PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 17 de março de 2013

O GAROTO DO TERCEIRO OLHO

"Se um fato estranho te ocorrer, diga que é rotina, a vida é a estranheza a ser decifrada."

   José era um garoto normal, mas no dia em que iria à nova escola, acordou às 6 horas da manhã para tomar o café e sentiu um incômodo na testa ao levantar da cama, não notara que algo havia mudado em seu rosto, mais especificamente em sua testa, até que foi à cozinha tomar o café da manhã e sua mãe Josefina deu um grito: "Menino! O que houve? Tem um outro olho na tua testa! Um terceiro olho! Que horror! O que está acontecendo?". José se assustou, não acreditou no que a mãe tinha dito, mas ficou em dúvida e correu para o banheiro até o espelho e viu que não era mais o mesmo.
   José tinha então 15 anos recém-completos, seria seu primeiro dia de aula no ensino médio, sua mãe decidiu que ele não iria à aula naquele dia, e que, se aquele olho não sumisse em uma semana, marcaria um médico para retirar aquele órgão intruso. José ficou constrangido, mas disse que iria à aula com aquele olho na testa mesmo, sua mãe hesitou e acabou cedendo, com a condição de que José usasse uma faixa na cabeça para esconder aquela monstruosidade.
   José então tomou o café da manhã, com um certo desconforto, pois ficou com dificuldade de focar a visão em objetos, uma vez que o equilíbrio de dois olhos era prejudicado pelo órgão intruso, mas em 30 minutos começou a acostumar, inventou um macete de direcionar os três olhos ao mesmo tempo para o mesmo lugar e logo voltara a enxergar os objetos com nitidez. Mas, algo estranho ele viu: uma aura roxa em volta da cabeça de sua mãe, mas não disse para ela para não assustá-la, resolveu guardar aquele segredo para si mesmo, achou que aquilo não era normal, mas que iria passar, tal como um pequeno resfriado.
   José já tinha sonhado que tinha uma terceiro olho, achou novamente que estava sonhando, até que a hora de ir à escola chegou e ele percebeu que não era um sonho, que estava em carne e osso com um terceiro olho na testa, não sabia o que faria com aquilo, sua mãe resolveu marcar um clínico de emergência, não iria mais esperar uma semana, mas só conseguiu marcar uma consulta para dali a três dias, pois então, José teria que ficar com aquela aberração na testa ainda por uns dias até que fosse dada uma solução. Sua mãe confirmaria com o clínico se aquilo tinha jeito, se ele poderia ser operado. Mas José era corajoso, amarrou uma faixa na cabeça e foi à pé para a sua nova escola. Sabia que alguns de seus antigos amigos de rua também sonharam alguma vez na vida que tinham um terceiro olho na testa, e que aquilo, na verdade, se fosse descoberto em sua nova escola, não seria encarado como algo bizarro, uma vez que todo ser humano, ao menos em sonho, já tivera a visão de um terceiro olho na própria testa.
   Deu 8 horas da manhã, José chega à escola, com uma faixa vermelha na cabeça cobrindo seu terceiro olho. Ele entra na escola, passa pelo pátio, alguns alunos estranham a sua faixa na cabeça, mas ninguém o conhecia, logo não perguntaram nada para ele sobre tal faixa. José chega à porta de sua sala onde estava a sua nova turma, se depara com um menino gordo e bem alto, de nome Zaqueu, que pergunta: "E aí moleque? Machucou a cabeça? Tá que nem o Cazuza, com uma faixa vermelha na cabeça?". Ao que José responde: "Não é da sua conta. Mas já que perguntou, estou com um machucado na cabeça sim." Zaqueu olha para os olhos de José desconfiado, para seus dois olhos descobertos, sem nem sequer imaginar que por trás daquela faixa vermelha não havia um machucado, mas um terceiro olho. Zaqueu fica um pouco bravo com a resposta de José, já tinha lhe marcado a cara, logo faria algo com aquele novato atrevido. Mas, disfarça e diz para José: "Seja bem-vindo, e se cure desse machucado logo, vou te apresentar aos meus amigos no recreio." Sem perceber o ardil daquela última fala de Zaqueu, José entra na sala e se senta no fundo, sempre foi da turma do fundão, não gostava de ficar junto dos professores, e mesmo assim sempre teve notas brilhantes em todas as matérias que estudava, desde que se conhecia por gente.
   Zaqueu entra logo depois na sala e se senta no meio da sala, um lugar estratégico para "tocar o terror", até que algum professor tivesse um acesso de cólera e todos rissem incontrolavelmente. Zaqueu cochicha com Bruno, seu comparsa, e olha em direção a José, o mesmo não esboça nenhuma reação, finge que não é com ele, mas percebe na hora que Zaqueu e Bruno estavam falando dele. José faz uma pergunta ao professor de biologia na terceira aula, a última aula antes do recreio, e, no que acaba de fazer a pergunta, recebe uma bolada de papel com cuspe de Zaqueu, mas o professor não vê quem foi que jogou a bola da papel na cara de José, e ninguém se confessa e nem delatam Zaqueu. O professor deixa passar daquela vez e responde à pergunta de José. A aula acaba, todos descem para o recreio.
