar uma de criança má, gostava de chutar formigueiros, para deixar as formigas desorientadas saindo do formigueiro recém-destruído, saíam várias delas, em ondas aleatórias, um caos, um desespero, o desastre das formigas, causadas por um chute idiota. 

   Paul gostava de beber leite e Lucy gostava muito de café, e fumava um cigarro que Paul achava cheiroso, e ela acendia um incenso, acho que ela não explicava nada porque Paul era novinho, quem sabia daquele cigarro era o Allan, e ele dizia que mamãe gostava de ouvir música fumando o cigarro. Era sempre assim, ela botava música e vinha aquele cheiro. Ela ficava na sala e dançava, e dançava, e gostava de música alta e música maluca. Paul sabia que Lucy, sua mãe, trabalhava em casa, pintando quadro, usava cavalete. De vez em quando fumava também quando pintava. Mamãe gosta de desenhar, de pintar, ela conversa com Allan sobre esportes, mas não entende nada, e ele pergunta o que ela pinta, mamãe fala que é coisa da sua cabeça, e eu não sei o que ela tem dentro da cabeça dela não, eu gosto do parque da minha cabeça, e agora gosto de desenhar e de inventar histórias, estou escrevendo a história nova, é “Allan`s Psychedelic Breakfast”, e quero começar e escrever estas histórias, e tenho um caderno. Paul imagina muito e começa a escrever a tal história do café da manhã, e tem uma boa criatividade para isso. Lucy, que ele chama de mamãe, era a Lucy dos tempos do Verão do Amor, uma jovem idealista, que tinha morado em comunidade por 10 anos antes de ter os dois meninos. 

   Tommy tirava a sua onda, num copão, este copão quase do tamanho de uma jarra, um Tommy espremido, tinha sido um laranjão doido, agora queria ser um super suco, o Tommy suco de laranja, o Tommy que agitava o café da manhã. A torrada Bela, que estava cheia de manteiga, preferia geleia de morango, e tava puta. Tinha umas três torradas rindo dela, cheias de geleia de morango em cima, cheirosas, e os pães, quentinhos, zoavam, riam, um dizia que ele tinha fundado o mundo, que o pão de cada dia é uma religião, e que ele era um pão importante, e vivia para cada dia, e que gostava mais de manteiga que de margarina, e que gostava mais de presunto e queijo do que de blanche de peru e que de manteiga de amendoim e que de café molhado em cima. 

   Ovídio, o primo do Capitão Ovo, agora gemia que nem um velhinho, tinha virado uma omelete, e tava perto de um croissant, que se deliciava com seu francês : “Pardon! Je ne suis pas un pain, je parle à vous, mes petits enfants, que j`habite avec des fromages dans une boulangerie, e je suis un grand croissant, pas un pain, e je parle aussi bien pour vous, monsieur, mademoiselle etc”. Ovídio ouve aquele negócio arrotado, de um croissant metido à besta, e maldiz seu destino, virar recheio de um francês afetado, terrible. 

   Ele era uma omelete, dentro dele tinha salsinha, presunto, bacon e queijo, e ele lembrava quando vivia em paz na granja, antes de ir para a panela de Lucy, antes de se afogar em queijo e começar a sua metamorfose em uma omelete de queijo. Ora, cantavam as torradas : “Lá vem a torradeira, ai ai ai! Lá vem a misteira, ai ai ui! E gostam de torrada com geleia, e gostam de torrada com manteiga, e gostam de misto quente, eita!”. E o Capitão Ovo que já tinha dado conta das formigas, pois o açucareiro ficou cheio d`água da mangueira e um monte de formiga morreu afogada. 

