PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 25 de junho de 2018

SONETOS DE GÓNGORA


“logo o poeta se envolve em dívidas para manter a sua fachada de nobre”

Góngora, já viajando em missões como cabido, pensava em virar poeta palaciano, e neste meio, já almejando se tornar um dos grandes, também poeta da realeza, começa a sua inimizade com Quevedo, este que tanto iria criticá-lo e destilar várias farpas.
No cenário literário espanhol temos extensas contendas neste período de ouro. Resumindo a situação : Lope briga com Góngora, Góngora com Quevedo, e Quevedo com Ruiz Alarcón, e este, por fim, com Lope.
Em 1603 o poeta deixa seus escritos que comporiam o Flores de poetas ilustres de 1605 com Pedro Espinosa, aqui com Góngora, poeta cordovês, já de volta a sua terra, vai pelos anos seguintes produzindo uma poesia cortesã.
Contudo, marca a entrada em sua chamada segunda fase em 1610 com uma canção sobre a tomada de Larache, fase que renderia muitas críticas ao poeta. Mas, é neste período que o poeta começa a produzir uma poesia ou obra de tomo, com poemas mais ambiciosos e maiores, os que dariam, por exemplo, em obras como : “Fábula de Polifemo e Galateia” e as “Soledades”.
Em 1617 temos, adiante, seu Panegírico ao Duque de Lerma, trabalho literário decorrente da festa promovida pelo Cardeal de Toledo, este que era tio do Duque de Lerma. Lembrando que a esta altura o grau de elaboração desta obra era o maior até então da obra gongórica.
E temos, na biografia de Góngora, em sua pretensa vida e poesia cortesã, um ponto insustentável, pois logo o poeta se envolve em dívidas para manter a sua fachada de nobre, consumando a sua ruína o fato de poeta também estar mergulhado no vício do jogo, vivendo agora numa pompa aparente, na verdade afogado cada vez mais em dívidas.
Por fim, já próximo da morte de Góngora, este doa a seu sobrinho d. Luís de Saavedra a sua obra literária, que incluía tanto sua poesia como a sua prosa. Lembrando que não se sabe exatamente da prosa gongórica e nem se esta se tratava de sua produção epistolar. E o poeta, por fim, morre em Córdova, em 23 de maio de 1627.

POEMAS :

SONETOS

II (1582) : O poema é de um estro gongórico que imita um esgar petrarquiano, aqui como mímesis de versos de um soneto de um Minturno, por exemplo, no que temos : “De honestidade templo o mais sagrado,/Cujo alicerce belo e gentil muro,/De branco nácar e alabastro duro/Foi por divinos dedos fabricado;” (...) “Soberbo teto, que filetes de ouro,/Enquanto em seu redor gira o sol louro,/Ornam de luz, coroam de beleza;/Humilde adoro-te, ídolo formoso :/A quem por ti suspira ouve piedoso,/A quem te ergue hinos e as virtudes reza.”. O templo, eis, é erguido, o soneto nos canta com um esmero uma descrição majestosa, e nos dá esplendor o templo com fundo sagrado e numa forma trabalhada ao modo barroco.

VI (1582) : O soneto raia com um lume glorioso, no que temos : “Raia, dourado Sol, orna e colora/Desse alto monte o luxuriante cume,”. E segue o estro gongórico, agora com riqueza e realeza, no que vai : “Afrouxa as rédeas a Favônio e Flora,/E usando ao esparzir o novo lume/Teu generoso ofício e real costume,/O mar argenta, de ouro os prados cora,/Para que desta veiga o campo raso/Borde, saindo Flérida, de flores;/Contudo, não saindo ela acaso,/De ornato e cor ao monte não dês traço,/Nem persigas da Aurora o rubro passo,/Nem mar argentes, nem campinas doures.”. As flores dão a este campo do soneto sua luz, um bordado que de ornato tem o fundo e a forma.

