PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 12 de abril de 2015

SYLVIA PLATH

“uma das vozes mais intensas da poesia norte-americana.”
   Sylvia Plath, mais conhecida como poetisa, norte-americana, também atuou como romancista e contista. Dentre suas obras, podemos citar: The Colossus and Other Poems (1960), The Bell Jar (1963), Ariel (1965 – póstumo), dentre alguns lançamentos póstumos posteriores. Sylvia Plath pode se destacar com seu romance autobiográfico “A Redoma de Vidro” (The Bell Jar) sob o pseudônimo Victoria Lucas, e sua poesia pode ser situada na área confessional que reúne Anne Sexton, e que foi iniciada por Robert Lowell e W.D. Snodgrass.
   Muito em Sylvia Plath evoca uma imagem recorrente e que se torna um padrão forçado de artista, os que são colocados numa classe na qual se inclui uma mítica contemporânea do artista morto no auge de sua carreira e criatividade. É um culto do gênio trágico e suicida, o que carrega uma aura artificial e romantizada por dados negativos que, por serem romantizados e idealizados, se tornam virtudes de um gênio desenfreado e que morre jovem. A figura do mártir que, além de Sylvia Plath, tem uma coleção famosa na literatura, e que não é só de mortes juvenis, mas sempre trágicas: Ernest Hemingway, Cesare Pavese, Virginia Woolf, Maiakóvski, Anne Sexton, Hart Crane, Yukio Mishima.
   Há uma valorização de aspectos da personalidade desses escritores trágicos, o que muitas vezes obscurece o trabalho literário realizado pelos mesmos. No caso de Sylvia Plath, o fato que é dimensionado em demasia, pelo choque que provoca, é seu suicídio em Londres, em fevereiro de 1963. Sendo que as circunstâncias que precederam sua morte são exploradas e se tornam um espetáculo da mídia e da academia. E o resultado é uma deformação no cânon plathiano que reflete mais seu suicídio do que o interior de seu processo criativo.
   A publicação de seu romance autobiográfico The Bell Jar, um best-selller nos Estados Unidos com 80 mil exemplares vendidos em um ano, também contribuiu para colocá-la como um mito literário, distanciando a crítica e o público do fato de que Sylvia Plath era fundamentalmente uma poetisa, distorção que teve como outro efeito uma recepção equivocada de seu livro póstumo Ariel.
   O trabalho disforme de uma crítica fascinada pelo mito Plath pode ser corrigida pela crítica literária norte-americana Marjorie Perloff que, numa perspectiva mais atual, coloca Sylvia Plath na dimensão que, embora tenha sua produção interrompida precocemente, é situada como uma poesia de imagens e ritmos que Marjorie considera limitados e até clássicos, mas que tem o mérito de lembrar que Plath vem de uma senda de poetas norte-americanos que vieram após uma linhagem nobre que incluía, dentre outros, T.S.Eliot, Stevens, Frost e Auden. E a situação literária de Sylvia Plath, para Marjorie, era a de que maneira Plath poderia inovar dentro de certas convenções, tendo esta herança, e de como ela poderia transcender o cânon de peso destes poetas históricos. E o dilema de Plath, então, foi sobretudo conseguir, por meio de intensa atividade textual, uma voz própria e nova, o que, no seu caso, se serviu de convenções clássicas no molde confessional que foi sua marca.
   O suposto extremismo confessional de Sylvia Plath em seus poemas, que tem referência em sua escrita subjetiva, que, num momento da crítica, a situou ao lado dos poetas chamados os da “situação limite”, e que manifestavam uma escrita até violenta, tem com Plath um jogo em que uma aparência de confessional como desabafo, é equilibrada com um modo hábil de fazer poemas que a poetisa modula através do controle e da manipulação que, em poesia, são reflexo de uma mente informada e inteligente, e não apenas passional.
   A experiência pessoal em Sylvia Plath, portanto, não peca pela ego trip. A poetisa escapa deste erro e perigo, tudo com seu conhecimento e habilidade poéticas, que são uma prática de reflexão e expressão estudadas e não somente de um espontaneísmo juvenil ou de cepa visceral. O colapso nervoso ou o registro instantâneo delirante, a veia narcísica, e outras armadilhas, são evitadas por uma escrita que coloca o termo autobiográfico a favor da poesia, e não o contrário. O que distancia a poética de Plath de um equívoco de crítica que tenta situá-la como excepcional “graças” a sua vida trágica e suicida.
   Portanto, o que se dá na poesia de Sylvia Plath é um método de escrita que não tem relação com uma certa crítica que a idealiza no espírito da tragédia de seu suicídio, mas que é, antes de tudo, um trabalho poético que revela um controle absoluto, praticamente fascista, sobre a linguagem. O teor confessional e pessoal, mesmo que muitas vezes perverso e violento, não é gratuito, mas serve a um projeto de construção de linguagem. A emoção serve a um artesanato em que o material autobiográfico está sob um modelo consciente e determinado. A linguagem em Sylvia Plath é mais um serviço à poesia, no sentido lato, do que simplesmente um fervor de confissão emocional. A poesia de Sylvia Plath passa longe, para a nossa sorte, destes poetaços que se inspiram somente em fazer “comentários sobre a vida”.