   Que doido, o Capitão Ovo comemorava, e Ovídio, agora um omelete de queijo, queria chorar. Tinha cheiro de queijo e de salsinha, e era chamado de apetitoso e que logo viraria lanche da Lucy, ele era zoado pelos pães, e o croissant, mesmo fazendo pose, e falando “merde” e “je suis malade”, também estava na mira. O bacon ainda tava quente, encalacrado no queijo, e Ovídio, em sua porção ovo, tava deprimido, não se reconhecia mais, sua vida curta de omelete de queijo era uma tortura. E Paul via isso tudo, e ele via e ouvia, via-ouvia, como uma música, e seu parque de diversões da cabeça não parava nunca. E assim Lucy também tomou numa talagada o super suco de laranja Tommy e devorou a torrada Bela. 

   E Paul tava começando os primeiros parágrafos da sua história, do “Allan`s Psychedelic Breakfast”, e também, na cozinha, acontecia isso tudo, e no jardim acontecia mais, e o Capitão Ovo gritava urra, e comemorava, e ele era um herói meio bobo, pois era um ovo. Fica pronta a sopa de letrinhas, Lucy grita o nome de Paul, que estava brincando com os bonecos no jardim. E ele vai comer a sopa, e brinca de alfabeto, A verde, E amarelo, I azul, O vermelho, U roxo, inventei a cor das vogais! Olha, sem as mãos, eu brinco com este macarrão que ele é uma minhoca, blé! 

   A sopa parece uma piscina, essas letrinhas estão nadando na piscina, que tem cheiro de caldo de galinha, que parece uma canja, ah, é uma sopa de letrinha, e tem cenoura, e tem chuchu, e tem tomate, e mamãe fala para eu comer que é nutritivo, pois depois posso lanchar e depois posso comer cachorro quente se eu quiser, quando a gente sair para a pracinha do bairro. B verde, C vermelho, D amarelo, R laranja, W marrom, inventei a cor das consoantes, estou aprendendo a ler! Paul, meu nome. Ca-fé, Lei-te, Ca-chor-ro, Ga-to, Ra-to, ah, Man-tei-ga, manteiga! Já sei separar as sílabas! 

   Eu escrevo agora a história, essa da sopa de letrinha, na verdade, foi ano passado, quando eu aprendi a ler, agora já sei fazer parágrafo e contar uma história. E conto : “Allan era levado, e não gostava de fracote, ele jogava basquete bem, e fazia muita cesta, e dibrava os moleque amigo dele. E ele gostava muito do café da manhã da mamãe, era o melhor do mundo, que nem o basquete que ele torcia, o da NBA. A bola era laranja, Spalding, e quicava, e Allan dava passe, e depois fazia a cesta de três, e pulava, e ia para o garrafão. Ele dibrava de novo seu amigo, ele gostava tanto de jogar que ficava suado, pingava muito. Mamãe lavava aquela roupa pois ficava em casa, trabalhava pintando, ela tem dinheiro e fala com vovô de vez em quando, que mora longe.” 

   Havia ainda um corn flakes que tinha um leão na caixa, o Jack, e no café da manhã dos campeões não podia faltar o mamão, e era George, que tinha mais inteligência que o Capitão Ovo, que era um herói bobo, e o Mamão George zoava o Capitão Ovo, que tinha a cabeça grande, mas era tonto, só tinha gema dentro, e ria da cara do Capitão Ovo. Eu sacudia aquela caixa de corn flakes, enchi uma tigela de leite, era um leite bom de caixa, um litro, muito bom. Jack saiu da caixa, e ele era o leão da marca Jack, que era o nome dele também. Um leão forte, e que falava muito, e que tirava onda de forte. Capitão Ovo, que tinha combatido insetos no jardim, agora tava olhando de lado, e tinha baixado a bola. 

   Mamão George e o Leão Jack estavam tomando o pedaço, e a cozinha e a casa toda estavam mais divertidas. Allan volta todo suado, e agora corria para o chuveiro, pois iria para a escola, e teria que levar também Paul, na garupa da bicicleta. Os dois vão estudar, de noite voltam e jantam, e no outro dia era sábado, com um grande café da manhã, e Allan exultante que sempre era ali “o café da manhã dos campeões etc”, e que ele ia tomar o corn flakes Jack do Paul, e ele deixa, pois achava que assim Allan fazia mais cesta no basquete etc. A tigela de leite e todo aquele corn flakes flutuando no leite, e Allan e Paul se deliciando com a marca Jack, a melhor marca de corn flakes do mundo. 