XIII (1582) : O soneto levanta uma influência possível de Bernardo Tasso, e temos adiante mais uma demonstração do estro metafórico que faz do verso gongórico um ornato sonoro até na tradução que temos, no que se vê, portanto : “Ora que a competir com teu cabelo/Ouro brunhido ao sol reluz em vão,/E com desprezo, no relvoso chão,/Vê tua branca fronte o lírio belo;” (...) “Colo, cabelo, fronte, lábio ardente/Goza, enquanto o que foi na hora dourada/Ouro, lírio, cristal, cravo luzente/Não só em prata ou víola cortada/Se torna, mas tu e isso juntamente/Em terra, em fumo, em pó, em sombra, em nada.”. O soneto nos descreve como colo o cristal, cabelo o ouro, a fronte ainda como lírio e o lábio, por fim, cravo.

XVIII (1583) : O soneto, já acusando uma imitação de Ariosto, terá no Brasil, por exemplo, versões de poetas como Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, e aqui temos, pela versão gongórica, um estro magnífico, no que  vem : “Qual do Ganges marfim, ou qual de Paro/Branco mármor, qual ébano luzente,” (...) “qual tão caro/Safiro oriental, qual rubi ardente,/Ou qual neste feliz tempo presente/Tão douta mão de um escultor tão raro/Estátua conformara e até fizera/Ultraje milagroso à formosura/Seu formoso labor,” (...) “Diante dos olhos teus, sua figura,/Bela Clóri, dulcíssima inimiga?”. O soneto nos dá algumas definições de beleza feitas pela poesia, e a Clóri ainda estas não a iguala, é o que nos faz crer o poeta, com luxuriante estro em que tudo é possível.

XX (1583) : Em soneto que nos dá imitação de Égloga de Garcilaso, em novos ecos de Bernardo Tasso, temos : “Ilustre e formosíssima Maria,/Enquanto deixam ver-se a qualquer hora/Em tuas faces a rosada Aurora,” (...) “Mexe o vento à madeixa voadora/Que a Arábia nos seus veios elabora/E o rico Tejo nas areias cria;/Antes que Febo com a idade eclipsado/E o claro dia feito noite obscura/A Aurora fuja do mortal nublado;” (...) “Desfruta a cor, desfruta, e a luz, e o ouro.”. O soneto rico é um lume em que mais nos dá a ilustre e formosa Maria, num avanço colorista do estro barroco que tem efeito aqui no Brasil sob o poeta Gregório de Matos, por exemplo.

A D. SANCHO DÁVILA, BISPO DE JAÉN

LXXIX (1608) : Aqui temos a descrição poética do palácio do bispo, no que vem : “Sacro pastor de povos, que em florida/Idade, pastor, guias o teu gado,” (...) “Cantem outros tua casa esclarecida,/Mas teu palácio, com razão sagrado,/Cante Apolo de raios coroado,/Não Musa humilde de laurel cingida.” (...) “Milagroso sepulcro, mudo coro/De mortos vivos, de anjos tão calados,/É um céu de corpos, é um vestuário de almas.”. E a tal palácio o poema nos dá lume, com rigor e riqueza do estro barroco, aqui em colorismo gongórico.

OUTRAS COMPOSIÇÕES DE ARTE MAIOR

XXXIX (1608) : O poema florido, mais rico se faz, e sempre, aqui da inspiração sob comando da imaginação de Góngora, no que temos : “Da hoje florida falda/Em que a Alva fez de pérolas bordado,” (...) “Que pedem, com ser flores,/Branco a tuas fontes e a tua boca olores.” (...) “Mais de pontas armado de diamante :/Eu as pus de fugida,/E cada flor me custa uma ferida./Mais, Clóri, te hei tecido/Jasmins nesse cabelo desatado/E a mais beijos convido” (...) “Pagas-me em favos eu jasmins te dar.”. O poema tem este ardor que nos brinda com emoção mais um exemplo da arte barroca, aqui como arte maior, ao menos à época.

POEMAS :

SONETOS

II

(1582)

De honestidade templo o mais sagrado,
Cujo alicerce belo e gentil muro,
De branco nácar e alabastro duro
Foi por divinos dedos fabricado;
Pequena porta de coral prezado,
Claras lumeeiras de mirar seguro,
Que à mais fina esmeralda o verde puro
Para redomas tendes usurpado;
Soberbo teto, que filetes de ouro,
Enquanto em seu redor gira o sol louro,
Ornam de luz, coroam de beleza;
Humilde adoro-te, ídolo formoso :
A quem por ti suspira ouve piedoso,
A quem te ergue hinos e as virtudes reza.