   Sylvia Plath, em seu débito literário, está no imagismo de Pound, o que a leva ao sopro da poesia oriental, de formas breves, que será, por vezes, seu meio de expressão. Mas, tal brevidade poundiana não esgota a poesia de Sylvia Plath, pois seu estudo das formas clássicas vai além disso, e que também a coloca não como uma pioneira ou grande inovadora da linguagem, mas como ponto forte de tradições reafirmadas.
   A poesia de Sylvia Plath vem carregada também, e por outro lado, com um tanto de sua mitologia pessoal. Embora o mito possa, contudo, invadir biograficamente, sob uma forma disforme ou romântica, chegando ao disparate do espetáculo, criada pelo mau hábito de uma parte da crítica literária a respeito da poetisa, a análise de sua poesia. O que coloca a fortuna crítica a respeito de Sylvia Plath, por sua vez, como passível de revisão, no sentido de ordenar o mito com sua poesia escrita.
   Também podemos estender as influências de Plath, relacionando sua poesia, muitas vezes, com o objetivismo de Williams e o conceito de “Coisas” buscado na poesia de Rilke. Tendo sua qualidade imagista proximidade com o Zen, além do animismo poético de Roethke e de D.H.Lawrence, pois há uma lente de aumento sobre a natureza e sua respectiva humanização, e que ganhará sua expressão mais rarefeita em Ariel.
   A apreensão do mundo exterior, sendo subjetivado como estados interiores, tem sua expressão na poesia de Sylvia Plath principalmente nos poemas de 1962 e 1963, o que se pode ver no poema “Espelho”. Quando se fala em animismo na poesia de Plath, se fala de incorporação do mundo circundante na alma poética, que é o sujeito confessional, embora além da fronteira da pura interioridade, na sua relação com objetos da realidade material e natural, portanto, anímico.
   Dentre algumas expressões fortes nos poemas de Sylvia Plath, podemos citar, do poema “A Lua e o Texto”: “Esta é a luz da mente, fria e planetária./As árvores da mente são negras.” Deste ponto pode-se depreender o citado animismo, reunindo o estado mental, do sujeito poético, num significado que une um aspecto cosmológico ao conteúdo mental, no qual a alma, como mente, também é, por que não, cosmos, universo, e árvores negras. No poema “Espelho”, por sua vez, podemos ver os seguintes trechos: “O olho de um pequeno deus, com quatro cantos.” ... “Sou um lago, agora.” Aqui, Sylvia Plath, se une ao espelho, ser deificado e com um olho de quatro lados, e que a transforma num lago. Plath vê sua alma no espelho, e o olho do espelho é o lago de sua alma, seu corpo no espelho vira lago por que a sensação do espelho, como reflexo, vem deste olho que tem quatro cantos, e que nada mais é do que o olho de quem se vê no espelho.
   No poema Olmo, da exploração do espelho passamos ao fundo de tudo: “Sei o que há no fundo, ela diz. Conheço com minha própria raiz./Era o que você temia./Eu não: já estive lá.” Aqui a expressão de Sylvia Plath é enigmática, mas que tem, a quem é poeta, uma claridade evidente, que é o fundo da alma vendo a si mesma, que vai do poema Espelho a este Olmo, que diz do fundo e não o teme, fundo do qual quem não faz poesia, desconhece e teme. A raiz é seu fim e seu começo, como Eliot, e neste radar em que “a cobra morde o rabo”, Sylvia Plath diz que já teve uma experiência, temível a quem é covarde, mas que o poeta, ao ver seu saber de raiz, o expressa, e por isso cria, e por isso alcança a si mesmo sem o temor dos que andam na superfície. O fundo, a raiz, Plath já esteve lá.
   Em Ariel, o poema que dá título ao seu livro póstumo, o ar rarefeito se torna óbvio: “Estase no escuro./E um fluir azul sem substância/De penhasco e distâncias.” Agora o fluxo de Plath é sem substância, imerso no azul imaterial que a joga em penhasco e distâncias, pois na fronteira final se perde a substância e o azul eclode como o fluxo em que Sylvia Plath dá o seu canto do cisne, já que Ariel é a expressão de algo que está rarefeito e que vai para longe de tudo. Sua poesia, Sylvia Plath, agora flui livremente, e seu suicídio é um acidente, e sua poesia a condição de seu devir e o sentido que a linguagem, nesta aventura, tem como literatura e história de vida, sem o equívoco de glorificar sua morte, mas com a lucidez de ler seus poemas de modo isento.
   No poema “Palavras” temos o golpe chamado destino: “Do fundo do poço, estrelas fixas/Governam uma vida.” Sylvia Plath tem pleno domínio do que é  e de como o universo se processa, pois as estrelas fixas são seu destino, e o governo da vida vem do fundo do poço, que é, mais uma vez, raiz, espelho. A influência cósmica das estrelas fixas, que na linguagem comum podemos chamar de destino ou fortuna, palavras que significam o governo da vida com as coisas que acontecem, é uma influência que se torna experiência da poesia em Sylvia Plath. A poesia que se encerra com seu fim precoce, não limita, contudo, o valor histórico desta poetisa que se tornou uma das vozes mais intensas da poesia norte-americana.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :http://seculodiario.com.br/22282/14/sylvia-plath-1 

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