   O leão era interessante, dizia Allan, quando pegava a caixa, e perguntava se Paul não tentava copiar em desenho o desenho da caixa de corn flakes e Paul disse que ia tentar. E Allan fez uma aposta para Paul desenhar o Jack igual ao da caixa e que ele ia dar alguma coisa para Paul se ele conseguisse. Paul então depois pega papel e pilot e desenha um Jack idêntico ao da caixa de corn flakes e ganha uma camisa do Boston Celtics de Allan que parecia uma camisola nele, e que ficou engraçado, pois agora ele queria usar aquela camisa grande e verde toda hora. Lucy pergunta o que Paul tava fazendo com a camisa de Allan, e ele explicou a aposta, Lucy ri e fala que Paul parecia usar uma camisola, um anão com roupa de adulto. 

   Paul acha engraçado, e passa a gostar de usar aquela camisa do Boston que era bem maior que ele, isso no quintal, no jardim, e que tinha uma cesta, sobrava uma Spalding no jardim e ele resolve arriscar uns lances na tabela que também ficava no quintal. Jack era divertido, ele começou a bater bola comigo, quicava a Spalding e acertava a cesta de chuá. O Mamão George, que era um fanfarrão, desafiou o Capitão Ovo, que não sabia nada de basquete, e foi zoado, eu já sabia um pouco, conseguia fazer umas cestas, pois ficava no quintal quando não tava na escola e treinava sozinho, arremessando na tabela até acertar. A Spalding era a melhor bola que tinha, muito boa, e o Leão Jack só acertava, e acertou umas de três, numa linha que tinha sido feita no quintal com giz, e ele também dava enterrada e tudo. Capitão Ovo pagou um micão e nem parecia o Capitão Ovo que tinha voltado do jardim, que tinha matado inseto etc. O Mamão George era um fanfarrão porque era um garganta, ele também não jogava nada, mas não se arriscava, só falava besteira. E ficava fazendo bullying com o Capitão Ovo, e também piorou, pois mamãe comeu Ovídio no croissant francês, o omelete chorão agora já era e o croissant “oui, allez etc”, também tinha rodado. 

   Eu tive só aula de francês básico, não sei nada, falo também, “oui, maison, je suis etc”, faço o primeiro ano depois que aprendi a ler, o que sei é desenhar e agora tenho ideia para umas histórias, e escrevo redação na escola. Meu conto “Allan`s Psychedelic Breakfast” já tava quase pronto, só não tava todo pronto porque eu tava treinando basquete toda hora no quintal, achava que depois eu poderia jogar na quadra que nem o Allan, e eu usava a camisa do Boston, que era grandona, mas me dava vontade de só jogar quando eu botava a camisa, me sentia um jogador de verdade, num ginásio, imaginando o barulho da torcida, o narrador, tudo. Eu ficava com vários arremessos batendo na tabela e voltando, e acertava de vez em quando. E quando entrava de chuá eu tentava repetir e batia na tabela e voltava, eu ficava ali arremessando a manhã toda até a hora de ir para a escola. 

   “Allan tomava seu café da manhã, ele dizia que Lucy chamava de café da manhã psicodélico, que tocava música durante a refeição. Allan dançava no ar, ele levitava na música, gostava de pães, gostava de girar as torradas, fazia brincadeiras com a geleia de morango. Eu vi a geleia flutuar também no ar, Allan tinha virado um astronauta, e via o pote de manteiga flutuar no ar, e tinha suco de laranja e suco de melão, e tinha leite e tinha café, e a jarra de suco de laranja estava quase no teto, flutuava, e entrava fumaça na sala, Lucy fumava aquele cigarro com cheiro, e tinha incenso, e se jogava basquete na quadra, na praça, e tinha cachorro na rua, e tinha as meninas que iam ver o basquete, e elas jogavam vôlei. Allan tomava seu leite, e ele lia uma revista de esportes, e ele estava sentado numa cadeira que flutuava, a música era boa, e Lucy trocava de música de hora em hora.” 