VI

(1582)

Raia, dourado Sol, orna e colora
Desse alto monte o luxuriante cume,
Segue com doce mansidão, ó nume,
O rubro passo da alvejante Aurora;
Afrouxa as rédeas a Favônio e Flora,
E usando ao esparzir o novo lume
Teu generoso ofício e real costume,
O mar argenta, de ouro os prados cora,
Para que desta veiga o campo raso
Borde, saindo Flérida, de flores;
Contudo, não saindo ela acaso,
De ornato e cor ao monte não dês traço,
Nem persigas da Aurora o rubro passo,
Nem mar argentes, nem campinas doures.

XIII

(1582)

Ora que a competir com teu cabelo
Ouro brunhido ao sol reluz em vão,
E com desprezo, no relvoso chão,
Vê tua branca fronte o lírio belo;
Ora que ao lábio teu, para colhê-lo,
Se olha mais do que ao cravo temporão,
E ora que triunfa com desdém loução
Teu colo do cristal, que luz com zelo;
Colo, cabelo, fronte, lábio ardente
Goza, enquanto o que foi na hora dourada
Ouro, lírio, cristal, cravo luzente
Não só em prata ou víola cortada
Se torna, mas tu e isso juntamente
Em terra, em fumo, em pó, em sombra, em nada.

XVIII

(1583)

Qual do Ganges marfim, ou qual de Paro
Branco mármor, qual ébano luzente,
Qual âmbar ruivo ou qual ouro excelente,
Qual fina prata ou qual cristal tão claro,
Qual tão miúdo aljôfar, qual tão caro
Safiro oriental, qual rubi ardente,
Ou qual neste feliz tempo presente
Tão douta mão de um escultor tão raro
Estátua conformara e até fizera
Ultraje milagroso à formosura
Seu formoso labor, gentil fadiga
Que não fora figura ao sol de cera,
Diante dos olhos teus, sua figura,
Bela Clóri, dulcíssima inimiga?

XX 

(1583)

Ilustre e formosíssima Maria,
Enquanto deixam ver-se a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Febo em teus olhos e na fronte o dia,
E enquanto com gentil descortesia
Mexe o vento à madeixa voadora
Que a Arábia nos seus veios elabora
E o rico Tejo nas areias cria;
Antes que Febo com a idade eclipsado
E o claro dia feito noite obscura
A Aurora fuja do mortal nublado;
Antes de o que hoje é em ti ruivo tesouro
Vencer a branca neve na brancura,
Desfruta a cor, desfruta, e a luz, e o ouro.

A D. SANCHO DÁVILA, BISPO DE JAÉN

LXXIX 

(1608)

Sacro pastor de povos, que em florida
Idade, pastor, guias o teu gado,
Mais com o assobio do que com o cajado,
E mais que com o assobio com tua vida,
Cantem outros tua casa esclarecida,
Mas teu palácio, com razão sagrado,
Cante Apolo de raios coroado,
Não Musa humilde de laurel cingida.
Tenda é gloriosa, onde em leitos de ouro
Vitoriosos dormem os soldados
Que já despertarão a triunfo e palmas;
Milagroso sepulcro, mudo coro
De mortos vivos, de anjos tão calados,
É um céu de corpos, é um vestuário de almas.

OUTRAS COMPOSIÇÕES DE ARTE MAIOR

XXXIX 

(1608)

Da hoje florida falda
Em que a Alva fez de pérolas bordado,
Tecidos em grinalda
À tua fronte estes jasmins traslado
Que pedem, com ser flores,
Branco a tuas fontes e a tua boca olores.
Guarda destes jasmins
De abelhas era um esquadrão volante,
Rouco se de clarins,
Mais de pontas armado de diamante :
Eu as pus de fugida,
E cada flor me custa uma ferida.
Mais, Clóri, te hei tecido
Jasmins nesse cabelo desatado
E a mais beijos convido
Do que houve abelhas no esquadrão armado;
Lisonjas a porfiar,
Pagas-me em favos eu jasmins te dar.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/39205/17/sonetos-de-gongora




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