   Zaqueu e Bruno descem por último, já tinham colocado um rato dentro da mochila de José. Eles sabiam onde encontrar ratos, no depósito da escola, pegaram um com luvas e levaram para a sala, não satisfeitos em deixarem um rato na mochila de José, soltaram outro dentro da direção, que estava vazia no momento, a diretora só trancava a direção na hora da saída. Zaqueu e Bruno então descem para o pátio, tinham planejado tirar a faixa da cabeça de José para matarem a curiosidade e aproveitarem para caçoar do novato da escola.
   José vai à fila da cantina comprar um lanche, compra uma coxinha e um refrigerante, vai até a mesa do refeitório, mas antes de se sentar na cadeira, recebe um empurrão de Bruno, e enquanto José se vira para ver quem foi, Zaqueu pega a coxinha de José e come tudo numa única mordida e derrama o refrigerante de José no chão. José faz gesto de que iria brigar com os dois, é então quando Zaqueu tira a faixa da cabeça de José e toma um baita susto.
   Bruno sai correndo pelo pátio da escola dizendo que tem um extraterrestre estudando na escola. Zaqueu se assusta, mas logo toma coragem e enfia o dedo indicador no terceiro olho de José para confirmar se o que estava vendo era verdade e para machucar José também. José fica com seu terceiro olho vermelho depois da dedada de Zaqueu em sua vista, xinga ele: "Filho da puta!". Então Zaqueu dá um golpe de Judô em José e o deixa estatelado no chão, enquanto José começa a xingar todo mundo no refeitório e sai correndo para o pátio. Nisto, Zaqueu chega antes ao pátio, já em cima de uma árvore com um estilingue para acertar uma pedra no terceiro olho de José. É o que faz, acerta uma pedra em cheio no terceiro olho de José, mas este não se cega, pelo contrário, José acaba de ver três sombras em volta de Zaqueu, Bruno chega e José fala para ele: "Tem um duende atrás de você!". Bruno grita para a escola inteira ouvir: "Tem um extraterrestre na escola, e ele é louco! Alguém chama o SAMU para levar este doente para o hospício!". Zaqueu logo se volta também para todos no pátio e diz: "Ele é um extraterrestre, um Illuminati!". Todos na escola começam a xingar José, que, de súbito, sai correndo da escola e corre tanto que passa meia cidade em duas horas, cai ofegante na rua, estava completamente desorientado. Um pedestre da rua chama o SAMU, José é levado para a emergência, tentam segurá-lo, em vão, José dá o pinote de novo e depois de três horas correndo chega até a sua casa, esbaforido, vê sua mãe e desmaia ao entrar na sala de casa.
   Dia seguinte: José acorda, já descansado e calmo. Diz para a sua mãe: "Não volto para aquela escola, lá só tem loucos." Sua mãe diz que lhe havia avisado para não ir para lá enquanto não se resolvesse o problema de seu terceiro olho. Passam-se mais três dias, José passa esses três dias de repouso dentro de casa. Sua mãe e ele vão ao consultório, o clínico, então, apesar de assustado, e de nunca ter visto um caso daqueles, marca a operação de retirada do terceiro olho de José para dali a sete dias. A operação ocorre no tempo previsto, o terceiro olho de José é retirado com sucesso, fica um buraco no meio da testa de José, que cicatriza em três semanas.
   Tudo explicado, José fica sabendo que Bruno e Zaqueu tinham sido expulsos da escola por causa daquele episódio em que ele tinha sido o bode expiatório. A diretora afirmou para a sua mãe que naquela escola o bullying não era tolerado, e que no dia em que houve a perseguição de José, a escola ficou um caos, muitos ficaram meio doidos com teorias da conspiração na cabeça, mas agora, sem Zaqueu e Bruno, a paz tinha se reestabelecido na escola, e a diretora garantiu que fez um sermão na escola inteira por causa daquele episódio e que a integridade física e moral de José estavam garantidas por ela, e que todos os alunos já estavam mais calmos e que receberiam José de volta.
   José retorna à escola, meses depois fica sabendo que Zaqueu tinha sido assassinado por outro menino que se vingou de Zaqueu também por causa de bullying. Bruno tinha sido preso por tráfico de cocaína, e José, com uma marca vermelha na testa, se tornou o melhor aluno da escola, com as melhores notas, muito admirado pelos professores, e protegido por muitos ali dentro, que agora sabiam que José era "normal", apesar do fato inédito na história da medicina de lhe ter nascido um terceiro olho na testa, que foi retirado com sucesso, mas que nenhum médico sabia explicar o porquê daquilo ter surgido na testa de José.

17/03/2013 - Contos Psicodélicos
(Gustavo Bastos)
  
  
   

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