   O Capitão Ovo agora tava com medo de virar omelete que nem seu primo Ovídio. O Mamão George ficava botando o terror em cima dele, o Mamão George era idiota, e o Capitão Ovo tava todo com medo agora, ele tinha gema na cabeça e ficava agora com medo de mamãe fazer dele outra omelete de queijo que nem fez com Ovídio, o Capitão Ovo agora era um cagão, e o Mamão George botava pilha nele porque gostava de ser idiota. Jack, o leão da caixa de corn flakes, falava para mim que eu tinha que treinar mais, que eu era muito ruim ainda, que só acertava de chuá quando tinha sorte. Que ele, Jack, é que sabia das coisas, aliás, ele sabia tudo, e ele achava que sabia de tudo que nem sabichão. Falava besteira também, que nem o Mamão George, só que o Mamão George era mau, ele era idiota de ficar botando o terror, e o Capitão Ovo agora era um nada, tava todo cagão.

   Lucy sonhava também, e fazia exposições de suas pinturas, e também trabalhava com materiais para esculturas, fora da casa, depois do jardim, ficava o seu ateliê, que era um anexo no terreno, aquilo ela tinha ganhado do pai, que era empresário e permitiu que Lucy investisse em artes plásticas. Eu via vovô de vez em quando, ele tava sempre viajando, trabalhando, ele morava em outra cidade, ele era legal, mas eu via ele pouco. Uma vez eu e Allan viajamos com ele de férias, mas só foi dessa vez, acho que dez dias, e a gente se divertiu. Mamãe estudou na belas artes, acho que era sobre pintura e escultura, e tinha um monte de livro, pois ela falou pra gente, pra mim e pro Allan, que ela fez na época do Verão do Amor, e agora de vez em quando aparece um pessoal aqui, até um amigo dela, cabeludo, Tio Bob, que gosta de brincar comigo e com o Allan, ele parece criança também, é meio doido. 

   Esse pessoal mamãe fala que é dessa época da belas artes e do festival que ela falou que foi o primeiro festival de música etc. Tem o Tio Bob e uma amiga da mamãe, a Mônica, que faz um negócio doido de ioga, fica na parede de cabeça para baixo, parece uma aranha, e depois o pessoal começa a falar esquisito, mamãe fala que é mantra budista, e eu não sei, é aquela coisa da estátua do japonês gordo que fica rindo, uma coisa maluca. E eles cantam esse negócio, que ela fala que é mantra.

   Chegou um pessoal, outro dia, aqui de noite, era a Mônica, o Tio Bob, e dois malucos que acho que era do teatro, que não sei direito o nome, eles ficavam falando poesia, mamãe gostava, eu acho esquisito porque eu não entendo nada, gosto de desenhar, e a música que mamãe ouve já acostumei, só conheço Beatles e Elvis Presley, e conheço a Marilyn Monroe, pois tem uma foto dela de filme na cozinha, tem coisa de antigamente que só sei porque mamãe conhece e fala. Depois dos malucos do teatro, a Mônica botou todo mundo para fazer ioga, eu e o Allan também, e a gente fazia e ficava um olhando para o outro segurando o riso, pois tinha o tal do mantra, e aquele negócio de respirar com a barriga, ela chamava de diafragma, eu não entendi nada, ficava respirando com a barriga, soltava tudo pela boca, soprava, e a meditação foi doida, eu ficava imaginando desenho de televisão, acho que é para ficar pensando até ficar ouvindo tudo, até coisa que cai na cozinha e no jardim. 

   Depois da meditação eu ficava olhando uma estátua de buda gordo, era dourada, e eu zoava aquilo e mamãe falava que aquilo era para a liberdade, que fazia bem para a cabeça, mas a minha cabeça é normal, eu faço desenho e agora tô escrevendo uma história, acho que esse negócio todo de cabeça boa etc é para adulto, não sei, a gente faz dezoito anos e vai trabalhar e depois casa e tudo, quem fica com a cabeça dodói tem gente que fala é que não quer virar adulto, acho que foi isso que falaram uma vez. Acho que eu e o Allan a gente vai ser normal, virar adulto e tudo, acho que minha cabeça tá boa, e agora também quero jogar basquete. Allan também tava bem, e tava cada vez melhor no basquete, ele me viu jogando algumas vezes no jardim, quando eu treinava arremesso sozinho, e falou que era para eu arremessar mais forte, mesmo que batesse com força na tabela e voltasse, e eu joguei assim depois disso, até com Jack, o leão, que me zoava, mas achou melhor quando eu acertei a tabela e o aro mais vezes do que antes. 

   Tio Bob, naquela noite, depois da ioga da Mônica, foi brincar comigo, ele trouxe umas cartas e fazia umas maluquices, tinha carta que eu não sabia qual era, e ele embaralhava, tirava uma sem ver e descobria qual era. Era uma mágica, e Allan falava que era um truque, só que Tio Bob falou que era segredo, e que sabia um monte, pois ele também tirou uma carteira de dinheiro que pegava fogo, Tio Bob era bem maluco. Tio Bob depois bebeu cerveja com os dois amigos da mamãe, os do teatro, e depois, quando o pessoal tava bêbado, eu acho, voltou aquela história de falar alto sobre coisa que eu não entendia nada, a poesia que eles falavam que nem uns doido de filme, com voz diferente, e eles mexiam os braços, a cabeça, andavam pela sala de casa, e era um teatro e poesia, eles andavam e falavam aqueles negócios que eu não sei o que é. 

   E depois teve o cigarro com cheiro, e acenderam incensos por toda a sala, ficou meio de fumaça a sala, e tinha um ventilador de teto e outro de chão, e aquele cheiro do cigarro que mamãe fumava e que agora todo mundo tava fumando, pois passava de um para outro, o mesmo cigarro que tinha um cheiro que eu já sabia como era. E depois, no outro dia, mamãe botou uma bata no Tio Bob, era roupa de oriental, e tirou umas fotos, e ele também usava um óculos escuro grande e redondo, e fumava o cigarro com cheiro. Depois ele saiu, e mamãe fez o café da manhã, e eu vi de novo a guerra das torradas, umas com manteiga e outras com geleia de morango, e eu comia meu corn flakes com leite numa tigela, e o Jack pulou da caixa de novo e ficava pulando e urrando na cozinha. Enquanto eu ainda tomava o café da manhã, Allan tascou o Mamão George, que foi devorado, e depois Allan bebeu um suco de tangerina e botou sua roupa de basquete e foi para o treino, ele falou. 

   Agora ele jogava com seus amigos e também tinha treino com professores de um clube ali perto de casa. “Era uma vez o Mamão George, ele tirava onda de tudo, mas era um mamão, um mamão suculento, e Allan devorou”, assim cantava Jack, o leão, e ele falava que era um leão do cereal, e que não viraria comida, era um desenho, um personagem de desenho. Dentro da caixa que ele vendia tinha um saco cheio de corn flakes, e ele era o desenho que vendia tudo na caixa e na propaganda da TV. E a gente jogou de novo no quintal o basquete e eu acertei mais cestas do que antes, e o Jack até me zoava menos agora e até falava bem, e falou legal quando eu acertei uma de três pontos de chuá. E ele gostava de dar enterradas, eu não fazia porque eu ainda era pequeno e tinha que arremessar para mais alto para acertar a tabela e o aro e a cesta. 

   Paul então já estava quase terminando a sua história do “Allan`s Psychedelic Breakfast”, e ele estava encadernando, e no meio do texto, com muitas páginas, tinha ilustrações sobre a história, tudo bem organizadinho, e nos seus sete anos aquilo era uma história com figuras, o que para um adulto poderia ser um conto com ambições de HQ etc. Era tudo bem encaminhado, a história tava ficando boa, e quando terminou, Paul leu um trecho para o próprio Allan : 

   “E ele terminou seu suco, ele bebeu tudo de uma vez, e no café da manhã, enquanto no jardim tinha um sol e um céu azul. Allan se divertia com um brilho lilás, e pinturas que surgiam em telas flutuantes, eu desenhava muito sobre a história deste café da manhã, e de repente Allan levitou, ele olhou em volta e aquele café da manhã dos campeões era agora o seu café da manhã psicodélico, e a torradeira começou a cuspir torradas para todos os lados da cozinha e da sala, no meio da mesa em que se servia o café da manhã, enquanto ovos eram fritos e ficavam mexidos na panela por mágica, sem ninguém preparando, só o barulho dos ovos fritando dava para ouvir vindo da cozinha, enquanto um teclado que ficava na sala tocava uma música calma, mas também meio psicodélica, e Allan foi flutuando até o jardim, e nunca tinha visto um café da manhã daqueles, o café da manhã psicodélico do Allan”. Allan bateu palmas no final e falou que achou a história bem doida. 

   Paul entendeu que ele achou legal e tudo. Allan deu outra camisa para ele, desta vez uma do Chicago Bulls que tinha ficado pequena nele, uma do Pippen. Ele tinha a do Jordan, ainda nova, que ele tinha que lavar direto pois usava quase todo dia e gostava de jogar com ela pois falava que dava sorte. E o Paul Pippen foi todo todo para o quintal treinar seus arremessos, e agora revezava a camisa do Pippen com a camisa do Boston, uma camisa oficial do Larry Bird. Parecia um camisolão, assim como a do Pippen, e Allan achou aquilo tão engraçado que tirou umas fotos do Paul com aquelas camisas maior que ele. E depois eles tinham que ir para a escola e tals. 

   No outro dia, pela manhã, a casa vazia, com os meninos no treino do basquete, pois Paul ficou  meses implorando para entrar na escolinha de basquete, e agora tinha sido finalmente matriculado, Lucy tinha tomado um LSD, e Allan e Paul foram para o tal clube em que tinha aulas e competições de basquete, e para depois irem direto de lá para a escola. Lucy tinha prometido que aquele seria o último LSD que ela tomaria, que era um gel que equivalia a dois micropontos, de uma gota bem pura, sem anfetamina, era um Sunshine mais potente que circulava agora em São Francisco. 

   Lucy viu-ouviu começar o efeito daquele Super Sunshine e voou para as galáxias, a sua viagem se deu na sala, com a mesa do café da manhã ainda posta, e ainda tinha bastante comes e bebes na mesa, e ela começou a sua trip e viu um brilho púrpura e outro verde limão em torno da mesa do café da manhã, e pegou um queijo derretido que estava sobre um pão de forma tostado e virou para baixo para ver o tal queijo mussarela mole descendo do pão de forma e viajou naquela metamorfose do queijo, olhou os desenhos da toalha de mesa, olhou e ouviu os ovos mexidos, e ela foi no som e colocou Genesis para tocar, e logo chegou no clássico “I Know What I Like (In Your Wardrobe)”, e a viagem de LSD entrou no seu estágio mais intenso, o Super Sunshine bateu forte e bem, numa boa, numa nice, e Lucy cantarolava, dançando no meio da sala, incensos acesos, uma brisa entrando na sala que vinha do jardim, e ela cantarolava : “I know what I like, and I like what I know/Getting better in your wardrobe/stepping one beyond your show” …


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.


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